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Estranhos invasores

CB, Cidades, p. 34
09 de Abr de 2006

Estranhos invasores
Levantamento do Ministério do Meio Ambiente mostra as espécies animais e vegetais que perturbam a biodiversidade no Centro-Oeste. Elas tomam espaço de plantas e bichos nativos e prejudicam a saúde

Érica Montenegro

Elas são 31, mas 10 delas são mais perigosas do que as outras. Quando chegam, modificam o ambiente ao redor. Todas são agressivas, ocupam mais espaço do que deveriam. Atrapalham o cotidiano dos vizinhos e, em casos extremos, chegam até a matá-los. São as espécies invasoras - plantas e animais que, estrangeiros ao ecossistema da região, estão provocando prejuízos ambientais diversos no Centro-Oeste. Com o objetivo de deter a proliferação dessas verdadeiras pragas naturais, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) fez um levantamento das espécies ameaçadoras. Entre os animais: caramujo-gigante-africano, abelha-africana, tucunaré, bagre-africano, javali, mexilhão-dourado. Plantas: braquiária, lírio-do-brejo, capim-gordura e capim-colonião.
Esses seis bichos e essas quatro plantas foram "importados" para cá pelo homem - seja por interesse econômico, por curiosidade científica, ou por bons propósitos. Nenhum deles existia no Brasil há 1.500 anos, quando recebemos a primeira visita dos portugueses. "Tínhamos apenas espécies nativas. A partir da chegada deles, iniciou-se o troca-troca", explica o professor Jader Marinho, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB). Troca-troca esse ampliado no mundo moderno em que as distâncias entre cidades, países e continentes se encurtaram graças às novas alternativas de transporte.
Apesar de estranhos ao habitat de cerrado e de pantanal, a turma de invasores se adaptou muito bem por aqui, multiplicou-se ao ponto de formar superpopulações e de ameaçar a fauna e a flora nativas. O caso dos capins é exemplar. Braquiária, capim-gordura e capim-colonião são originários da África. Só apareceram aqui nas décadas de 60 e 70, quando a pecuária passou a dominar a economia da região.
"São bom pasto para o gado, ao contrário das forrageiras do cerrado, por isso os fazendeiros começaram a plantá-las", explica Tarcísio Filgueiras, pesquisador aposentado da reserva ecológica do IBGE e atual colaborador do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UnB).
Esses capins exóticos não ficaram restritos aos pastos, eles avançaram para áreas de vegetação nativa e acabaram dominando-as. "São tão eficientes na germinação que basta que as sementes sejam levadas pelo vento para que uma nova área seja empestada", completa Filgueiras. A eficiência reprodutiva da braquiária, do capim-gordura e do capim-colonião nos custa em biodiversidade (riqueza representada pelo conjunto de espécies de plantas e animais de uma região). Isso ocorre porque espécies nativas como o pé-de-perdiz, a fruta-de-ema, a flor do cerrado, o capim flexinha e o sangue de Cristo perdem a competição pela vida. "Os capins invasores tomam espaço mesmo, não deixam que plantas menores sequer brotem". Em Brasília, essas três variedades de capim já causam problemas em áreas de conservação como a do IBGE, Águas Emendadas, Parque Nacional e Jardim Botânico.
De mais longe ainda, veio o lírio-do-brejo, uma florzinha branca com folhagem abundante que vive em ambientes aquáticos. Em Brasília pode ser encontrada nas margens do Lago Paranoá e do Córrego do Gama. Essa espécie é natural da Ásia e, segundo registram os livros de botânica, apareceu no Brasil ainda na época da colonização. A hipótese mais provável para explicar a importação do lírio-do-brejo para cá tem a ver com o tráfico negreiro. A florzinha era usada para forrar o espaço onde os escravos se deitavam nos navios negreiros. Bonitinho até que o lírio do brejo é, o problema é que ele se reproduz rápido demais. "Provoca acúmulo de matéria orgânica na água, pode causar a eurotrofização de rios e córregos", explica Filgueiras. Eurotrofização, também conhecida como "floração das águas", é o aumento descontrolado de nutrientes em meio aquático, provocando reprodução excessiva de algas, em detrimento de outras espécies de vida.
Em relação aos animais da lista, a abelha-africana e suas híbridas, as africanizadas, são as que mais se alastraram em Brasília. Na semana passada, os bombeiros estiveram no Parque da Cidade para retirar uma colméia com pelo menos 50 mil africanizadas. Um descuido trouxe a espécie ao Brasil. Em 1957, um cientista brasileiro importou uma colônia delas para o interior de São Paulo para experiências genéticas. Um de seus assistentes deixou que parte das africanizadas escapasse. A partir daí, elas, que têm um veneno que pó de levar pessoas alérgicas à morte, se espalharam por todo o país. "São extremamente agressivas, estão acabando com as jataís, que são as nossas abelhas nativas", conta Jader Marinho.
Coordenador do Programa de Recursos Genéticos do MMA, Lídio Coradim chama atenção para a importância de se controlar e erradicar as espécies invasoras: "Elas já são a segunda maior causa de perda de biodiversidade no mundo". Para ele, é importante que o homem - ele sim o grande invasor dos espaços naturais - tenha consciência de que não pode interferir impunemente no meio ambiente. "Além da perda de biodiversidade, as invasoras também ameaçam a saúde humana e causam prejuízos econômicos", afirma Coradim.
O caramujo-gigante-africano é exemplo de espécie invasora que prejudica a saúde. Importado da África para virar comida em restaurante chique (a carne dele é semelhante à do escargot francês), este molusco acabou servido de hospedeiro para o parasita Angiostrongylus costaricensis que provoca uma doença chamada angiostrongilose abdominal e pode ser letal. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, erradicar o caramujo-gigante africano, também conhecido como rainha da África, já é questão de saúde pública.
O potencial de estrago do mexilhão-dourado é de ordem financeira. Originário da Ásia, o molusco se reproduz assustadoramente quando encontra um anteparo dentro da água. "É uma praga em barragens e usinas hidrelétricas porque ele entope os encanamentos", afirma o professor Marinho. Aqui em Brasília, há mexilhões-dourados no Lago Paranoá, mas eles ainda não são em número preocupante.

