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Emergência indígena

O Globo, Mundo, p. 38
26 de Ago de 2018

Emergência indígena
Povos originários são os mais afetados por colapso da saúde na Venezuela

JANAÍNA FIGUEIREDO
Correspondente janaina.figueiredo@oglobo.com.br
BUENOS AIRES

Até meados do ano passado, a Venezuela era um território praticamente livre de sarampo e outras doenças do passa do que a gravíssima crise social, econômica e humanitária estão trazendo de volta ao país. Os primeiros casos começaram a aparecer no estado de Bolívar e hoje, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, o sarampo está presente nos 23 estados venezuelanos e em Caracas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) já confirmam 115 mortes, a grande maioria de membros de comunidades indígenas como os warao e ianomâmi, presentes nas regiões do Delta do Orinoco e Amazonas. Os indígenas são as vítimas mais vulneráveis do colapso venezuelano e, nos últimos tempos, foram obrigados a conviver, sem qualquer tipo de ajuda e proteção estatal, com doenças como sarampo, malária, difteria, tuberculose e pólio. Médicos e representantes de ONGs locais estimam que 95% da população venezuelana não está vacinada contra o sarampo. Se para os que vivem em cidades está difícil, a situação de indígenas que habitam lugares afastados e abandonados pelo Estado é ainda mais dramática.
- Os indígenas são os mais afetados pelo retorno de doenças antigas porque não estão preparados imunologicamente, e a cobertura de vacinação é praticamente nula - explicou o médico José Félix Oletta, que foi ministro da Saúde entre 1987 e1989,é professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) e forma parte da Aliança pela Saúde da Venezuela. A destruição do sistema de saúde e sanitário está transformando o país em zona de risco, não somente para os venezuelanos, mas também para países vizinhos. O cenário é comparado ao visto em locais como Síria, Iraque e Iêmen. - Já está confirmada a exportação de doenças como malária e sarampo para Brasil e Colômbia -disse Oletta. Segundo a OMS, no ano passado a Venezuela era um dos quatro países do mundo, junto a Nigéria, Sudão e Iêmen, em estado de alerta por epidemia de malária. No ano anterior, o país representou 34,4% do total de casos do continente, superando Brasil e Colômbia, com 240.613 contagiados. Isso representa um aumento de 76,4% em relação a 2015. Médicos e ex-ministros da Saúde como Oletta enviaram uma carta ao governo de Nicolás Maduro na qual estimam que entre 2001 e 2017 foi registrado um aumento de 709% dos casos de malária. No ano passado, o número total chegou a 319.765, novo recorde histórico. -Se todo o país está em risco, as comunidades indígenas estão ainda mais, porque vivem em condições sanitárias extremamente precárias - comentou Marianella Herrara, diretora do Observatório Venezuelano da Saúde (OVS). Em regiões como o Delta do Orinoco, a maioria dos moradores não tem água potável e usa a água dos rios para beber, cozinhar e fazer as necessidades básicas. Somem-se a falta de vacinas e de assistência médica permanente e preventiva. -Os warao sofreram várias mortes por sarampo, e os casos de Aids, difteria e malária são cada vez mais frequentes -lamentou Herrara.
DIFTERIA SE DISSEMINOU
Há 20 anos, o país tinha apenas 2% dos casos de malária da região. Atualmente, adoençaé epidêmica em 17 dos 23 estados.De acordo com Olet ta, em 2018 o total de casos reais (não existem estatísticas oficiais) poderia chegara 800 mil ou até um milhão. Atualmente, a Venezuela representa 70,8% dos casos de sarampo do continente, com um total já confirmado neste ano de 3.545, sempre de acordo com ONGs e organizações internacionais, como a OMS. A volta de doenças do passado faz parte, na opinião de Oletta, de "uma deterioração generalizada da qualidade de vida dos venezuelanos".
- A cobertura de vacinas é mínima, temos desnutrição, empobrecimento, destruição de nossos hospitais e êxodo de médicos. O que podemos esperar com tudo isso? - perguntou o ex-ministro da Saúde, que aos 74 anos dedica a metade do dia a pesquisar e denunciar a catástrofe do setor em seu país.
Após 25 anos sem casos de difteria, a doença, hoje disseminada em todos os estados, reapareceu em abril de 2016. ONGs calculam que já foram diagnosticados 1.900 casos, dos quais 14% morreram. - A escassez de alimentos, que leva à desnutrição e pode até matar, também tem como consequência a tuberculose. E, quando falamos de comunidades indígenas, tudo é muito mais frágil-lamentou Oletta. Muitos indígenas das diversas comunidades que existem na Venezuela são parte da fuga em massa para países vizinhos, fenômeno já considerado por analistas como uma das maiores migrações já vividas pela região. A maioria opta por Colômbia e Brasil pela proximidade, já que o único transporte possível para essas pessoas são seus próprios pés.

O Globo, 26/08/2018, Mundo, p. 38

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