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Estrangeiro busca ouro no Pará

OESP, Economia, p. B12
03 de Set de 2006

Estrangeiro busca ouro no Pará
Decadência do garimpo na região do Tapajós atrai investimento de risco na maior província mineral do mundo

Agnaldo Brito

Amanhece no Tapajós. José Adailton Oliveira, o Zezão, garimpeiro desde sempre, caminha rumo à cratera mais funda do Garimpo Tocantinzinho, centro geográfico da Província Mineral do Tapajós, localizada no Sudoeste do Pará. Há três décadas, o ouro extraído em rios da região alimenta esse garimpeiro de aparência zangada. Nos áureos tempos, mais de 100 mil fizeram o mesmo. Mas a fartura do metal agora é história. História de riqueza fugaz, de quem teve o mundo e hoje tem o suficiente para sobreviver.

A produção de ouro em garimpo no Tapajós declina como nunca. Não que tenha sumido de tudo. O problema é que Zezão e os 35 mil garimpeiros que ainda se aventuram no meio da Amazônia não alcançam mais o endereço da fortuna. A produção de meio século limpou o ouro de superfície e, agora, a reserva primária está no subsolo paraense, a 50, 100, 200, 300 metros de profundidade.

A situação tornou recorrente uma parceria que jamais existiu. Em muitos garimpos, os garimpeiros aceitaram ceder as áreas para as pesquisas geológicas das chamadas "companhias juniores". Formadas com capital de risco e geólogos aventureiros, essas empresas reacendem a esperança de retomada da produção de ouro na região. A idéia começou a funcionar.

Sob os pés de Zezão, no mesmo Tocantinzinho, onde o garimpeiro ainda vira e revira montanhas de terra e cascalho atrás de gramas esquecidas, repousa uma fortuna inacessível: 75 toneladas de ouro. Uma riqueza estimada em US$ 1,5 bilhão, descoberta por Dennis Moore, um geólogo americano, que viveu oito anos na Bolívia, e agora enfrenta o sol escaldante e as doenças tropicais, como a malária, no vilarejo de Cuiu-Cuiu. Moore é sócio-fundador, junto com outro geólogo, o brasileiro Marcelo Pinto, em outro projeto. Ambos criaram a Magellan Minerals, empresa que se prepara para buscar capital na Bolsa de Toronto, no Canadá, a fim de dar seqüência ao empreendimento.

A empresa fechou um grande acordo com os garimpeiros. Obteve as áreas para pesquisar, e os garimpeiros, uma fonte de renda inicial e outra condicional se a produção superar volumes de extração. "O Pará tem hoje reservas de ouro equivalentes às maiores do mundo, como as da Austrália ou da Sibéria."

A descoberta de Tocantinzinho em 2004 reacendeu a nova corrida do ouro e trouxe para o Estado capital americano, inglês, australiano e alemão. O aumento do preço do ouro tornou economicamente viáveis reservas com volumes inferiores a 31 toneladas (cerca de 1 milhão de onças). Hoje, a onça (equivalente a 31 gramas) tem preço de US$ 624. No fim dos anos 90, era negociada a US$ 200.

Há pelo menos 20 "companhias juniores" financiadas com dinheiro estrangeiro investindo em sondagem e produção de ouro no Sudoeste do Pará neste instante. A maior parte das empresas, como a Jaguar, é listada em bolsas ao redor do mundo. O investimento total do setor já superou os US$ 30 milhões nos últimos dois anos. E há disposição para mais investimentos. "Não há como mobilizar tanto recurso para o meio da floresta sem capital de risco. O Brasil não tem vocação para financiar projetos com nível de risco tão elevado", explica o geólogo, Elton Pereira, gerente de exploração da Jaguar.

A empresa já conseguiu captar, na Bolsa de Toronto, US$ 10 milhões. O dinheiro foi usado para concluir o primeiro projeto e ajudará na implementação de outros dois, ainda em fase inicial de pesquisa. A Jaguar, explica o geólogo, quer vender o primeiro projeto e acredita que poderá fazer isso em pouco tempo. "A Jaguar não quer produzir, quer desenvolver projetos para comercializá-los para uma mineradora", diz.

Claudio Pitchon, diretor responsável pela área de mineração e metalurgia para a América Latina do Banco West LB, atribui às companhias juniores a tarefa de prospectar negócios para as grandes companhias. "As grandes mineradoras não têm interesse em assumir riscos em projetos que podem fracassar. Preferem comprar empresas que tenham reservas garantidas", aponta. A abundância internacional de recurso com aptidão ao risco e o aumento do preço do ouro são os fatores que estimulam essa corrida por pontos de mineração de ouro no Pará.

A Serabi Mineração é talvez uma das poucas que passaram de companhia júnior a pequena mineradora. Após comprar os direitos minerários no Garimpo do Palito, na região do Tapajós, iniciou neste ano a mineração de ouro em escala industrial.

