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Estamos mostrando aos EUA que Kyoto esta vivo, diz pai do acordo

FSP, Ciencia, p.A16
16 de Fev de 2005

"Estamos mostrando" aos EUA que Kyoto está vivo, diz pai do acordo
Silvana ArantesDe Buenos Aires Principal negociador do Protocolo de Kyoto, o embaixador argentino Raúl Estrada Oyuela, 66, está de volta à cidade japonesa onde em 1997 costurou o acordo para a redução de emissões de gases de efeito estufa, que entra hoje em vigor. Estrada participa hoje da cerimônia oficial de lançamento do tratado.Em entrevista por telefone à Folha, Estrada tripudia a declaração de óbito que o presidente dos Estados Unidos, George Bush, havia dado ao protocolo. "Estamos demonstrando que não é assim." 
Folha - O sr. temeu que o protocolo nunca chegasse a entrar em vigor, com a negativa dos EUA de subscrevê-lo?Raúl Estrada - O protocolo foi preparado de forma que ninguém tivesse poder de veto. Deveria haver uma massa crítica para que ele entrasse em vigor, mas nenhum dos maiores emissores, por si só, poderia barrá-lo. Ou seja, a possibilidade de ter o protocolo em vigor, sem os EUA, estava teoricamente prevista, desde o início.
Folha - Por que, no processo de negociação do protocolo, foi impossível convencer os EUA?Estrada - Durante o processo, todos os pontos que os EUA pediram foram atendidos, com uma única exceção -a de impor limitações às emissões dos países em desenvolvimento. Todos os outros aspectos foram incorporados. Por isso, eles concordaram com o protocolo e chegaram a assiná-lo. Depois, houve uma mudança, e o presidente George W. Bush anunciou que não iria ratificá-lo. Ele foi além, declarando o fim do protocolo. Estamos demonstrando que não é assim.
Folha - De que maneira os EUA poderiam voltar às negociações?Estrada - Apesar das negativas categóricas, este é um tema que está muito vivo nos EUA. Não acredito que eles vão aderir ao protocolo num futuro próximo, mas podem tomar medidas que dêem o mesmo resultado. Estão fazendo um programa de captura de carbono, que pode reduzir as emissões totais. Há uma forte redução nas emissões de metano. Muitas empresas americanas estão tomando medidas para reduzir suas emissões, ou por convicção ou por estarem trabalhando em outros países, onde devem ajustar seus procedimentos.
Folha - O sr. estima que os países industrializados conseguirão atingir as metas do protocolo no tempo previsto?Estrada - Os países que aumentaram suas emissões nos últimos anos têm capacidade de fazer o esforço para diminuí-las até a meta. O caso mais notável é o da Espanha, que aumentou mais de 40%, quando deveria aumentar no máximo 15%. Logo, a Espanha terá de fazer um esforço muito grande, mas tem o apoio da Comunidade Européia. O custo de reduzir as emissões é acessível para os países industrializados.
Folha - O presidente Néstor Kirchner disse também que os EUA têm uma dupla moral. O sr. concorda?Estrada - Penso que dupla moral não tenha sido uma expressão usada pelo presidente. O presidente disse que atua-se de formas distintas -uma em relação à dívida financeira e outra em relação à dívida ambiental. Sinto-me totalmente identificado com esse pensamento. Não sei se é adequado aplicar o tema moral, mas é verdade que há um duplo padrão: cobram-se as dívidas financeiras até o último centavo, enquanto se tenta iludir as dívidas ambientais.
Folha - O que ocorrerá com os países que não cumprirem as metas do protocolo?Estrada - Vão me fuzilar, obviamente (risos). Na realidade, os países tentam cumprir seus compromissos de boa fé. Não existe, entre os países que assumiram este compromisso, algum que tentará iludi-lo. Embora as pessoas não acreditem, os Estados, em geral, cumprem seus compromissos internacionais.
Folha - Qual será o cenário pós-protocolo, em 2013?Estrada - É preciso pensar nesse cenário simultaneamente com o que vai ocorrer durante o período de compromisso, de 2008 a 2012. Nesse período, deveríamos encontrar uma forma de os EUA e os megapaíses em desenvolvimento [Brasil, China e Índia] se juntarem ao esforço dos países que já têm compromissos quantificados com Kyoto. Se isso ocorrer, depois de 2012 seria preciso ver se seriam mantidos os dois sistemas -o da eficiência e o do teto, o que eu defendo; como se daria aos países a chance de escolher um ou outro sistema e que limitações seriam estabelecidas para depois de 2013.
FSP, 16/02/2005, p.A16

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