VOLTAR

"Esgotaram o Cantareira", diz DAEE

GM, Saneamento & Meio Ambiente, p. A8
14 de Jan de 2004

"Esgotaram o Cantareira", diz DAEE
Nível baixo do sistema preocupa também região de Campinas; municípios se mobilizam.

A decisão da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), determinada pelo governo do Estado de São Paulo, de manter o abastecimento dos nove milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo em todo o segundo semestre de 2003 pode ter criado "uma armadilha quase sem retorno" para a cidade. A afirmação provém do órgão responsável pela gestão dos recursos hídricos do Estado de São Paulo, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). A Sabesp admite que está sob risco.

Segundo o diretor de recursos hídricos da Bacia do Médio Tietê (BMT/DAEE), Sebastião Vainer Bosquilia, dificilmente haverá condições para recuperar os níveis necessários do sistema Cantareira, a principal fonte de abastecimento da RMSP. "A política do governo foi errada. Eles esgotaram o Cantareira". Bosquilia também responde pela coordenação da Câmara Técnica de Monitoramento Hidrológico (CTMH) - organismo que monitora o sistema, de onde sai metade da água que abastece a Grande São Paulo.

O problema havia sido detectado já na metade de 2003, quando em pleno inverno, o nível do Sistema Cantareira estava 20% abaixo em relação ao mesmo período do ano anterior. A diferença persiste: na última quinta-feira, o Cantareira operava com um volume de 4,05% da capacidade total. No mesmo dia em 2003, o volume era de 26,11%, hoje 22% menor. A comparação é relevante porque mostra a depreciação do reservatório depois de todo o ciclo hidrológico. A Sabesp afirma que tem entrado no sistema apenas metade da água esperada para o período. "A situação é muito preocupante", alerta Cláudio de Mauro, prefeito de Rio Claro e presidente do Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ). Segundo ele, o Cantareira terá que chegar a 45% de reserva de água no final do verão, em março. "Não parece que isso ocorrerá", afirma Mauro.

A depreciação do sistema Cantareira - que chegou no dia 1 de dezembro do ano passado a meros 1,6% da capacidade - também prejudica o abastecimento de quase 2 milhões de pessoas que vivem na região de Campinas. Dois dos principais mananciais que abastecem a região passam pelo Cantareira: são os rios Jaguari e Atibaia, que formam em Americana o rio Piracicaba. Em razão da redução do nível do reservatório, a vazão para o interior tem sido reduzida nos últimos meses. No dia 4 de janeiro, o sistema liberava apenas 1,8 m³/s de água.

A Sabesp admite o risco, mas diz que "confia" no aumento do volume de chuvas até o final do verão, em fins de março (leia texto ao lado). Por enquanto, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, não acusa a ocorrência de fenômenos que levem à seca acentuada na região Sudeste, sobretudo na área Sudoeste de Minas Gerais, de onde é abastecido o Sistema Cantareira. Pelo prognóstico do instituto, os meses de janeiro, fevereiro e março terão chuvas de pelo menos 240 milímetros (mm) e picos que podem alcançar de 300 mm a 360 mm.

Ano de debates

A situação começa a mobilizar o interior de São Paulo, que tem em pauta dois temas: o primeiro de curto prazo, e neste caso a solução é esperar as chuvas prometidas para este verão, o que pode evitar um colapso no abastecimento no inverno; o segundo é encontrar uma nova estratégia para a distribuição de água entre São Paulo e a região de Campinas. Para discutir o assunto, o Comitê do Piracicaba decidiu criar um grupo técnico para avaliar a situação do sistema Cantareira. A primeira reunião, segundo Cláudio de Mauro, aconteceu ontem na unidade da Ripasa, em Limeira (SP). Membros do CBH-PCJ ouviram relatórios sobre a situação atual e pediram à Sabesp o plano diretor da empresa, que afirma precisar manter a expansão da oferta para suportar o crescimento vegetativo de 1,6% ao ano. Alguns pontos citados pela Sabesp e que constam do plano diretor são: a reversão de água de mananciais que descem a serra do mar e a criação de um aqueduto de 200 quilômetros que ligaria Barra Bonita, no interior de São Paulo, à RMSP.

O comitê tem anunciado que o aumento de oferta de água para atender a cidade de São Paulo não é uma proposta razoável. Segundo Cláudio de Mauro, a demanda de água de São Paulo não pode continuar nos níveis atuais. "Não há condições de manter um crescimento desta magnitude. É preciso que o Estado, o governo federal, tenha uma política séria para o saneamento básico, uma ação efetiva para encontrar alternativa", afirma. De acordo com o presidente do comitê, é fundamental investimento em tratamento de esgoto, aproveitamento da água de chuva, campanhas contra o desperdício e outros esforços para melhorar a qualidade da rede. A Sabesp alega que tem feito este esforço.

O grupo técnico criado dentro do Comitê do Rio Piracicaba quer propor nova forma de gestão do Sistema Cantareira. A Sabesp terá de renovar a outorga para exploração de 33 m³/s do sistema, que expira em agosto. Segundo Mauro, o grupo pediu ontem a definição sobre quem dará a licença à Sabesp, o DAEE ou a Agência Nacional de Água (ANA).

O comitê tem reproduzido uma crescente preocupação da sociedade civil. Em dezembro, o Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba ingressou com uma ação civil pública na Justiça em que pede a indenização aos municípios da bacia hidrográfica pelos 30 anos de uso do Sistema Cantareira. A indenização supera R$ 11 bilhões. Embora o resultado prático não pareça factível, a ação demonstra o espírito geral das organizações civis em Piracicaba.

GM, 14/01/2004, Saneamento & Meio Ambiente, p. A8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.