Projeto com capital inglês, a Serabi PLC, controladora da subsidiária brasileira, tem ações listadas na Bolsa de Londres. Segundo o diretor Sérgio Aquino, a empresa captou £ 8 milhões, cerca de R$ 24 milhões. Agora, o primeiro projeto avança sobre uma reserva de 27 toneladas de ouro. Além desse, a Serabi corre atrás de ao menos outros cinco áreas na região do Tapajós.

Regras de mineração no Estado dividem governo

Criação de áreas de proteção opõe órgão que licencia mineradoras e o que cuida de florestas
A situação da mineração no Pará divide posições no governo brasileiro. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão licenciador do Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pela concessão de licenças para o setor mineral, acusa a área ambiental de ter "exagerado" na criação de áreas de preservação florestal no Pará.

"A legislação ambiental brasileira é a mais restritiva do mundo", critica Every de Aquino, chefe do 5o Distrito do DNPM, responsável pelo Estado do Pará. Hoje, segundo o setor de mineração, dois terços da área com potencial mineral do Estado do Pará têm restrições ou impedimentos para a exploração econômico de empreendimentos. Na Província Mineral do Tapajós, onde está boa parte da mineração de ouro e os novos projetos das companhias juniores, a restrição cobre 50% do território.

O setor afirma que a criação de parques nacionais, reservas indígenas e biológicas, Florestas Nacionais e Áreas de Proteção Ambiental deverá provocar um corte de US$ 22 milhões em novos investimentos este ano.

Para Tasso Azevedo, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro - organismo gestor de florestas do Ministério de Meio Ambiente (MMA), a criação das unidades de conservação não limitam o investimento mineral no Pará. Segundo ele, a decisão do governo federal de criar várias áreas de proteção foi negociada com o setor mineral ao longo de vários meses.

Pelas regras definidas na medida, os projetos de pesquisa e de lavra terão agora de passar por licenciamento ambiental. O problema é que o setor mineral argumenta que projetos em áreas de Floresta Nacional (as chamadas Flonas) têm processo vagaroso no Ibama. "Algumas licenças para pesquisa mineral têm três anos de duração. O processo no Ibama demora tanto, que a licença expira. A lei diz que mineração nessas áreas não é proibida, mas a agência simplesmente não responde", diz Elton Pereira, gerente de exploração da Jaguar, uma das empresas que mantêm projetos de pesquisa em mineração de ouro na região do Tapajós.

BR 163
A decisão de criar as unidades foi tomada por causa do processo de desmatamento que começou a ocorrer na área de influência da BR 163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). A.B.

Garimpos do Tapajós já extraíram 600 toneladas

Em meio século de garimpo na Província Mineral do Tapajós, a produção de ouro atingiu a marca de 600 toneladas, segundo cálculos não oficiais. Legalmente, saíram do Tapajós 280 toneladas. Embora elevados os volumes, a produção de tamanha riqueza foi insuficiente para criar desenvolvimento social sustentado. Trazido para valor presente, as 600 toneladas de ouro produzidas na região podem ser avaliadas pela cotação atual do metal em US$ 1,2 trilhão. Mas tanto dinheiro não fez a fortuna de praticamente ninguém.

"Ouro é uma febre muito forte. É pior que malária", brinca Dimas de Barros Guarin, 63 anos, um dos mais antigos garimpeiros do Tapajós. Guarin chegou ao Cuiú-Cuiú, um dos principais garimpos da região, em 1972, não saiu mais. Guarin, como tantos, viveu em nome do ouro. "Garimpeiro se esquece do passado, do dia em que não viu um farelo. Quando consegue ouro, quer buscar mais logo adiante", afirma.

Joseph "Babi" é a evidência de uma situação precária. Com 92 anos, vive na vila de Cuiú-Cuiú praticamente sozinho. Nascido na Guiana Inglesa, em 1914, o garimpeiro foi um dos primeiros a chegar ao Tapajós. Babi não tem idéia de quanto ouro passou por suas mãos. Vive numa casa vazia, próxima de onde uma das empresas que acabam de chegar trabalha em ritmo acelerado atrás do metal.

A crise social do garimpo, agravada com a redução da produção do minério, tem preocupado autoridades locais e o governo federal. A Secretaria Municipal de Mineração e Meio Ambiente do município de Itaituba criou um programa chamado "Cuide do seu Tesouro". O plano é ensinar aos garimpeiros como cuidar da saúde, do ambiente e da própria atividade.

O governo federal também promete lançar nos próximos meses uma série de projetos para defesa e recuperação da atividade garimpeira. O investimento é estimado em R$ 2,5 milhões. Prevê levantamento completo dos mais de 200 garimpos que ainda existem na região, o mapeamento geológico e educação ambiental.

Segundo Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, órgão do Ministério do Meio Ambiente , o plano foi criado como forma de compensar medidas de restrição criadas pelo governo ao criar o Distrito Florestal Sustentável, no Sudoeste do Pará. O governo anunciou que pretende induzir os garimpeiros à atividade florestal. Azevedo diz que o manejo de floresta servirá como alternativa ao fim da atividade no garimpo.

OESP, 03/09/2006, Economia, p. B12

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