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Especialistas pedem socorro pela preservação das línguas indígenas

O Globo, Segundo Caderno, p. 2
16 de Dez de 2009

Especialistas pedem socorro pela preservação das línguas indígenas
Evento em SP discute a provável morte de metade dos idiomas do Brasil

Márcia Abos
São Paulo

Além do português, falam-se no território brasileiro mais de 160 idiomas diferentes, como guarani m'byá, wapixána, mawayana, nheengatú, carnijó, kaxariri, apinajé, xavante, yanomami e kuikuro. No mundo, especialistas estimam que existam hoje mais de 6.500 línguas. No entanto, um número significativo delas está em vias de desaparecer. Preservar a pluralidade linguística é também salvar uma cultura, um conjunto de conhecimento acumulado ao longo de décadas ou séculos e a identidade de um povo, asseguram especialistas em linguística que se reuniram entre domingo e segunda-feira no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, para participar do II Seminário Global sobre Diversidade Linguística, Globalização e Desenvolvimento, uma iniciativa da Unesco, em parceria com a Fundação Roberto Marinho e a Casa das Línguas (Linguamón) da Catalunha.

- A taxa de mortalidade das línguas está aumentando, e prevê-se que no século XXI metade das línguas faladas no mundo desapareça. Nossa identidade está no idioma que falamos. A morte de uma língua é, portanto, a morte de parte do legado cultural da Humanidade - afirma o linguista brasileiro Ataliba Teixeira de Castilho.
"Sem a língua, avança-se menos", diz linguista
A diversidade linguística é um motor de desenvolvimento, segundo Rochelle RocaHashen, encarregada de Cultura do escritório da Unesco nas Nações Unidas, em Nova York.

- Sem diversidade linguística, há um decréscimo de criatividade, História e da possibilidade de se avançar. Ao juntar diferentes culturas, surgem novas informações, diferentes maneiras de pensar.

Promover a diversidade é a plataforma do desenvolvimento - conclui ela, acrescentando que a Unesco recomenda que os idiomas maternos sejam ensinados como primeira língua nas escolas, combinados com a língua nacional e uma internacional.

Para a União Europeia, a diversidade linguística tem grande importância e deve ser preservada, segundo Brian Fox, diretor geral de interpretação da Comissão Europeia.

- Acreditamos que respeitar os idiomas é respeitar a cultura - diz Fox. - Se não tivéssemos multilinguismo, não haveria a UE. A diversidade de idiomas é parte de nosso DNA.

O sociolinguista e educador peruano Luis Enrique López lembra que os colonizadores chamavam a América Latina de "selva de línguas". Segundo ele, estimativas mostram que no século XVI se falavam dois mil idiomas no continente.

- Os processos de transmissão entre gerações estão interrompidos. Pais não ensinam mais aos filhos suas línguas maternas. Os idiomas da América Latina são na sua grande maioria orais. Ao perdê-los, perderemos um capital humano e cognitivo importante, que levou milhares de anos para ser construído - explica López.

Professor da USP e especialista em línguas indígenas, Waldemar Ferreira Neto afirma que a maioria dos cerca de 160 idiomas do Brasil tem, em média, mil falantes.

- Para se relacionar com outros países, os diplomatas brasileiros precisam falar diferentes idiomas. Mas, quando o Estado brasileiro se relaciona com as populações indígenas, o idioma usado normalmente é o português - compara.

A maioria dos idiomas falados no Brasil é de tradição oral.

- É por meio dessas línguas que se transmitem de geração em geração técnicas de cura, caça, agricultura e uso sustentável das riquezas naturais. É um conhecimento que fica salvaguardado no idioma - diz.

Promover o uso de línguas indígenas é uma forma de salválas, acredita López.

- Os Estados devem avançar na recuperação das línguas indígenas da mesma maneira como houve uma evolução na preservação dos direitos desses povos. É preciso passar da retórica legal para o uso oficial de línguas indígenas e colocar ferramentas de comunicação a serviço de sua preservação - pede.

Para tanto, o especialista afirma que é importante apoiar o funcionamento de rádios comunitárias. Como exemplo, Lopéz cita o filme "La teta asustada", da peruana Claudia Llosa, falado em quíchua e espanhol, e vencedor do Urso de Ouro em Berlim em 2008.

O Globo, 16/12/2009, Segundo Caderno, p. 2

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