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Empresa do Acre será a primeira a receber o selo Fair Trade em um produto madeireiro

Amazônia - www.amazonia.org.br
Autor: Aldrey Riechel
19 de Abr de 2010

Dizer que uma empresa ou projeto é sustentável virou clichê atualmente, já que a palavra é aplicada em qualquer situação, sem levar em conta que para merecê-la, um projeto deve pensar em uma economia justa, assumir as responsabilidades sociais e usar de maneira consciente os recursos naturais. Lucrar, tendo em vista todas essas exigências, pareceria impossível, não fosse a iniciativa de pessoas que já demonstraram que o empreendimento pode ser viável.

Um dos projetos que tenta validar essa forma de produção fica no Acre. A empresa Triunfo mudou completamente sua postura quando pensou em ter seus produtos certificados pelo selo FSC (Forest Stewardship Council) que atesta ao consumidor que o produto foi feito sem desrespeitar o meio ambiente e a legislação trabalhista e possui princípios de comércio justo. Jandir Santin, um dos empreendedores da empresa, diz que, depois da certificação, eles pensaram que era possível fazer ainda mais.

Das parcerias que surgiram durante o processo de certificação com organizações com o Imaflora, WWF e também com o governo do Estado, a Triunfo começou a elaborar um processo de produção que valorizasse a mão de obra existente na região e aproveitasse as madeiras que existem no Acre, mesmo sendo desvalorizadas pelo mercado.

Entre os projetos elaborados Santin destaca o de manejo florestal. As árvores foram mapeadas em um GPS para que os produtores localizem facilmente o local onde devem explorar. "Nós doamos uma GPS para cada família. Ele [o produtor] vai com o GPS buscar em cada árvore que onde ele explorou e como ele está explorando a madeira. Ele tem um mapa do que ele explorou, a quantia que ele pode explorar", explica. Para operar os aparelhos os comunitários passaram por um processo de formação, também oferecido pelos empresários.

Tentando implementar as práticas de "comércio justo", a empresa pode conseguir neste ano ser a primeira a ter um produto madeireiro com a certificação "Fair Trade" no mundo. Surgido na década de 60, essa certificação representa uma iniciativa que congrega responsabilidade social, sustentabilidade e competitividade para pequenos e médios produtores. O selo certifica não apenas o produtor, mas as indústrias também, de forma que toda a cadeia produtiva siga as regras do comércio justo.

Veja abaixo trechos da entrevista com o empresário Jandir Santin:

Amazônia.org.br - Como funciona a empresa atualmente?

Jandir Santin - Estamos muito felizes com o trabalho que estamos fazendo em parceria com os comunitários. O que nós conseguimos fazer de diferente nisso? Integrar as pessoas com a empresa, despertar potenciais dentro daquelas pessoas da floresta. No primeiro momento a gente começou a imaginar: o que a gente pode buscar com as pessoas aqui? Nós precisamos levar algum benefício para elas, então vamos primeiro ver o potencial de melhora que essas pessoas têm. E conseguimos com isso formar pessoas que eram analfabetas em pessoas com capacidade de operar um GPS, por exemplo.

Hoje nós fazemos inventários florestais, todos com GPS marcado. Com todas as árvores inventariadas, nós mapeamos no GPS as seringueiras, por exemplo, para o seringueiro não precisar andar em labirintos ou em círculos. Nós doamos um GPS para cada família, e ele vai com o GPS buscar em cada árvore onde ele explorou e como ele está explorando a madeira dele. Ele tem um mapa com a quantia que ele pode explorar. Tudo isso a gente pôde levar de benefícios.

Fora isso, vemos que algumas pessoas poderiam avançar mais e tentamos dar condições para isso. E transformarmos pessoas lá da comunidade em técnicos agrícolas. Para você ter uma idéia, temos uma projeção de que esses técnicos vão ter um faturamento mensal superior a 5 mil reais por mês. Essa maneira de integrar comunidade com empresa veio fortalecer muito, cria um laço com de união muito forte, permitiu avançar bastante.

Amazônia.org.br - Quando foi que esses projetos tiveram início? Quando foi que a empresa deixou de pensar apenas em produzir para interagir junto com a comunidade?

Jandir Santin - Essa idéia partiu de uma parceria que fizemos com a Cooperfloresta e no início da certificação [do selo FSC]. Nas auditorias, a gente foi entendo que a participação com o seringueiro, com o comunitário, com a pessoa da floresta, é muito importante e os benefícios que eles poderiam nos trazer, a ajuda que eles poderiam nos dar seria muito importante. E nós poderíamos contribuir muito com eles. E pensamos: de que maneira?

A gente já está melhorando os ramais e dando condições melhores para escoar a produção deles de castanha, mas isso só não basta. Trazer os filhos deles para dentro do trabalho. "Mas são pessoas sem conhecimentos", dizem. Mas vamos formar eles! Se pode-se formar outros, porque que não vamos formar eles?

Amazônia.org.br - Quantas pessoas trabalham atualmente na empresa?

