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Esquentando a floresta

O Globo, Economia, p. 25-26
12 de Jul de 2009

Esquentando a floresta
MP investiga 113 empresas fantasmas que legalizaram madeiras derrubadas de áreas preservadas no Pará

Liana Melo

O Ministério Público Federal (MPF) está investigando o comércio ilegal de madeira no Pará. A operação é liderada pelo procurador Bruno Soares Valente, que já listou 113 empresas fantasmas no estado. Estão na mira da Justiça um total de três mil empresas, entre pequenas, médias e grandes do setor madeireiro.

Subtraída de terras indígenas ou unidades de conservação federais, a madeira passa por um processo de "esquentamento", que dá ao produto uma aparência 100% legal. Depois de "esquentada", ela entra na cadeia produtiva e vai parar no estoque de gigantes do setor moveleiro e de construção civil de Estados Unidos, Europa e Ásia, além do que fica no mercado interno. O Pará é hoje o maior exportador de madeira tropical do país.

No próximo mês, a Procuradoria vai apresentar a denúncia, seguindo o modelo de ação adotado contra frigoríficos e fazendas de gado acusados de venderem carne de área desmatada. O cerco à pecuária começou em junho e terminou na última quartafeira, com acordo fechado entre o governo paraense e o MPF. As empresas acusadas assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Enquadrar as empresas de madeira no estado é a meta dos procuradores, que devem acusá-las de crime ambiental.

- A madeira que sai do Pará está alimentando um comércio clandestino, que esquenta produtos florestais - denuncia Valente, destacando o papel de várias empresas que não têm existência física e, no entanto, movimentam quantidades consideráveis de créditos do Sistema de Projetos da Flora (Sisflora, um guia que autoriza a exploração florestal). - Encontramos até oficina mecânica vendendo madeira.
Madeireiro joga a culpa no governo
Ao reconstituir a cadeia produtiva do setor de madeira, o estudo "Quem se beneficia com a destruição da Amazônia?" acabou descobrindo que grandes exportadoras de madeiras do estado estão envolvidas com o comércio ilegal. O relatório levou nove meses para ficar pronto e foi feito em conjunto por especialistas do Fórum Amazônia Sustentável, Movimento Nossa São Paulo e Instituto Observatório Social. O estudo concluiu que as empresas no exterior, apesar de "não participarem diretamente do esquentamento da madeira, acabam financiando o círculo vicioso no Brasil".

As pistas de ilegalidade que estão sendo seguidas no Pará pelo MPF vão da invasão por hackers do sistema da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) - para falsificar documentos - até provas de corrupção envolvendo servidores do órgão. Segundo a Procuradoria, há depoimentos que provam o pagamento de propina, de R$ 200 mil, para empresas que sequer operam com exploração florestal. Além de oficinas mecânicas, os procuradores encontraram casos de lojas de autopeças e terrenos baldios vendendo madeira ilegal para grandes empresas exportadoras do Pará.

Mesmo sendo o maior exportador de madeira tropical do país, o Pará virou um receptor de madeira de outros estados, "o que causa estranheza" entre os procuradores. Só em 2008, o Pará exportou US$ 631 milhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior.

As operações interestaduais colocam hoje o Pará na lista dos dez estados que mais recebem certificados de madeira de outros locais. Só que as operações, segundo a investigação do MPF, ficam só no papel, já que o interesse das empresas é o carimbo que autoriza a comercialização do produto, e não a madeira em si.

- A culpa de tanta ilegalidade é do próprio governo, que não está cumprindo o Pacto pela Madeira Legal e Sustentável, assinado no ano passado - cutuca Adacir Peracchi, presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex). - Estamos fazendo nossa parte, mas o governo até agora não tirou do papel a concessão florestal de 4 milhões de hectares, o que seria fundamental para acabar com a ilegalidade no estado.

Na próxima quarta-feira, os empresários do setor se encontram com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para cobrar uma posição do governo sobre a concessão florestal para exploração de madeira. A reunião será em Brasília.

Por ter virado um receptor de madeira de outros estados, a investigação no Pará estendeu-se por Amazonas, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso. Os MPFs desses estados enviaram dados de HDs dos seus arquivos para serem analisados no Pará.

- Nós precisamos dar um basta na ilegalidade, porque está comprometendo as empresas sérias - avalia Roseniro Canto, secretário adjunto da Sema.

Apenas no Pará, apreensões este ano já dão para encher 525 caminhões
Enfileirados, veículos ocupariam os 13 quilômetros da Ponte Rio-Niterói

Liana Melo

Chegou a 21 mil metros cúbicos o volume de madeira ilegal apreendida no primeiro semestre pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apenas no Pará. A madeira apreendida na Operação Caça-fantasma é suficiente para encher a carroceria de 525 caminhões. Caso esses veículos fossem enfileirados, daria para ocupar toda a extensão da ponte Rio-Niterói, que tem 13 quilômetros de comprimento. Em 2008, as multas aplicadas pelo Ibama atingiram R$ 400 milhões. Este ano, até junho, já chegam a R$ 560 milhões.

Nem o Ministério Público Federal (MPF) nem o Ibama arriscam calcular o volume de negócios gerado pelo comércio ilegal de madeira no Pará. A superintendente do Ibama no estado, Lucila Claudia Lago Francisco, acredita que as apreensões e as multas emitidas são indícios fortes do tamanho do problema. Caso essa madeira ilegal não fosse interceptada, acabaria entrando na cadeia produtiva e sendo exportada pelo Porto de Belém.
No site da empresa, clientes como Angelina Jolie
Como não existe nenhum modelo de rastreabilidade para detectar a origem da madeira, o produto ilegal acaba na casa de celebridades internacionais. A gigante americana Lumbor Liquidators, por exemplo, apresenta em seu site o nome de clientes famosos como Angelina Jolie, Kim Basinger e Donald Trump.

- As empresas no exterior, apesar de não participarem diretamente desse esquentamento, acabam financiando o círculo vicioso no Brasil - comenta Marques Casara, do Observatório Social, um dos autores do estudo "Quem se beneficia com a destruição da Amazônia?".

Ao reconstituir a cadeia produtiva do setor madeireiro, o estudo constatou que a Lumbor Liquidators, por exemplo, é cliente da Pampa Exportações, que, por sua vez, está sendo investigada pelo MPF no Pará. A exportadora brasileira, segundo os procuradores, estaria entre as empresas que mais compraram madeira de empresas fantasmas. Procurados nas duas últimas semanas, os executivos da Pampa não responderam às ligações do GLOBO.

- Enquanto a ponta inicial da cadeia produtiva da madeira sofre com corrupção e desrespeito às leis ambientais; a ponta final, dos consumidores internacionais, tenta amenizar o problema da aquisição de madeira legal - avalia Casara, comentando que, tanto nos EUA quanto na Europa, estão em vigor leis que proíbem a compra de madeira de área desmatada. - O problema é que não temos nenhum tipo de rastreabilidade para detectar a origem da madeira no Brasil.

O Globo, 12/07/2009, Economia, p. 25-26

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