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Enchentes e falta de agua, a sina do paulistano

OESP, Cidades, p.C1
08 de Fev de 2004

Enchentes e falta d'água, a sina do paulistano É difícil entender como pode haver racionamento, se tem chovido tanto na capital
EDUARDO NUNOMURA
Se chove tanto em São Paulo, por que deve haver racionamento de água? A pergunta que parece lógica povoa as inquietações dos paulistanos e revolta quem foi vítima das enchentes de verão. Nem adianta justificar que a chuva caiu em lugar errado ou que ela foi muito mais intensa do que as obras podiam suportar. Depois de anos negando o óbvio, as autoridades começam a admitir que a cidade está presa à própria armadilha de ter criado soluções equivocadas ou desproporcionais aos seus problemas.
"A cidade está toda impermeabilizada. A primeira coisa que a pessoa quer fazer é um cimentado em seu terreno. Não temos como fazer milagres", afirmou a prefeita Marta Suplicy (PT) para justificar que só obras de contenção de enchentes não bastam. "São Paulo cresceu pressionando o rio (Tietê), quando este é quem deveria orientar o crescimento da metrópole", explica o superintendente do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), Ricardo Borsari.
Os dois problemas citados acima se traduzem em córregos, riachos e rios que se enchem mais rapidamente. Os entornos do Tietê e do Pinheiros, os dois maiores leitos d'água da capital, eram originalmente formados de várzeas, que têm a função de acumular as chuvas. Nos últimos dez anos, o desmatamento em São Paulo foi o equivalente a 20 Estádios do Morumbi - o mesmo cujo clube ficou submerso na semana passada. Com menos verde, os bairros ficam mais quentes e as chuvas de verão ocorrem com mais freqüência.
Para retardar a chegada das águas aos rios, as várzeas vão sendo reconstituídas na forma de piscinões. Na capital, são necessários 43 reservatórios, mas só 14 estão em operação, 3 em construção e 2 ainda não saíram do papel. Só a bacia do Aricanduva tem 9. Para toda a região metropolitana, os engenheiros do Daee prevêem 65 piscinões - foram feitos 15 e 5 estão em obras nos Rios Tamanduateí e Pirajuçara.
Falta dinheiro para construir essas bacias de contenção de chuvas, tornando as enchentes tão previsíveis quanto o trânsito em São Paulo. A Prefeitura estima que seriam necessários R$ 3,85 bilhões - na gestão de Marta os investimentos são da ordem de R$ 130 milhões por ano, perfazendo pouco mais de 10% do total. Para finalizar os piscinões estaduais, vão ser necessários R$ 425 milhões - já foram investidos R$ 163 milhões desde 1999.
Politicagem - Por muitos anos, autoridades e engenheiros se apressavam em canalizar córregos como forma de ganhar dividendos políticos. A solução técnica, contudo, empurrava as inundações para outra região. Um bom (mau) exemplo é a canalização do Tamanduateí na Avenida do Estado.
Em 1999, o Estado estabeleceu um marco no tratamento do problema com a criação do Plano Diretor de Macrodrenagem Urbana da Bacia do Alto Tietê.
Pela primeira vez em muitos anos, a região metropolitana passou a ter uma orientação clara do que fazer para aprender a conviver com as cheias.
Cidades como Los Angeles e Tóquio, onde se sabe que pode haver terremotos, usam o que há de melhor em tecnologia e conhecimento para reduzir os impactos de eventuais tragédias.
Ousado, o plano de macrodrenagem prevê uma série de medidas de pequeno a grande impacto: formação da consciência ambiental dos moradores, uso de pisos que absorvem água da chuva, sistemas de retenção, aumento da área verde e controle da ocupação desordenada do solo. Soluções que ainda não foram adotadas em sua totalidade, mas que uma vez prontas darão um fôlego à região metropolitana até 2020.
Poucas ações - "Há um vício de origem, porque não é só investir nos córregos e rios principais. Foram realizados projetos em caráter de emergência, mas não houve ações para pôr o plano em prática", diz Mário Mantovani, diretor da organização não-governamental SOS Mata Atlântica.
Na sua análise, há uma bomba de efeito retardado com esse sistema de canalização de córregos, riachos e construção de piscinões. Sem outras medidas como a desocupação das favelas nos fundos dos vales ou a redução dos solos impermeáveis, São Paulo eternizará o problema das inundações.
O governador Geraldo Alckmin afirmou que o rebaixamento de calha do Rio Tietê, um projeto de R$ 688,3 milhões, já ajudou a reduzir as enchentes. "Da obra, 65% estão concluídos e o Tietê, pelo segundo ano consecutivo, não transbordou." Só que o maior volume do rio acabou barrando a enxurrada de afluentes, como o Tamanduateí. A água que vem desde a região do ABC não consegue "entrar" na calha, volta e pára na Vila Prudente, uma das áreas mais castigadas dos últimos dias. (Colaboraram Bárbara Souza e Iuri Pitta)

OESP, 08/02/2004, p.C1

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