Onde tem mar é pior
A lista das espécies invasoras no Brasil soma mais de 500 bichos e plantas. Em comparação com as outras regiões do país, o Centro-Oeste é uma das mais protegidas, só perde para a Amazônia. Isso porque o relativo isolamento geográfico da região atrasa um pouco a chegada das espécies exóticas que vem por meio acidental - não são introduzidas voluntariamente pelo homem. Em estados onde há portos, a situação é bem pior devido ao vaivém de navios. Para viajar de um lugar para outro, quando estão sem carga, os navios precisam ser preenchidos com a água do mar, chamada de "água de lastro". Enchidos e esvaziados em diferentes países com esta água, os tanques tornam-se eficientes transportadores de espécies exóticas entre os sete continentes. O mexilhão-dourado, molusco de água doce originária da Ásia, é uma das espécies que chegaram ao Brasil via água de lastro. Apesar da pinta de vilões que os invasores têm, vale lembrar que quem os leva de cá para lá é homem.
"Quando alguém leva uma planta ou um bicho de um habitat para outro, precisa se informar que tipo de prejuízo ela pode ocasionar", reforça Lídio Coradim. (EM)

O indesejáveis
Estudo do Ministério do Meio Ambiente apontou as espécies predadoras que habitam a Região Centro-Oeste. Invasão vem desde o descobrimento do Brasil.
Animais
caramujo-giganteafricano
abelha-africana
tucunaré
bagre-africano
javali
mexilhão-dourado
Plantas
braquiária
lírio-do-brejo
capim-gordura
capim-colonião

CB, 09/04/2006, Cidades, p. 34

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