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Emocionada, multidao diz adeus a irma Dorothy

OESP, Nacional, p.A12
16 de Fev de 2005

Emocionada, multidão diz adeus à irmã Dorothy
Freira foi enterrada onde queria, em uma chácara da igreja de Anapu

ANAPU - Emocionadas, cerca de 2 mil pessoas acompanharam ontem à tarde o enterro da irmã Dorothy Stang, morta com seis tiros por pistoleiros no sábado, num acampamento de trabalhadores rurais. Ela foi sepultada numa chácara da Igreja Católica, às margens do Rio Anapu, afluente do Rio Xingu. Irmã Dorothy escolheu o local como última morada e avisou isso a amigos, como o padre Amaro dos Santos, da paróquia local, e aos fiéis, quando passou a ser ameaçada de morte. No túmulo, foi plantada uma muda de mogno, que ela havia cultivado.
O governador do Acre, Jorge Viana, entregará ainda hoje um relatório ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representado por ele na cerimônia. Deverá recomendar duas providências imediatas. A primeira é uma ação dura para desarmar fazendeiros, prender jagunços, muitos deles com mandados de prisão, apurar denúncias de violência e combater a grilagem.

"O governo foi afrontado", disse o governador. "O que houve aqui foi a reação da bandidagem contra o propósito do governo de fazer reforma agrária, combater o trabalho escravo e a grilagem. O Estado tem que fazer a bandidagem recuar."

A outra medida a ser recomendada é maior rapidez na execução da reforma agrária, sobretudo o modelo de desenvolvimento sustentável pelo qual a irmã Dorothy lutava. Viana levou também a Brasília mais três pedidos de proteção da Polícia Federal em favor de líderes ameaçados de morte. Um deles é Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu.

MAIS AMEAÇAS

Em meio ao aparato policial que tomou conta da cidade nos últimos dias, dois pistoleiros invadiram a casa do pai de Chiquinho, no momento em que ele estava no aeroporto para receber o corpo de irmã Dorothy. Os estranhos obrigaram uma sobrinha do sindicalista a escrever uma carta, endereçada a Chiquinho, informando que ele seria o próximo.

Os outros marcados para morrer são o padre Amaro dos Santos, que acompanhava o trabalho da irmã Dorothy, e o militante Gabriel de Moura. Nem o ouvidor agrário nacional, Gersino de Souza, escapou à ousadia dos grileiros da região. Ele disse que teve de cancelar uma audiência entre assentados e fazendeiros da região de Novo Progresso, próximo de Anapu, ao ser alertado de que seria seqüestrado e morto se a decisão fosse contrária aos proprietários de terra.

O corpo da freira, americana naturalizada brasileira, foi velado durante a noite de segunda, até o meio dia de terça-feira, na capela onde ela atuava, no centro de Anapu. A PM calcula que mais de 6 mil pessoas foram prestar homenagem à religiosa.

O Congresso mandou uma comitiva de dez representantes, liderada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Na quase totalidade, os presentes eram gente simples, de pele queimada de sol, mãos calejadas. Além da tristeza, notava-se o medo entre eles, causado pelo agravamento das tensões com grileiros, madeireiros e grandes proprietários rurais na região. O momento de maior comoção ocorreu durante a homenagem prestada por representantes dos movimentos sociais de Anapu, na missa de sepultamento, celebrada pelo bispo da região, d. Erwin Krautler.

O líder comunitário João dos Santos, que acompanhou o trabalho da irmã por 23 anos, lembrou o modo despojado com que a religiosa atuava nas comunidades carentes. Outros líderes, um a um, prometeram continuar a luta da religiosa pela implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), modelo de reforma agrária que o governo federal aprovou para a região. "Vamos continuar sua luta, Dorothy", prometeu Maria de Jesus, líder da comunidade Jacundá.

TRADUÇÃO LIVRE

O senador Suplicy, que disse estar representando também o presidente da República em exercício, José Alencar, apresentou a solidariedade do Congresso e surpreendeu o povo humilde ao cantar, em inglês, Blowing in the Wind, de Bob Dylan. Chorando, deu ênfase ao verso final, com tradução livre: "Quantas mortes precisarão ocorrer/ até que se perceba/ que muitos já morreram?/ A resposta, meu amigo/ está sendo soprada pelo vento".

OESP, 16/02/2005, Nacional, p.A12

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