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Equacionar a matriz energética

Valor Econômico, Opinião, p. A12
Autor: BAITELO, Ricardo
23 de Abr de 2014

Equacionar a matriz energética
A aposta nos ventos brasileiros é tão grande que a fonte teve contratação recorde no ano passado

Por Ricardo Baitelo

Não há dúvidas de que o Brasil vai precisar cada vez mais de energia para se desenvolver e atender as necessidades da sociedade, indústria e aumentar o acesso das pessoas à eletricidade. Mesmo com a desaceleração da economia brasileira, o setor energético continuou se expandindo ao longo da década e demonstra que a tendência é a de que vá continuar crescendo.
Esse processo é natural para um país como o Brasil que se mantém entre as sete maiores economias nos últimos cinco anos. A contrapartida é não apenas precisar de mais energia, mas ter que extrapolar e superdimensionar o sistema elétrico para garantir o fornecimento em "tempo real" a toda a população. Faz-se necessário gerar muito mais energia para ser possível atender os picos de consumo em épocas de calor excessivo, que implicam o maior uso de refrigeração e ar condicionado.
De 2000 pra cá, a matriz energética brasileira dobrou e o desafio de gerir o sistema se tornou mais complexo. Em um país no qual a hidreletricidade é a principal fonte, a geração de energia tem sido essencialmente condicionada aos níveis dos reservatórios e termelétricas eram ligadas apenas nos períodos secos. Hoje, mesmo usando mais de 17 mil MW médios de térmicas, vemos que o binômio hídrico-térmico não é mais suficiente para atender à demanda do país.
Muitos alegam haver um enorme potencial hidrelétrico ainda a ser explorado. No entanto, a maior parte deste se concentra na região amazônica, que além de restrições socioambientais, apresenta limitações técnicas e naturais à construção de reservatórios e ao aproveitamento de quedas d'água. Mais do que isso, a variação da hidrologia - como já verificado em 2001, 2008, 2013 e 2014, para citar exemplos recentes - tende a se tornar mais frequente.
Segundo o 5o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os eventos extremos como secas e chuvas serão intensificados. Simplesmente não vale a pena construir grandes hidrelétricas na Amazônia que estarão ainda mais suscetíveis a regimes de chuva instáveis.
Por outro lado, aumentar o uso de térmicas é uma solução limitada e equivocada. Além da alta emissão de poluentes e gases de efeito estufa - que vão justamente contribuir para as mudanças climáticas e agravar seus efeitos - a queima de combustíveis fósseis é cara. Ela exige enormes gastos do governo e das distribuidoras e, consequentemente, vão pesar no bolso dos consumidores. A quantia, projetada em R$ 18 bilhões para este ano, deve reaparecer no reajuste da conta de luz de várias distribuidoras entre agora e 2015.
Precisamos, portanto, de soluções para compor uma matriz elétrica crescente e que seja ao mesmo tempo confiável e econômica. Se o desafio parece ser muito complicado, a boa notícia é que as opções estão ao alcance do governo brasileiro e podem ser implementadas de forma sustentável.
A primeira opção de curto prazo é o racionamento de energia. O termo ainda é muito associado ao 'apagão' de 2001 e pode assustar a população, mas pode ser visto como economia e não falta de energia. A redução de 10% do consumo residencial e comercial é defendida por especialistas do setor elétrico e não representaria impacto sobre a qualidade de vida da população.
Investir em medidas de eficiência energética e apostar em usinas que podem ser construídas em um horizonte de tempo menor compõem a segunda opção. Para se ter ideia, uma hidrelétrica pode levar 5 anos para ser entregue enquanto empreendimentos de energias renováveis podem ser construídos em poucos anos.
Não se pode ignorar o fato de que a conexão atrasada de parques eólicos com as linhas de distribuição contribuiu para que a fonte fosse vista com desconfiança. No entanto, a revisão dessas regras no último leilão mostrou que a situação tende a se reduzir no futuro com os novos parques contratados. A aposta nos ventos brasileiros é tão grande que a fonte teve contratação recorde em 2013.
A cogeração a bagaço da cana é outra opção lógica. Aproveita um insumo da produção de etanol e gera eletricidade justamente nos meses de estiagem, sendo complementar às hidrelétricas e contribuindo para a economia de água nos reservatórios. E a energia solar também complementa o sistema, uma vez que a falta de chuvas beneficia a geração fotovoltaica que tem apresentado médias nacionais superiores a anos anteriores. Vale ressaltar que energia solar apresenta maior previsibilidade do que a hídrica, se analisada sua produção anual.
O argumento de custos elevados para as energias renováveis não é mais válido. Vamos aos números: os últimos leilões de energia de 2013 contrataram eólicas e biomassa a preços de R$ 119 e R$ 133 por MWh, respectivamente. A energia solar teve seu primeiro leilão exclusivo em Pernambuco, vendendo energia a R$ 228/ MWh. Enquanto isso, o PLD, ou preço de venda de energia a curto prazo, alcançou o recorde de R$ 822/MWh, em decorrência da operação das térmicas a gás, diesel e óleo combustível que dependem de caros insumos.
Isto significa que, se investirmos na ampliação da matriz elétrica a partir de eólica, biomassa e solar, gastaremos - governo, distribuidoras e consumidores - na prática pelo menos quatro vezes menos do que na conjuntura atual.
O último argumento contra eólicas e solares, a intermitência, também já não é mais válido. A Agência Internacional de Energia mostrou que qualquer país pode ter elevadas porcentagens de energia eólica e solar - contribuindo com até mais de 30% da produção de eletricidade - sem problemas de segurança energética ou sem custos elevados. A viabilidade da inserção em grande escala de fontes ditas flutuantes -- ou não constantes - em matrizes elétricas é possível.
As opções estão na mesa. Para implementá-las basta vontade política, planejamento e responsabilidade dos governantes com o bolso dos contribuintes e a qualidade de vida da população, no presente e no futuro.

Ricardo Baitelo é coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil

Valor Econômico, 23/04/2014, Opinião, p. A12

http://www.valor.com.br/opiniao/3523472/equacionar-matriz-energetica

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