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Especialistas questionam benefícios de obra

FSP, Brasil, p. A16
Autor: ANGELO, Claudio
06 de Out de 2005

Especialistas questionam benefícios de obra
Para economistas, transposição do São Francisco vai favorecer apenas projetos agrícolas de grande porte

Claudio Angelo
Editor de Ciência

A transposição do São Francisco representa uma repetição das "soluções hidráulicas" para a seca do Nordeste nos anos 1960 e 1970, que deve concentrar renda nas mãos de grandes proprietários em vez de distribuí-la como apregoa o governo -a menos que se recorra a subsídios pesados à pequena agricultura. A opinião é de economistas ouvidos pela Folha.
"O quanto os benefícios da transposição serão disseminados pela população em geral é uma questão bastante discutível", disse Anthony Hall, professor da London School of Economics. Hall estuda a questão da seca desde a década de 70, e é autor do livro "Drought and Irrigation in Northeastern Brazil" (Cambridge University Press, 1978), nunca traduzido para o português. "Esse projeto é mais uma solução hidráulica. Não há nada que garanta que ele seja uma solução para o desenvolvimento regional."
Solução hidráulica é um termo usado para descrever os projetos que, desde o final do século 19, têm sido propostos para resolver a questão da seca no Nordeste. Esses projetos têm, segundo o economista, um histórico de falhas -desde a construção maciça de açudes, nas primeiras décadas do século passado, até os projetos de irrigação pública do regime militar que, afirma Hall, nunca foram muito bem-sucedidos economicamente e sempre dependeram de subsídios do governo.
"O que aconteceu com as soluções hidráulicas foi que a água não veio acompanhada de medidas como reforma agrária, abertura de mercados e apoio técnico aos pequenos agricultores. A água por si só não resolveu o problema de desenvolvimento", disse.
Um dos efeitos mais imediatos da transposição (chamada de "integração de bacias" pelo governo federal) é o aumento do preço da terra nas regiões que receberão a água. No Nordeste -e em qualquer grande projeto de irrigação- isso tradicionalmente vem acompanhado de mais concentração fundiária.
"Aí depende de como você define desenvolvimento", diz Hall. "Se você está falando de grandes projetos de agricultura irrigada, OK. Do contrário, há um debate considerável", afirma.
A Folha apurou que o Banco Mundial tem dúvidas sobre a viabilidade econômica do projeto e não deve apoiar a transposição. Em 2001, especialistas do banco deram parecer contrário à obra.
Argumento falacioso
Várias das opiniões de Hall são compartilhadas por Ronaldo Serôa da Motta, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), um dos principais economistas ambientais do Brasil. Para ele, o discurso de desenvolvimento do governo é "falacioso".
Serôa afirma que, por um lado não há impactos ambientais óbvios na transposição -a vazão de água a ser extraída, 26 mil litros por segundo, não prejudica o fluxo do rio, e os efeitos sobre fauna e flora, por exemplo, não podem ser modelados.
Por outro lado, argumenta, um projeto que envolve gastos dessa magnitude (o orçamento inicial é de R$ 4,5 bilhões) precisa, para ser economicamente viável, beneficiar produtos de alto valor agregado, como frutas tropicais para exportação. E quem detém a produção dessas culturas é o agronegócio, não as populações locais.
Além de a água da transposição ser cara -por refletir os custos da obra-, o economista aponta também uma elevação no preço da terra nas regiões irrigadas que desestimularia a pequena produção. Em vez de plantar, o pequeno agricultor seria estimulado a vender a terra. "Não vai ser para mandioca, nem dendê, nem milho. Só produtos de exportação terão dinheiro para pagar pela obra", afirmou Serôa à Folha. "É claro que benefícios indiretos existirão. Quando você tem uma obra desse porte, você movimenta a economia da região. Mas isso vale para qualquer grande projeto: seja transposição, agronegócio ou tráfico de drogas".

FSP, 06/10/2005, Brasil, p. A16

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