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Encruzilhada climática

O Globo, Sociedade, p. 18
16 de Fev de 2015

Encruzilhada climática
Cientistas condenam alternativas para o combate ao aquecimento global.

Renato Grandelle

Na falta de um acordo global para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, um grupo crescente de cientistas busca soluções para a encruzilhada climática na geoengenharia, um compilado de alternativas ainda contestáveis contra o aquecimento global, como aprisionar poluentes em usinas termelétricas e jogar na atmosfera substâncias que refletiriam a luz do Sol. Agora, as teses são contestadas publicamente pela Associação Nacional de Ciências dos EUA (NAS, na sigla em inglês). Em dois estudos divulgados na semana passada, elas são definidas como "imaturas" e sem o controle e a tecnologia necessárias para retirá-las do papel.
Um dos métodos mais conhecidos seria adaptar as termelétricas à base de carvão para que elas pudessem recolher o CO2 emitido na produção de eletricidade, enterrando o gás logo depois em camadas impermeáveis do subsolo, onde ele se espalharia sem retornar à superfície. Um ponto favorável da captura do carbono é combater os poluentes emitidos pela própria indústria. No entanto, a empreitada custa caro e demora décadas para registrar resultados expressivos. O Comitê de Geoengenharia da NAS, então, recomenda que os recursos sejam gastos na troca de combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis, como a solar, a eólica e a de biomassa.

TÉCNICA FAVORECE EMISSÃO DE GASES
Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace, concorda com o órgão americano. Segundo ele, a técnica avançou pouco nos últimos anos e, por isso, não tem o "potencial de salvação" com o qual costuma ser anunciada. Além disso, "trancar" o gás no solo é um método caro, falho e que pode ser interpretado como um aval para a liberação de gases de efeito estufa.
- A verba destinada a estes projetos seria mais bem aplicada em energia renovável. É mais fácil prevenir do que remediar. Não vamos apostar em uma tecnologia que é cara e dá carta branca para aumentarmos a emissão de poluentes - pondera.
A captura de carbono foi discutida na semana passada em um encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência. Pesquisadora da Universidade de Stanford e analista do Projeto de Energia e Clima Global, Jennifer Milne destaca que o presidente Barack Obama determinou o corte de 80% das emissões de CO2 até 2050.
- As energias renováveis e a captura e armazenamento de carbono podem ajudar a reduzir as emissões de gás carbônico - avalia. - Para aumentar sua participação (no mercado), existem tecnologias para remover o CO2 e mantê-lo fora da atmosfera. Estas tecnologias têm vantagens e desvantagens, e o custo previsto varia drasticamente.
As restrições da NAS são ainda maiores ao "filtro" do Sol. Milhares de toneladas de partículas de dióxido de enxofre seriam jogadas na estratosfera por aviões. A partir de uma série de reações químicas, elas, ligadas com a água, formariam gotículas de aerossol, que absorve e reflete de volta para o espaço até 3% dos raios solares.
Os partidários da iniciativa asseguram que, considerando os possíveis resultados, as operações são relativamente baratas - custariam cerca de US$ 1 bilhão por ano. Os "escudos", porém, teriam comportamento imprevisível. Como seria impossível aplicar o programa simultaneamente ao redor do planeta, rajadas de vento poderiam fazer a "proteção" rebolar de um lado para outro, deixando exposta a região onde foi criada.
Uma consequência deste balancê seria mudar involuntariamente o regime climático de localidades que não deveriam ter qualquer ligação com este "bloqueio". Outro temor é que a concentração de sulfato na atmosfera esgote a camada de ozônio, que protege o homem dos raios ultravioleta. O efeito seria semelhante ao de grandes erupções vulcânicas, que em diversas ocasiões acabam com safras agrícolas.
Diante das restrições, a comunidade científica acredita que o "escudo" não poderia ser adotado unilateralmente. No entanto, esta possibilidade não deve ser descartada. A China seria a mais propensa a esconder seu território da radiação solar, na esperança de conter o avanço das mudanças climáticas.
- Mesmo com investimentos crescentes em energia eólica e solar, a economia chinesa é tão grande que, por enquanto, o governo não pode abdicar dos combustíveis fósseis - ressalta Baitelo. - Há, então, uma ânsia por procurar fontes alternativas, e a geoengenharia pode ser vista como um bom caminho. Ela só deve ser usada se estivermos encurralados em um beco sem saída.

ANALGÉSICO CONTRA O CÂNCER
Em entrevista ao jornal britânico "Guardian", o climatologista Raymond Pierrehumbert, da Universidade de Chicago, também condena a escolha de novas vias contra o aquecimento global.
- A mensagem (destes projetos) é que reduzir a emissão de gases-estufa é a melhor forma de combater as mudanças climáticas - explica Pierrehumbert, um dos redatores do estudo da NAS. - Escurecer o Sol não deve ser visto como um substituto barato contra o aquecimento global. É como tomar um analgésico quando você precisa de cirurgia para conter um câncer: você está ignorando o problema. E ele vai voltar para te pegar - acredita.
Para a equipe de Pierrehumbert, os novos métodos sequer podem ser chamados de "engenharia", já que não apresentam um nível de controle. O "filtro" à radiação solar e a captura de carbono não são capazes de controlar o aumento da temperatura do planeta, que já subiu 2 graus Celsius desde a Revolução Industrial. Tampouco pode dar conta do crescimento do nível do mar, que pode ganhar mais 1 metro de altura neste século.
Coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, André Nahur também aponta a importância do tradicional controle das emissões de gases-estufa. A geoengenharia deve ficar relegada ao segundo plano.
- A sociedade precisa considerar tecnologias de baixo carbono na produção de energia elétrica, transportes e agricultura - assinala. - Devemos considerar que os processos naturais de captação e processamento dos gases-estufa são únicos. Estas alternativas tecnológicas são boas opções e podem contribuir se não gerarem problemas ambientais.
Segundo especialistas, a adoção da geoengenharia pode ser uma alternativa tomada isoladamente pelos países para que não precisem se comprometer com a redução de emissões de gases-estufa em fóruns internacionais.

O Globo, 16/02/2015, Sociedade, p. 18

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/cientistas-condenam-…

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