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Empresa social recebe certificação

Valor Econômico, Especial, p. F2
26 de Fev de 2014

Empresa social recebe certificação

Por Silvia Czapski
Para o Valor, de São Paulo

Militante ecológico durante a adolescência no Rio Grande do Sul, Luiz Fernando Laranja, veterinário especializado em pecuária leiteira e laticínios, resolveu dar uma guinada em sua vida, abandonando a bem-sucedida carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP) no fim dos anos 1990, para empreender em Alta Floresta (MT), onde nascera a esposa.
Com apenas R$ 32 mil, decidiu criar uma empresa que mudasse a forma de exploração da castanha do Pará na Amazônia. "Queria associar um negócio com a conservação da floresta e melhoria de condições das comunidades locais", lembra. Apesar de extraído há mais de 150 anos, diz ele, o fruto ainda saía de lá sem beneficiamento que lhe agregasse valor.
O momento era favorável, com ONGs dispostas a apoiar negócios sustentáveis na região. Mas, segundo Laranja, o principal apoio foi governamental: um financiamento a fundo perdido de R$ 120 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que se repetiu daí a três anos. A origem acadêmica influenciou as decisões. "Analisando amostras, pesquisadores da USP constataram a presença de nutrientes importantes, como selênio, e 64% de óleo bom para a saúde. Também alertaram que a forma de coletar influi na acidez do óleo, cujo teor deve ser de até 0,5%".
Laranja foi objetivo na negociação com coletores, grupos extrativistas, índios e pequenos agricultores. Em vez da antiga relação de dependência com compradores, quase troca de castanha por mantimentos, pagaria valores justos. Desde que eles seguissem os métodos de coleta que garantem a qualidade. Por fim, a ONG Amigos da Terra ofereceu o rótulo e, em 2006, a Ouro Verde lançou o óleo e uma farinha de castanha para a indústria alimentícia.
Apesar da aceitação no mundo da alta gastronomia, o nicho manteve-se estreito. "Chegamos a processar 300 toneladas anuais de castanha, com 49 funcionários nos períodos de pico e faturamento anual de R$ 5 milhões. Mas a maior parte se destinava à demanda por castanha sem casca", constata.
Ao apresentar o empreendimento num evento da ONG World Resources Institute nos EUA, em 2012, Laranja soube da nova certificação B-Corp (Benefit Corporations, ou empresas benfeitoras), criada pela B-Lab, organização sem fins lucrativos que identificara a preferência dos consumidores por companhias que associam a busca do lucro à promoção de benefícios sociais. "Com ela, poderíamos captar novos clientes no Brasil e exterior", raciocinou.
Cumpriram, então, todos os passos da certificação, que se consolidou com a alteração do contrato social, para que todas as partes interessadas tenham o mesmo poder vinculante dos acionistas.
Segundo Julia Maggion, diretora executiva da ONG Sistema-B, representante da B-Corp no país, o GIIRS abrange cinco aspectos: comunidade, meio ambiente, governança, funcionários e modelo de negócio inovador. Mas há especificidades na análise. "Como dar o mesmo valor para 20% de mulheres trabalhadoras numa empresa do Afeganistão ou da Europa?", questiona, ao justificar a atribuição de pesos diferentes às respostas visando contrabalançar a diversidade de situações decorrentes da atividade da empresa, core business, porte e cultura local.
Segundo ela, das 922 empresas e 70 fundos certificados em 29 países, 84 são de quatro países latino-americanos: Chile, Colômbia, Argentina e Brasil. Oito são brasileiras. Além da Ouro Verde, o Comitê pela Democratização da Informática (CDI) - que representa a certificadora no Brasil -, Construtora Abramar, Maria Farinha Filmes, Plano CDE, operadora de turismo Aoka, e Kapa+ EcoSocial e a aceleradora de negócios Turbo. Todas pagam taxa anual entre US$ 500 e US$ 25 mil, conforme o faturamento, e estão sujeitas à auditoria pela Deloitte, feita aleatoriamente em 20% das certificadas.
CEO da CDI Ventures, braço empresarial da CDI - ONG que fomenta o acesso a tecnologias de informação em comunidades de baixa renda - o administrador de empresas Marcel Fukayama conta do convite para facilitar o Sistema-B no Brasil. O desafio, diz ele, é enraizar no país a cultura dessa nova forma de gestão, que foca a base da pirâmide e traz o impacto social para dentro do negócio.
A unidade de negócios CDI Lan, cita Fukayama, afiliou 6,5 mil lan houses em regiões carentes, propondo agregar serviços que ajudam a aumentar a renda do empreendimento ao mesmo tempo em que beneficiam as comunidades. Como a atividade de correspondentes bancários. "É um avanço em relação à responsabilidade social corporativa, que busca amenizar impactos sociais e ambientais negativos."
Mais de 130 empresas no Brasil já foram mapeadas como aptas a se tornar B, diz o CEO. "Pretendemos convidá-las a conhecer o movimento. Também temos interesse em envolver mais a academia, investidores e grandes compradores."
Sócia da Maria Farinha, primeira produtora de filmes da América Latina a se tornar B, a cineasta Luana Lobo relata a complexidade na mensuração do impacto social para obter o selo. "Como quantificar o retorno financeiro de um filme como Muito Além do Peso, feito para alavancar o debate sobre obesidade infantil no Brasil?" Os custos de produção foram cobertos pelo Instituto Alana e a empresa abriu mão de ganhos pela exibição.
Outros aspectos compensaram a dificuldade. Por superar um milhão de views na internet, transformaram em pontos a visibilidade do documentário. Também contribuiram para a certificação a divisão dos lucros da Maria Farinha - 50% vão para colaboradores e projetos sociais - e a neutralização das emissões de carbono geradas nas atividades.

Valor Econômico, 26/02/2014, Especial, p. F2

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