VOLTAR

Espionagem da Vale

O Liberal-Belém-PA
12 de Fev de 2004

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) está respondendo a inquérito na Polícia Federal e é alvo de processo administrativo na Procuradoria Federal por estar espionando os índios Gavião Parakategê e o prédio-sede da Procuradoria Federal em Marabá (sudeste do Pará). A mineradora pode ser processada por crimes de intimidação e danos morais. Segundo o procurador federal Sidnei Madruga, a espionagem foi percebida há cerca de 20 dias, mas foi descoberta e confirmada ontem, depois que o chefe de Segurança da CVRD, Lino Carlos da Fonseca, confessou em depoimento à PF que a Vale mantém um banco de dados com fotografias dos índios e dos procuradores.

Lino admitiu que desde o ano passado a empresa vem seguindo todos os passos dos Gavião-Parakategê em hotéis, associações, clubes, bares de Marabá, na sede da Procuradora e na localidade de Bom Jesus do Tocantins (a 40 quilômetros da sede do município), onde os índios moram. Para executar a tarefa de seguir os índios, foi adotado um procedimento "rotineiro", segundo o funcionário. A Vale contratou a empresa de segurança Sacramenta e mantinha três vigilantes seguindo e fotografando os índios dia e noite.

A atitude da mineradora foi classificada como "sorrateira" e revoltou os procuradores que atuam em Marabá. Ontem, o procurador federal disse que a empresa terá que explicar muito bem por que vinha espionando os índios e o órgão federal e de onde partiu a ordem para a atitude, informação que o chefe de Segurança se negou a dar à Polícia Federal. Hoje, ele e a procuradora federal titular de Marabá, Heloisa Helena, enviam ofícios denunciando a situação ao Ministério da Justiça, à Procuradoria Geral da República e à Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). A presidência da Vale, no Rio de Janeiro também receberá um pedido oficial de explicação.

"Não estamos convencidos com as informações que surgiram até agora. Nós queremos saber exatamente qual o interesse que a Vale tem em espionar os índios e a Procuradoria. É um procedimento, no mínimo, estranho e a empresa terá que dar explicações", garantiu Madruga. Ele não quis se adiantar, mas disse que a Vale pode chegar a ser acusada por intimidação e danos morais. "Você imagina ter todos os passos seguidos, dentro da sua casa, nos locais onde você está? Isso é muito estranho. É sorrateiro", disse.

Madruga relatou que tudo começou há 20 dias, quando o vigia noturno da Procuradoria anotou o número da placa de uma camionete branca, com vidros escuros, de onde um homem tirava fotografias do local durante a noite. Com a suspeita inicial de que se tratasse de uma chapa fria, o número foi encaminhado à PF, que não demorou para chegar ao proprietário, que disse que alugou o carro para a Vale. "Nesse meio tempo, nós passamos muito mal. A procuradora Heloisa Helena se sentiu ameaçada e tivemos que chamar pessoal de reforço de Brasília e colocar seguranças. Nós temos ações contra trabalho escravo, situações envolvendo índios e uma série de ações importantes. Ficamos assustados", relatou, reforçando a possibilidade de intimidação e danos morais.

Companhia já foi alvo de protesto dos índios por não pagar pelo uso da reserva

Por lei, a Companhia Vale Doce é obrigada a proteger e pagar os índios Gavião Parakategê como uma maneira de ressarcir o ônus de passar por cima da terra indígena com a ferrovia que transporta minério de ferro de Carajás ao Porto de Itaqui, no Maranhão. No entanto, apesar de comprometer 35 quilômetros da reserva indígena Mãe Maria, a Vale considera os Parakategê como pedras no seu caminho. A relação entre a empresa e os legítimos donos das terras nunca foi boa. Há duas semanas, a mineradora pediu abertura de inquérito na Procuradoria Federal (a mesma que vinha fotografando) contra os índios. Segundo o procurador Sidnei Madruga, a CVRD alega que está sendo extorquida pelos índios. A "extorção" alegada pela empresa é porque os índios passaram um fax à empresa pedindo o cumprimento de algumas exigências legais. "O pedido de inquérito já foi até arquivado", disse o procurador.

Em junho do ano passado, os índios passaram 15 dias sentados sobre a ferrovia depois que a Vale atrasou dois meses o repasse da compensação pelo uso da reserva indígena. Na época, o envio de minério de ferro chegou a ser comprometido e a Vale foi obrigada a aceitar um termo de ajustamento de conduta. Na época, o intermediador do acordo entre índios e Vale foi Madruga e, segundo ele, a empresa nunca aceitou direito o fato de ter que cumprir as exigências, entre elas a reforma das casas dos índios, que caíam aos pedaços, o repasse do dinheiro em valores reais e a elaboração de um plano de investimentos na reserva. "Na época, a Vale chegou a publicar notas chamando os índios de criminosos", relembrou.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.