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ENTREVISTA/ SEBASTIÃO MANCHINERI

A Crítica- Rio Branco-AC
Autor: Ivânia Vieira
20 de Ago de 2001

Não aceitamos mais pedidos de desculpas

Plano Colômbia é catástrofe autorizada

A CRÍTICA - Qual é, hoje, o projeto mais importante da Coica?
Sebastião Manchineri - Ele se desdobra em vários, mas podemos dizer que é o fortalecimento do processo organizacional do movimento indígena no Brasil, em outros países e, principalmente na Amazônia. Esta é a nossa saída diante de tantos desafios como a questão das mudanças climáticas, o novo modelo de utilização da biodiversidade, da propriedade intelectual, exploração de recursos naturais, como minério, madeira, o petróleo. Em todo esse universo, os povos indígenas estão envolvidos e as decisões tomadas afetam diretamente suas vidas. As organizações que representam esses povos não podem ficar alheias a tais questões. Também estamos preocupados com a definição, pelos Estados, de uma política que possa consolidar a atuação dos povos indígenas no contexto das suas especificidades e demandas
.AC - No comando da Coica, embora há pouco tempo, qual tem sido a sua maior barreira?
SM - Para mim é um desafio importante, considerando que dentro da própria direção da organização temos um brasileiro, eu, o vice-presidente falando francês, e os coordenadores de áreas falando inglês e espanhol. Então, essa realidade nos remete à tarefa de exercitar a compreensão que nos permitirá dar as respostas aos anseios dos povos indígenas. Mas, estamos tendo apoio decisivo das organizações indígenas do Equador e da Amazônia.
AC - Em sua exposição estão os desafios de prioridades, quais são eles?
SM - A questão da militarização da Amazônia, agora representada por ações como o Plano Colômbia e o projeto Calha Norte. Nós entendemos que a Amazônia não precisa ser militarizada para ser defendida, precisa sim ter a presença do Estado em ações e não em armas, nem com estupidez e ignorância, como age a maioria das representações das Formas Armadas quando chega às comunidades indígenas ou ribeirinhas, se apropria das coisas tal qual fosse a dona do espaço. A soberania do País não está ameaçada pelos índios ou nos ribeirinhos, mas na atitude que tomam as autoridades, e o exemplo disso são os acordos feitos com o FMI, por meio dos quais se entrega o País ao capital estrangeiro, à ação das multinacionais, e não levam em conta o que acontece com a vida das pessoas dentro do País.
AC - A questão climática está presente na maioria dos encontros de organizações indígenas. O que defendem?
SB - Lutamos para garantir os direitos dos povos indígenas. Em todos os países, os índios têm algum direito, no papel, a maioria deles é ignorada na prática. Como fazer para que sejam efetivamente cumpridos? Um outro dado: nossos direitos afetam grandes interesses econômicos que, por sua vez, têm fortes representações atuando nas estruturas internas do País que deveriam fazer valer os direitos dos povos indígenas com algo bom e um dever da Justiça. Não é assim. De outro lado, estamos profundamente preocupados com a forma como vem sendo trabalhado o Programa de Desenvolvimento Limpo, ligado ao Protocolo de Kyoto , que prevê o reflorestamento de determinadas áreas, ou seja, a inserção de novas culturas sobre as quais não temos a certeza técnica de que são viáveis nessas regiões para realizarem o seqüestro de carbono. A certeza que temos é que haverá uma enxurrada de gente entrando em determinadas áreas, uma enxurrada de tecnologia transformando a floresta Amazônica, por exemplo, em floresta terciária, com plantios de soja e eucalipto. Isso modificará o aspecto social, econômico e geográfico da Região Amazônica. Um outro aspecto, nesse campo, é a não inclusão das florestas nativas como seqüestradoras de carbono. Elas tradicionalmente exerceram essa função, mas os países desenvolvidos não estão preocupados com elas, reagem contra a reivindicação que fazemos e se negam a dispor de recursos que garantam a manutenção dessas florestas. Os países amazônicos, por sua vez, são financeiramente incapazes de assumir programas nessa área. Há uma deficiência séria nesse processo e os povos indígenas estão sendo os maiores prejudicados.
AC - Como construir uma unidade em torno das questões mais importantes para os povos indígenas?
SM - Veja, temos ONGs, Igrejas, Governos, organizações indígenas e povos indígenas, todos dentro desse processo e, cada um, com sua linguagem. Isso dificulta a defesa dos interesses mais comuns e os dos povos indígenas. É por conta dessa constatação que estamos chamando, para outubro, um seminário, organizando pela Coica e a Coiab, em Manaus, para tirarmos uma posição comum sobre o seqüestro de carbono e é importante que esta seja definida antes da conferência sobre esse assunto, na África do Sul, em novembro. Nosso desejo é ter uma posição do bloco amazônico.
AC - Como as organizações indígenas vêm atuando no combate a esse plano?
SM - Temos apresentado às autoridades documentos contra a militarização da Amazônia, mas as respostas são poucas porque os governos são muito fechados e existem muitos poderes atuando sobre essa questão. A fomigação está contaminando os rios, já contaminou a população, o meio ambiente, vai modificar a biodiversidade. É uma situação de catástrofe na Amazônia sem tamanho e que vem se realizando. Líderes indígenas são presos, assassinados e, não temos, até o presente momento, nenhuma ação direta dos governos para impedir esse massacre. A fomigação, por conta da ação de uma organização indígena colombiana, foi suspensa por 15 dias e, então, os EUA ameaçaram cortar os recursos enviados ao Governo colombiano e este voltou atrás na decisão. O mesmo juiz que proibiu o uso desse produto, autorizou, depois, a continuidade do processo.
AC - Quantos líderes indígenas foram assassinados?
SM - Temos cerca de 30 lideranças indígenas mortas, entre prefeitos, ex-prefeitos, membros de organizações indígenas. Só em uma semana morreram nove pessoas. Estamos trabalhando com a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas para que ela investigue essa realidade, pois, em meio a guerra está a população sendo violada em seus direitos mais elementares
.AC - Qual é a luta das organizações indígenas dentro da política mundial dos Direitos Humanos?
SM - Estamos propondo a implementação do direito que garanta reparação dos danos causados tanto na questão racial, quanto na exploração e saques de bens patrimoniais e culturais. Esta é uma ação que vai durar muito tempo, mas faz-se necessária. O Estado, a Igreja, as empresas, as pessoas deverão pagar pelos erros e equívocos que cometeram. Se no passado trágico fomos as vítimas, estamos dizendo hoje que não aceitamos continuar sendo vítimas dessas atitudes. Pedidos de desculpas não queremos mais, pois é como assumir a irresponsabilidade e não querer fazer nada para resolver o problema criado. Nós precisamos transformar políticas para que essas respeitem e promovam a pessoa.
AC - As ameaças mais sérias aos povos indígenas da Amazônia estariam em quais áreas?
SM - Na exploração de recursos naturais, na falta de uma política que se funde no compromisso de melhorar as condições de vida dos povos indígenas. É por isso que dentre as nossas prioridades está a qualificação da atuação do movimento indígena como bloco para defender os nossos interesses na Amazônia.

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