VOLTAR

Este lagarto só existe no DF

CB, Cidades, p. 32
07 de Jun de 2006

Este lagarto só existe no DF
Pesquisadores descobrem e identificam espécie de réptil que habita exclusivamente o cerrado do Distrito Federal. Exemplares do bicho foram encontrados na Área Alfa, reserva natural próxima ao Catetinho

Ele tem apenas 25cm de comprimento, e 15cm deles são de uma cauda bem fina. A pele é coberta de escamas e salpicada com uma ou outra mancha amarela. Por enquanto, ele ainda nem tem nome completo. Mas pode ser chamado pelo primeiro nome: Enyalius sp. Recentemente descoberto, esse habitante do cerrado foi encontrado na reserva natural da Área Alfa, próxima ao Catetinho. Outros iguais a ele também foram vistos lá pelos lados do Jardim Botânico. Juntamente com outras 19 espécies de répteis que até então jamais haviam sido registradas, nosso amigo Enyalius sp. é a mais nova prova de que o cerrado é um ambiente rico em biodiversidade e tem mais habitantes do que se imagina.

Depois de um trabalho que durou sete anos e incluiu visitas ao Distrito Federal e a seis estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso), pesquisadores financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela ONG Conservação Internacional concluíram o mais completo levantamento já feito no cerrado sobre o grupo Squamata - que inclui as cobras e os lagartos. Descobriu-se que, ao contrário do que o senso comum indicava, esse ambiente é um viveiro de espécies únicas e ainda desconhecidas. "A ocupação do cerrado era incentivada sob o argumento de que havia poucas espécies endêmicas. Nosso levantamento prova justamente o contrário", explica Cristiano Nogueira, biólogo que coordenou o estudo e que trabalha como especialista em biodiversidade na Conservação Internacional.

O que se perde
Na linguagem das ciências biológicas, espécie endêmica é aquela que vive exclusivamente em um ecossistema e que, portanto, tem sua existência vinculada à preservação desse mesmo ecossistema. O grau de endemismo - número de espécies exclusivas de uma área - é uma boa medida do quanto de biodiversidade se perde quando essa área sofre com a ocupação desordenada. No caso do levantamento sobre os répteis, descobriu-se que 236 espécies vivem no cerrado e que quase a metade delas é endêmica (só vive aqui): 60% das anfisbenas (cobras de duas cabeças), 45% dos lagartos e 25% das serpentes.

"É um alerta sobre a necessidade de medidas de proteção ao cerrado, que atualmente só conta com 20% de sua área original preservados", analisa o herpetólogo (especialista em répteis) Guarino Colli, professor da Universidade de Brasília (UnB). Guarino explica que é comum encontrar bichos novos, até porque há muito ainda para se conhecer nessa região. "Há lugares de cerrado em que o homem jamais foi. Temos de garantir que esses ambientes não sejam modificados ou destruídos", afirma.

O trabalho sobre répteis traz outra informação importante: no cerrado, a distribuição das espécies é descontínua em uma série de ambientes diferenciados, como, por exemplo, matas de galeria, campos limpos e áreas rupestres (rochosas). Em outras palavras, significa que é comum que um bicho exista apenas em um espaço restrito na paisagem, o que aumenta a vulnerabilidade dele em relação às modificações feitas pelo homem. "Quando um pedaço de cerrado vira pasto ou lago para hidrelétrica, é quase certo que vamos perder espécies ali", explica Cristiano Nogueira. Segundo ele, a maioria das espécies endêmicas vive em campos naturais nos topos de chapadas, justamente os ambientes mais impactados pelo avanço das áreas agrícolas. "Os topos de chapadas, por seu relevo plano e vegetação aberta, são os primeiros ambientes ocupados para o cultivo de grãos", comenta Cristiano.

Alegria e frustração

O Enyalius sp. só foi registrado no Distrito Federal, o que torna mais importante a conservação de áreas nativas na capital do país. Outro exemplo de endemismo restrito é o lagarto Stenocercus sp., descoberto pelo grupo nas proximidades do Parque Grande Sertão Veredas (MG), que leva o nome em homenagem ao escritor Guimarães Rosa. O exótico Kentropyx sp, lagarto com listras verdes longitudinais, também é raro. Até aqui, foram encontrados exemplares dele apenas nas veredas do Jalapão (TO). "Esse tipo de endemismo nos força a ter em mente que qualquer área a ser destruída representa uma potencial perda de biodiversidade", insiste Cristiano Nogueira.

O pesquisador acrescenta que durante o estudo passou por seguidas surpresas e antecipou prováveis frustrações, já que muitas das áreas que grupo visitou foram destruídas em seguida pelo avanço da pecuária e do agronegócio. "Tínhamos a alegria de descobrir bichos novos para logo depois lamentarmos a possibilidade de eles desaparecerem sem sequer serem descritos pela ciência".

Para que um bicho ganhe em latim os dois nomes que os registram oficialmente nos livro de ciência, é necessário que ele seja descrito minuciosamente, com informações sobre suas características, seus hábitos, populações e distribuição geográfica. Por enquanto, oito lagartos, nove serpentes e duas anfisbenas estão na mesma situação do Enyalius sp. Contam apenas com o primeiro nome, que caracteriza o grupo - nível mais amplo do que o de espécie. "É trabalho ainda para muitos pesquisadores e muitos anos de estudo", avalia Cristiano Nogueira. (EM)

CB, 07/06/2006, Cidades, p. 32

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.