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Empresa tem 48 horas para retirar oleo de rio

O Globo, Rio, p.14
29 de Abr de 2005

Empresa tem 48 horas para retirar óleo de rio
Alba Valéria Mendonça
A juíza Perla Lourenço Correa, da Comarca de Itaboraí, deu ontem à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) prazo de 48 horas para conter e recolher os mais de 60 mil litros de óleo diesel que vazaram no Rio Caceribu com o descarrilamento de um trem na terça-feira passada, em Porto das Caixas, Itaboraí. O descumprimento da decisão implicará na cobrança de multa diária de R$ 100 mil. A empresa terá também que dar abrigo às famílias atingidas pelo vazamento, que já chegou à Baía de Guanabara e afetou a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim.
A Procuradoria Geral do Estado, que impetrou a ação, entra hoje novamente na Justiça pedindo indenização para os pescadores que ficaram sem poder trabalhar. A FCA já recebeu duas multas pelo acidente: R$ 10 milhões da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca), pelo vazamento; e R$ 1 milhão da Superintendência estadual de Rios e Lagoas (Serla), já que um manancial foi atingido.
O ambientalista Sérgio Ricardo, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Guandu, vai enviar relatório à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério do Meio Ambiente pedindo que a FCA seja punida com a multa máxima de R$ 50 milhões pelo dano ambiental causado à APA de Guapimirim. Segundo ele, a empresa não tem licença ambiental para o transporte de diesel.
Segundo o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langoni, toda a malha ferroviária do país está em processo de regularização e, portanto, ainda em processo de obtenção das licenças ambientais. Depois das privatizações na década de 90, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) determinou um prazo para que as empresas se regularizassem apresentando seus documentos ao Ibama, que emitirá as licenças. Esse prazo termina no início de 2006.
Drenos pluviais abertos levaram óleo para o rio
A forte correnteza, a maré alta e os tufos de gigogas e vegetação aquática que se soltam das margens arrebentaram ontem, pela terceira vez, a barreira montada no Rio Caceribu, no distrito de Itambi, para conter o óleo que vazou. Horas depois do acidente, a mesma barreira já tinha se rompido. Ontem, durante toda a manhã, os técnicos tentaram vencer a correnteza para reinstalar as bóias de contenção. Eles também usariam mantas especiais para absorver o óleo.
— Para conter o óleo, os técnicos tinham de ter esticado uma tela antes das barreiras para evitar que a correnteza empurrasse as plantas contra elas — disse subsecretário de Meio Ambiente de Itaboraí, Heleno Cruz.
Um outro detalhe também teria impedido que o acidente tomasse proporções tão vastas. Segundo Heleno, o vagão descarrilou próximo aos drenos instalados ao longo da ferrovia para captar água da chuva. Uma simples obstrução dessas canaletas com montes de terra teria impedido que o óleo chegasse ao Rio Caceribu.
Segundo a gerente regional da Serla, Antônia Mônica Batista, a demora no atendimento ao acidente complicou o trabalho. Ontem, das seis barreiras montadas ao longo do Rio Caceribu, duas tinham se rompido. Com a maré alta, o óleo que ainda não evaporou está sendo empurrado para dentro dos manguezais. O presidente da FCA, Mauro Dias, voltou a dizer que a empresa informou o acidente aos órgãos de emergência e segurança logo após o descarrilamento do trem.
A coordenadora de educação ambiental da Serla, Verônica Castro, disse que o desastre ecológico é de grandes proporções, já que os manguezais ao longo do Caceribu são verdadeiros berçários de peixes. Segundo ela, abril é a época de cheia e de reprodução de peixes. O vazamento de óleo vai interromper o ciclo reprodutório de tainhas, robalos, corvinas e pescadinhas, além de camarões, siris e caranguejos. O óleo também vai, aos poucos, matando a vegetação do mangue e as algas.
— A esta altura, todo o pescado da região está contaminado e impróprio para o consumo — explicou Verônica.
No meio da tarde, dois dos quatro vagões que viraram na linha férrea já tinham sido desvirados e removidos.

O drama dos pescadores, que não podem trabalhar
Acompanhado da mulher e dos dois filhos, há três dias o pescador Barnabé de Almeida, de 35 anos, repete o ritual de 23 anos: acorda cedo e sai de casa em direção ao Rio Caceribu, no distrito de Itambi, em Itaboraí. Agora, porém, ele não precisa de barco nem redes. Assim como outros pescadores, Barnabé passa o dia acompanhando o trabalho dos técnicos de retirada do óleo que vazou para o rio.
— Venho aqui para ver no que vai dar. Esse vazamento de óleo está prejudicando muita gente. A Serla diz que não podemos mais pescar. Só mesmo Deus pode ajudar a gente — disse.
O rompimento da barreira de contenção, ontem, só aumentou a preocupação dos pescadores que tiram seu sustento do Rio Caceribu. Por causa do acidente ecológico, a pesca está suspensa por tempo indeterminado. Segundo o subsecretário de Meio Ambiente de Itaboraí, Heleno Cruz, cada um dos 80 pescadores captura em média 50 quilos de peixes e crustáceos por dia. A produção diária de quatro mil quilos de peixe abastece os mercados de São Gonçalo, Itaboraí, Magé e Guapimirim. Na próxima segunda-feira, representantes da Prefeitura de Itaboraí vão se reunir com os pescadores para buscar uma solução para a falta de trabalho.
Apesar de o óleo ter chegado à baía, o pescador Marcos da Silva continuava ontem catando siri.
— Por enquanto, nesse trecho do rio, o siri ainda não foi atingido — argumentava Marcos, que costuma vender o quilo do siri a R$ 5 no Mercado de São Pedro, em Niterói.
A Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que transportava o óleo no trem, providenciou a compra de cestas básicas para distribuir entre os pescadores que estão impedidos de trabalhar.

Opinião: Leite derramado
A CONTAMINAÇÃO de um dos últimos paraísos ecológicos da baía por óleo vazado de um trem que saltou dos trilhos poderia ter sido evitada com um mínimo de prudência e planejamento.
CONSTRUIR UM ramal ferroviário para transporte de combustível em áreas vulneráveis sem tomar as devidas precauções demonstra estreiteza de visão e irresponsabilidade.
OU TERIAM as autoridades deixado de levar em conta os riscos adicionais a que ficava exposta a já maltratada baía?
A PERGUNTA vale também, é claro, para os ambientalistas de plantão, sempre prontos a chorar sobre o leite derramado — e a apresentar soluções depois das catástrofes.

O Globo, 29/04/2005, p. 14

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