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Esquecidos da terra

CB, Brasil, p.16
13 de Mar de 2005

Nenhuma das 11 metas do Plano Nacional de Reforma Agrária está sendo levada adiante em ritmo que permita ao governo cumprir promessa feita por Lula durante a campanha para presidente da República
Esquecidos da terra
O ritmo com que as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) saem do papel coloca em risco promessas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez para os movimentos sociais quando estava ainda em campanha para o Palácio do Planalto. Nenhum dos 11 compromissos que compõem o PNRA está sendo atendido na velocidade necessária para que o governo chegue ao final dos quatro anos podendo declarar que promoveu mudanças na estrutura fundiária do país. Um dos casos que mais chama a atenção é o do número de posses regularizadas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário terá que fazer um grande esforço para entregar os 400 mil títulos de posse colocados como compromisso no início do governo.
Até o fim de 2004 apenas oito mil famílias de posseiros. que vivem em terras da União, tiveram a situação regularizada. Essa meta de 400 mil é irreal. É impossível de ser alcançada”, garante o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), que comandou a pasta no governo anterior.
O próprio governo já reconhece que tem problemas. O ministro- chefe da Casa Civil, José Dirceu, declarou que o governo Lula recebeu uma herança complicada. E que o presidente decidiu dar prioridade aos assentamentos abandonados. Não é o que precisávamos assentar. A meta era de 145 mil. Temos consciência disso, mas é o que o país pode fazer, dentro das possibilidades que o país tem”, alegou. Pelos planos do governo, seriam assentadas 400 mil famílias em quatro anos. Contudo, o processo está caminhando devagar. Nos últimos dois anos, o ministério atingiu pouco mais de um quarto da meta prevista: 117.555 famílias. O ministro do DesenvolvimentoAgrário, Miguel Rossetto, ,tenta manter-se otimista. Ele alega que a meta para os dois primeiros anos era assentar 145 mil famílias. Atingimos 81% do estabelecido”, afirma.
Para o coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra, Isidoro Revers, os números revelam o descaso do governo
com o assunto. Na opinião dele, a meta ideal seria de um milhão de famílias assentadas, em vez de 400 mil.
As famílias assentadas demoram para receber a posse definitiva da terra. A documentação só é entregue depois de dez anos, quando todas as dívidas assumidas pelas famílias com o governo forem quitadas. Para construir suas casas, os lavradores recebem entre R$ 2,5 mil e R$ 12 mil, que são destinados ao plantio.
O leque de programas voltados à implantação de infra-estrutura nos assentamentos é extenso, mas o número de beneficiados restrito. O PNDA prevê, por exemplo, a concessão de crédito fundiário para 130 mil famílias no período de quatro anos. No entant o, somente 18 mil receberam o dinheiro de janeiro de 2003 até dezembro do ano passado. Sem dinheiro para plantar Em 2004, o governo federal destinou R$ 155 milhões para o Programa Nacional de Crédito Fundiário. Os recursos, porém, nem sempre são suficientes. Há dois anos assentado no Projeto Agrícola Roça, localizado a 30 quilômetros
de Arinos, município do interior de Minas Gerais, Diomar Antônio Marques acumula dívidas, não tem condições de adubar a terra nem dispõe de recursos suficientes para terminar a construção da casa de dois quartos e 36 metros quadrados, até hoje sem pia, banheiro ou vaso sanitário. Pai de quatro filhos, Marques só cursou até a 7ª série, não sabe o significado da palavra burocracia, mas viveu na pele o drama de quem batalha contra a lentidão da máquina do governo. Ficamos uns quatro, seis meses numa barraca esperando o dinheiro para começar a construir. Fui a Brasília várias vezes”, explica o lavrador, ao lembrar as idas à sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com a filha recém-nascida doente, ele foi obrigado a vender seis das 12 vacas que tinha. Não tem idéia dos financiamentos que contraiu com o governo.
Deus ajuda”, resigna-se, fazendo o sinal da cruz. Para quitar as dívidas, na maioria dos casos, os assentados vendem parte da produção.
Um dos melhores clientes é a União. No entanto, a cada ano o governo federal repassa menos dinheiro para compras do gênero. Para se ter uma idéia, em 2003 o Programa de Aquisição de Alimentos beneficiou 80 mil famílias. No ano seguinte, 64 mil. A diferença é resultado do corte de recursos para o programa. No primeiro ano da gestão Lula havia R$ 163 milhões disponíveis. O orçamento foi reduzido para R$ 130 milhões do ano seguinte.
No quesito educação no campo, os assentados de Arinos também têm do que reclamar.
Para Maria Rodrigues Barbosa, a escola onde estudam três dos seus filhos é um retrato da pouca importância que o governo dispensa ao ensino nos assentamentos. Só fiz até a 3ª série (do ensino fundamental), e sei tabuada melhor do que meu filho que está na 6ª série”, afirma Maria.
Moradora do assentamento Carro Quebrado, a 30 quilômetros de Arinos, no interior de Minas Gerais, ela demora mais de uma hora para levar os filhos de charrete até a escola onde eles estudam. Quando os pega de volta, Maria costuma ouvir os três reclamarem da falta de estrutura do estabelecimento. Quando não falta merenda, falta água”, protesta.

CB, 13/03/2005, p. 16

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