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Ensino foca problemas dos índios

Unesp Ciência - http://www2.unesp.br/revista/
Autor: Luciana Christante
08 de Jun de 2010

Um dos principais problemas das comunidades indígenas do alto e médio rio Negro é o esvaziamento populacional. Jovens saem em busca de estudo e trabalho e não voltam mais. Uma tentativa de contornar isso está sendo experimentada pelo Ifam (Instituto Federal do Amazonas) em Tapira Ponta, onde foi instalada uma escola de ensino médio diferenciado, adaptado para as necessidades dos índios. Nesta entrevista, Francinete Soares Martins, de 33 anos, diretora do departamento de ensino do Ifam, filha de mãe Baré e pai paraibano, detalha o problema e as expectativas em torno do curso.

Unesp Ciência - Este curso é a segunda iniciativa do Ifam com ensino médio diferenciado dentro de uma comunidade indígena. Como foi a primeira?
Francinete - O primeiro curso foi oferecido na região do rio Içana entre 2007 e 2009. Na verdade, foi na modalidade de ensino pós-médio, ou seja, para alunos que já tinham concluído o ensino médio. Foi um curso profissionalizante de etnodesenvolvimento, no qual se trabalhou a parte de processamento de alimentos, psicultura e manejo agroflorestal. O professor Rinaldo Sena [que acompanhou a expedição chefiada por Lin Chau Ming, da Unesp] foi o primeiro diretor [do Ifam] que aceitou o desafio de levar a educação para fora dos muros do câmpus, para as comunidades indígenas. A gente tem aqui um problema muito grande de esvaziamento das comunidades. Acabam ficando apenas idosos, adultos e crianças; os jovens vão embora. E as crianças, assim que terminam o ensino fundamental acabam indo para [o núcleo urbano] São Gabriel da Cachoeira para concluir os estudos. Poucos retornam para a comunidade. Só voltam os que estão com problema, meninas que engravidaram sem que o parceiro tenha condição de assumir a criança, e nos casos dos rapazes, quando já se tornaram alcoólatras.

UC - Qual é a avaliação de vocês sobre os resultados do projeto?
Francinete - Vinte e dois alunos concluíram o curso. Até então os professores nunca tinham saído do câmpus, então houve no início uma certa resistência. Grande parte dos professores é de fora, e eles tinham dúvidas: "Como a gente vai ficar lá? A gente não conhece a cultura". O curso funcionou de forma modular, os professores iam de mês em mês. Porque os alunos eram adultos e não podiam parar tudo para estudar, eles precisavam pescar, caçar, cuidar da roça. Então os professores passavam 15 dias lá, depois retornavam no outro mês para mais um módulo. Dos alunos que se formaram, alguns estão na comunidade trabalhando e outros foram absorvidos pela prefeitura como professores. E alguns desses não se limitaram ao rio Içana, estão dando aula em comunidades do rio Negro também. A formação de professores é uma das dificuldades da região. Há professores contratados pela Seduc [Secretaria Estadual de Educação do Amazonas] que estão dando aula para o ensino médio sem ter concluído o ensino médio - ainda estão fazendo o magistério indígena. É preocupante. Por isso esses alunos com ensino pós-médio acabaram sendo absorvidos pela prefeitura.

UC - Que lições desse curso no rio Içana vocês estão aplicando no novo curso em Tapira Ponta?
Francinete - Nós vimos a importância de introduzir na estrutura curricular a criação de animais. No rio Içana nós trabalhamos somente com agricultura, agroecologia e psicultura. E quando o projeto do novo curso foi formulado, estava mais ou menos parecido, quase com a mesma estrutura. Só que quando nós apresentamos para as comunidades, os líderes questionaram: "A gente quer melhorar a roça, mas [já] tem a mandioca lá. A gente quer melhorar as frutas, mas tem bananeira. E a parte de criação de animais? Nós não sabemos criar". Eles diziam que a prefeitura ou a Funai entregavam alevinos que acabavam morrendo, entregavam pintos e eles não sabiam criar galinha. Então por isso foi feita essa mudança.

UC - Além de peixes e aves, quais outros animais você pretendem introduzir?
Francinete - Nós pensamos em ovelhas.

UC - Nesse clima?
Francinete - A gente tem uma criação de ovelhas no campus do Ifam e vai muito bem. O que os líderes das comunidades queriam era a bovinocultura. Mas não há condições, porque precisa de pasto, de uma série de cuidados de manejo que são complicados. Então eles viram as nossas ovelhas e resolveram substituir os bovinos por ovinos, que têm condições de oferecer carne e leite com um manejo mais fácil. E menos impacto ambiental, porque para criar boi precisa desmatar.

UC - O curso é profissionalizante, mas equivale ao terceiro ano do nível médio. Estão previstas também disciplinas básicas?
Francinete - A gente trabalha o ensino médio integrado ao profissionalizante. Então o currículo tem matemática, química, língua portuguesa. Mas essas disciplinas são dadas para dar suporte na área profissional. Por exemplo, o aluno tem que sabe calcular área para plantar, a [quantidade de] ração para os animais.

UC - E também há planos para um curso de ensino superior no ano que vem?
Francinete - Vai ser o primeiro curso superior indígena ofertado pelo Ifam, uma licenciatura intercultural indígena. Toda a grade curricular e metodologia pedagógica foram pensadas com as comunidades. Eles pensaram até o vestibular, como vai ser a seleção etc.

UC - A preocupação com as demandas de educação da população indígena é algo relativamente recente na história do Ifam. Como e quando ocorreu essa guinada?
Francinete - Essa mudança vem ocorrendo desde 2003. Até então, o Ifam, que é a antiga Escola Agrotécnica, nunca tinha feito uma avaliação dos cursos que estava oferecendo, que tipo de profissionais estava formando. Então as comunidades indígenas, através da Foirn, começaram a questionar o papel da escola. Porque ela estava formando técnicos em agropecuária com uma estrutura curricular tradicional, estava enchendo a cidade de técnicos e isso não tinha nenhum impacto. Então eles [os indígenas] começaram a pensar que tipo de escola eles queriam. E o Ifam abriu as portas para as comunidades para haver diálogo. A implantação dos novos cursos foi fruto de discussão na Foirn. Por isso hoje nós temos cursos de gestão, de meio ambiente e de informática. Tudo isso foi reivindicação das comunidades.

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