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Estudo do Exercito detecta 'cinturao' militar dos EUA

FSP, Brasil, p.A4
02 de Jan de 2005

Brasil perde capacidade de projetar poder na região, diz relatório
Estudo do Exército detecta "cinturão" militar dos EUA
Rubens Valente
Enviado especial ao Rio
Relatórios do CIE (Centro de Inteligência do Exército), em Brasília, revelam que o Exército brasileiro mapeou a presença militar dos Estados Unidos na América do Sul. Os três estudos, feitos em 2002, indicam que pelo menos 6.300 militares norte-americanos estavam baseados ou realizaram operações no continente entre 2001 e 2002.
Os militares americanos construíram pistas de pouso em cidades próximas do Brasil, no Paraguai e na Bolívia, instalaram radares e bases aéreas em nove localidades do Peru, montaram destacamentos e inscreveram dezenas de soldados em cursos preparatórios para combate em selva e contra o narcotráfico em diversos países sul-americanos.
Trechos e dados desses relatórios de inteligência do CIE -um deles intitulado "Presença dos Estados Unidos na América do Sul"- são a base do trabalho do coronel de infantaria José Alberto da Costa Abreu apresentado em novembro de 2002 na Eceme (Escola de Comando e Estado Maior do Exército), no Rio, para a conclusão do seu curso de especialização em Política Estratégia e Alta Administração Militar.
"Os principais reflexos para o Brasil da expressiva presença norte-americana nos países da América do Sul são: diminuição da capacidade brasileira de projetar poder em âmbito regional e a existência de um "cinturão" de instalações norte-americanas próximas às fronteiras brasileiras, principalmente na região amazônica", conclui o estudo do coronel.
Um coronel de engenharia do CIE foi o orientador do trabalho.
O CIE é o principal órgão de inteligência do Exército. É um órgão de assessoramento do comandante, no mesmo nível do Gabinete do Comandante e da Consultoria Jurídica.
Mestrado
No regime militar, então chamado de Centro de Informações, ficou conhecido por planejar o combate à guerrilha do Araguaia, no início dos anos 70.
A Eceme é a mais alta escola de formação dos oficiais do Exército, correspondendo ao mestrado no ensino civil.
Os relatórios do CIE utilizados pelo coronel apontam que, em número de militares, a presença americana mais expressiva ocorria, em 2002, na Bolívia. Pelo menos 5.000 homens dos Estados Unidos atuavam no país, que mantinha também a maior embaixada do continente, com 900 funcionários.
Além disso, soldados das forças especiais dos EUA "procuram levantar possíveis focos de grupos armados que possam, resistir às ações contra o narcotráfico" principalmente nas regiões cocaleiras de Chapare e Yungas, onde o governo boliviano colocou em prática, na década de 90, um plano de destruição das áreas de cultivo da coca, o "Plano Dignidade".
Desde 1999, a população indígena da região, que reivindica o direito ao cultivo tradicional da planta, tem reagido contra o plano de ocupação militar da região. O líder da oposição no país, Evo Morales, é da região.
Vôos clandestinos
"Existem, na Bolívia, diversas instalações de radar e de comunicações inseridas no sistema de comando e controle (C2) do Comando Sul dos EUA, destinadas a rastrear vôos clandestinos e a coordenar as atividades de combate ao narcotráfico. A operação e a manutenção desses equipamentos são feitas por técnicos norte-americanos", diz o estudo.
O Comando Sul, ligado ao Departamento de Defesa e com sede em Miami, estabelece e executa a política militar americana para a América do Sul.
A Colômbia, com atividade de pelo menos 500 militares norte-americanos, de acordo com o estudo, autoriza que militares do 7o Grupo das Forças Especiais dos Estados Unidos conduzam treinamentos em três batalhões colombianos antinarcóticos. O país tem recebido "mais assistência militar e policial dos EUA em treinamento, equipamento e armamento do que toda a América Latina e Caribe juntos". O Congresso americano autorizou recentemente o emprego de 800 militares na Colômbia.
Em 2001, 400 americanos teriam participado de um exercício na Argentina, e 465, em dois exercícios no Paraguai.
Assistência social
As atividades no Paraguai se estenderam por três meses (de abril a junho), na forma das chamadas Aciso (Ações Cívico-Sociais), cujo objetivo formal é prestar assistência social às famílias pobres.
Entre 1996 e 1997, segundo o estudo do coronel, foram construídas pistas de pouso nas cidades fronteiriças com o Brasil Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá e Coronel Oviedo.
No Equador, funciona a única Localidade de Operações Avançadas (FOL, em inglês) dos norte-americanos no continente. Por um acordo de cooperação de novembro de 1999, o governo equatoriano autorizou o uso americano da Base de Manta, na província de Manabi, que emprega quatro aviões grandes e quatro aviões médios. Um deles, o P-3 Orion, "é dotado de equipamentos óticos, acústicos e infravermelhos e os dados obtidos devem ser compartilhados com a inteligência da Força Naval equatoriana".

Região amazônica tem operações
Operações militares na região amazônica, exercícios para missões de paz e intercâmbio com oficiais americanos são os principais investimentos do governo dos Estados Unidos no Exército e em órgãos de segurança do Brasil.
Entre 1996 e 2002, de acordo com base de dados do Banco Central fornecida à CPI do Banestado, pelo menos R$ 11 milhões foram remetidos pelo governo norte-americano para contas bancárias de delegados da Polícia Federal brasileira. Parte do dinheiro foi destinada a financiar a Operação Cobra, realizada pela Polícia Federal na fronteira com a Colômbia para combate ao narcotráfico.
O Exército, em seu site na internet, divulga que o Exercício Forças de Paz, realizado anualmente, é "patrocinado pelo Comando Sul do Exército dos Estados Unidos". O de 2003, realizado em Buenos Aires, na Argentina, reuniu militares da Bolívia, do Brasil, do Chile, da Colômbia, do Equador, do Paraguai, do Peru, do Uruguai e da Venezuela.
Outra tese apresentada na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, sediada no Rio, permite conhecer uma visão americana sobre o assunto.
No estudo intitulado "A história das relações internacionais dos Estados Unidos e a luta contra as drogas", o major de infantaria do Exército americano Frederick Stephen Barrett, aceito como aluno da instituição como parte do intercâmbio entre os dois países, afirma que o Brasil é mais reticente aos americanos do que outros países do continente.
"Embora alguns países realmente tenham recebido com bom grado o envolvimento de tropas americanas na guerra contra as drogas, o Brasil considera qualquer envolvimento direto de tropas americanas como uma ameaça à soberania nacional. Portanto, o assunto nem mesmo é discutido", escreve o major.
"Os brasileiros são inflexíveis em relação a não extraditar cidadãos brasileiros para os Estados Unidos por causa de transgressões relativas a drogas", descreveu Barrett. (RV)

FSP, 02/01/2005, p. A4

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