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Engenheiro faz chover na região da Cantareira

OESP, Metrópole, p. C7
16 de Nov de 2008

Engenheiro faz chover na região da Cantareira
Ele tem contrato com a Sabesp desde janeiro para 'semear' nuvens

Eduardo Reina

Aquela expressão "só faltou fazer chover" não se aplica ao engenheiro paulista Takeshi Imai. Há alguns anos, ele é parceiro de São Pedro, o senhor das chuvas na Região Sudeste do País, e de São José, o santo que traz chuvas para o Nordeste. Imai inventou um método que acelera a precipitação de chuvas sem uso de produtos químicos, apenas borrifando micropartículas de água na base das nuvens. A técnica é empregada na área dos Sistemas Cantareira e Alto Tietê da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), responsáveis pelo abastecimento de 14 milhões de pessoas.

Fabricante de máquinas agrícolas e inventor de engenhocas de todos os tipos, Imai começou suas pesquisas sobre chuva há 31 anos. Seu interesse era descobrir como a nuvem se forma, cresce, precipita e vira tempestade. Descobriu que a teoria da evaporação com origem no solo estava errada. "A teoria do calor latente está furada. Não vai formar nuvem. Essa energia vira vento". Então, o "Professor Pardal" tupiniquim resolveu aproveitar essa energia e criou a semeadura por gotas de tamanho controlado, que usa água potável, e não produtos químicos, como iodeto de prata ou cloreto de sódio, para estimular as nuvens em determinadas áreas. O trabalho utiliza um avião bimotor para fazer a semeadura dentro das nuvens cumulus congestus.

Nem todas as nuvens têm quantidade de gotículas de água suficiente para atingir um tamanho de gota que precipite. O processo de Imai borrifa micropartículas de água nas nuvens, que começam a se aglutinar e criam a gota com peso suficiente para compor a chuva e cair. Nas nuvens, segundo o engenheiro, a gota coletora faz o conjunto se precipitar. "A gota se forma quando a umidade chega a 101%." Essa microgota tem tamanho de 10 até 50 mícron. E a partir de 36 mícron, começa a existir a possibilidade de se grudar uma na outra e formar o pingo de chuva.

As gotas de tamanho controlado de Imai são induzidas a grudar uma na outra. Parece coisa de louco, mas é realidade. Dá certo. Desde janeiro, por sobre as Represas do Sistema Cantareira e Alto Tietê, sua equipe da Modclima - Modificação Consciente do Clima e Ambiente já fez 182 vôos. Em 142 deles foi possível semear as nuvens. E em 58 vôos houve chuva, incluindo na quinta-feira, quando a reportagem participou da ação na região de Bragança Paulista e Atibaia, sobre as Represas Jaguari e Jacareí.

"Mesmo nesse período do ano, quando as chuvas são mais constantes, a gente sente que pára de chover por vários dias. E com o avião, sistematicamente, quase todos os dias chove. Isso melhora o volume das represas", explicou Rodolfo Baroncelli, da Unidade de Negócios de Produção de Água da Sabesp. O maior sistema da companhia, o Cantareira, que atende quase 9 milhões de pessoas, é vital para evitar desabastecimento. "Há menos chuva na bacia (do Sistema Cantareira) e muito mais gente gastando água", afirmou.

A engenhoca criada por Imai é capaz de produzir e borrifar 8,8 bilhões de gotículas por litro d'água. São cerca de 60 gotículas por centímetro quadrado. Essa máquina fica presa na asa e na cauda do avião, que entra na nuvem e faz a semeadura. Essas gotas lançadas pelo avião são maiores e colidem com a menores, se aglutinam, crescem rapidamente e provocam a chuva. "Quando fui indicado para pilotar o avião, achei que era uma coisa de louco. Mas depois vi que realmente funciona, é sério", contou o comandante Alexandre Loureiro, que está com Imai há um ano.

OLIMPÍADAS

Na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em julho, a comissão organizadora resolveu lançar centenas de foguetes contendo iodeto de prata na atmosfera, a 50 quilômetros de altitude, acima da camada de nuvens que encobria a capital chinesa. O objetivo era acelerar os pingos de chuva e não estragar a festa. No mundo, as primeiras chuvas artificiais foram provocadas nos Estados Unidos, no fim da década de 1930. Foram usadas até a década de 80 e depois paralisadas, porque causavam doenças pulmonares.

O avião da ModClima tem um reservatório com capacidade para 300 litros de água. Imai calcula que são produzidos até 500 mil litros de chuva para cada litro de água semeada dentro das nuvens. Isso equivale ao carregamento de cerca de 50 caminhões-pipa. A aeronave solta de 120 a 160 bilhões de gotas coletoras por minuto.

Para localizar as nuvens ideais, que contêm quantidade de água suficiente, a equipe de Imai em terra usa um radar meteorológico. A base é um hangar no Aeroporto de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, onde o inventor também mora. Em tempo real, a equipe acompanha a intensidade e a altura da nuvem, a velocidade de deslocamento, a posição geográfica e a estimativa de tempo para interceptação sobre a área de interesse.

Com todas as informações, os pilotos preparam o avião e decolam em direção às nuvens. Por rádio, recebem informações atualizadas sobre a localização e fazem os vôos de semeadura, sempre em círculos, na base dessas cumulus congestus. "A cumulus nimbus (as nuvens maiores e mais escuras) formam tempestades e devem ser evitadas. Por si só esse tipo de nuvem já faz chover, e forte", explicou Imai.

A importância do trabalho desse nissei ganha destaque em todo território nacional e fora do País. No início de 2005, a tecnologia de nucleação de nuvens socorreu várias cidades de Santa Catarina que estavam em estado de emergência, por causa da estiagem. O problema nessa região era o baixo nível dos rios utilizados por agricultores e pecuaristas.

EXPERT

A tecnologia patenteada pela ModClima ganhou a medalha de ouro da ciência no 7o Simpósio Internacional da Água, em Cannes, na França. No dia 12 deste mês, a empresa recebeu um pedido formal do Ministério do Meio Ambiente para atuar na região da Chapada Diamantina, na Bahia, uma reserva ambiental que está sendo consumida pelo fogo.

Diariamente, a cabeça de Takeshi Imai está literalmente nas nuvens, seu ganha-pão. "O grande desafio agora é medir o tamanho das gotas das chuvas e precisamos de um aparelho especial para saber exatamente quanto conseguimos fazer chover", conta. O equipamento tem um nome difícil, o disdrômetro. Mas isso não atrapalha a vida do engenheiro. "No ano passado, fiquei na UTI com uma grave infecção e quase morri. Quando estava para sair, o pessoal da Sabesp veio falar comigo para continuar esse trabalho de semear as nuvens. Como ganhei uma prorrogação de vida, acho que tenho de ajudar a humanidade", desabafou Imai, que não se incomoda em ser comparado a São Pedro ou a São José. Mas ele evita Santa Clara, a quem a população apela para fazer parar de chover. Já dizia o mestre baiano Dorival Caymmi: "Santa Clara clareou.../ Vai chuva, vem sol".

OESP, 16/11/2008, Metrópole, p. C7

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