Jandir Santin - Hoje já tem um contingente de 360 funcionários e a nossa projeção a partir de julho é de 560 funcionários. Desses, na equipe florestal, que explora a floresta, são 60. 55 são pessoas que convivem diretamente com a floresta.

Amazônia.org.br - Onde ficam essas áreas de exploração da empresa?

Jandir Santin - Em Rio Branco, no Acre, onde a indústria está instalada e nós exploramos nos manejos na região do Seringal Cachoeira, que era do Chico Mendes, e na Transacreana. Ao todo são três segmentos que nós exploramos.

Mas o que eu acho mais interessante será o novo projeto que a Triunfo estará engajada a partir de maio. O governo vai instalar uma indústria no Vale do Juruá. É uma região muito pobre, nunca se fez manejo e é uma região, digamos, que tem pessoas que vivem com uma renda de, talvez, mil reais anuais, de uma extraçãozinha e muito precariamente.

Com essa implantação da indústria que a gente vai instalar lá, vai se gerar aí uns 250, 300 empregos diretos. E a possibilidade da gente usar o máximo possível de pessoas lá, do local, essas pessoas que vivem na comunidade. Com geração de energia própria, gerando e distribuindo para a comunidade. Então acredito que a gente vai poder fazer um trabalho muito importante, pra levar um beneficio maior para essas pessoas que estão isoladas.

Amazônia.org.br - E como funcionará essa geração?

Jandir Santin - Do resíduo que a empresa vai gerar, gera uma biomassa. Essa biomassa será transformada em vapor, que vai condensar e gerar energia, e essa energia vai alimentar nossa indústria, além de ter um excedente. A intenção é gerar para essa pequena comunidade que existe lá, uma energia própria que hoje não existe e com isso, quem sabe eles não podem criar um negócio deles. Por exemplo, criar peixes, mas eles precisam ter freezer para isso. Então tudo isso vai ter ser benefício para eles mesmo.

Amazônia.org.br - A empresa só trabalha com as comunidades e manejo comunitário?

Jandir Santin - Não. Hoje nossa empresa consome de 30% a 35% de produtos oriundos de manejo comunitário e 65% a 70% próprios, de manejos próprios. Mas a intenção nossa é de avançar e evoluir o máximo possível nos projetos comunitários.

Amazônia.org.br - Que tipo de madeiras vocês costumam utilizar na indústria?

Jandir Santin - Na nossa empresa o maior foco é o laminado, que é o grande problema do Acre. De todos os manejos, todo mundo pensava em madeira nobre, curumaru, jatobá ou em outras espécies. A madeira branca não existia mercado. E na Triunfo começamos a produzir com essa madeira. Nós produzimos portas com ela, processamos mais alguns tipos de aproveitamentos que finalizam em cadeiras e alguns outros produtos e o resíduo final é biomassa, que gera energia para a nossa indústria.

Amazônia.org.br - Quais certificações a empresa possui?

Jandir Santin - Nós somos certificados FSC. Recentemente, fomos pré-auditados pelo Fair TradeIinternacional, justamente por esse trabalho que a gente está fazendo em comunidade. Estamos no processo final e com a grande possibilidade de que, em 30 a 60 dias, nós sejamos a primeira empresa do mundo a ser certificada Fair Trade com madeira tropical.

Amazônia.org.br - Como os moradores das comunidades receberam essa notícias?

Jandir Santin - Nós temos um link direto com a comunidade. E o bom é que essa certificação Fair Trade vai se chamar FSC Fair Trade Premiun, esse é exclusivo para a comunidade, vai gerar um prêmio. Esse prêmio, a empresa se comprometeu a passar integralmente para a comunidade.

De que maneira vamos repassar para a comunidade? Não individualmente e sim beneficiando, com transporte para a comunidade, com uma escola, um posto de saúde... A gente vai avaliar quais são as necessidades daquela comunidade e esse prêmio será transformado nisso. É um prêmio que vai contemplar a comunidade.

Amazônia.org.br - Da onde surgiram as iniciativas dos projetos que beneficiam a comunidade dentro da empresa?

Jandir Santin - Desde que a Triunfo se instalou no Acre, ou digamos, desde que recebemos o FSC. E nós já vamos para a re-certificação, pois já fazem cinco anos que a gente adotou essa política. Eu não tinha noção e nem idéia do que era um manejo certificado. Quando cheguei no Acre, e quando eu vi a possibilidade de transformar a certificação FSC, eu criei uma imagem na minha cabeça que eu queria levar para minha família, em especial para o meu filho e a minha filha, que se um dia eles planejarem uma industria deles, em algum segmento, que fosse com sustentabilidade. Só tem uma maneira de crescer e é com sustentabilidade, não vislumbrando somente a parte material, mas sim crescer com o socialmente e ecologicamente correto e justo.

O economicamente viável é necessário, porque a gente precisa implantar os projetos, mas eu só vejo a sustentabilidade em conjunto com os comunitários. Porque eles são os maiores defensores da floresta, os nossos guardiões. O nosso estoque, teoricamente, está dentro da floresta. Então essa parceria da empresa com a comunidade é a mais saudável.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=352116

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