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Embrapa enfrenta sua maior crise em 45 anos

OESP, Economia, p. B4
21 de Jan de 2018

Embrapa enfrenta sua maior crise em 45 anos
Maior instituição pública de pesquisa do País pode ter corte de 20% no orçamento de R$ 3,5 bilhões; 85% desse dinheiro é gasto com salários

Gustavo Porto, enviado especial a Brasília, O Estado de S. Paulo

21 Janeiro 2018 | 05h00

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) enfrenta uma crise política, orçamentária e científica sem precedentes em seus quase 45 anos de história, a serem completados em abril. Maior instituição pública de pesquisa do País e responsável pela tropicalização de culturas como a soja, a Embrapa tem seu orçamento de R$ 3,5 bilhões ameaçado por um corte estimado em mais de 20% em 2018.

Cerca de 85% do orçamento é consumido com pagamento de salários e benefícios dos 9,6 mil funcionários. As despesas com pesquisa (R$ 66,8 milhões) representaram 2% dos gastos da estatal em 2017. O valor é o menor desde 2010 e está 31% abaixo dos R$ 96,9 milhões investidos na área em 2016. Os contingenciamentos promovidos pelo governo federal, segundo a Embrapa, explicam a queda.

Recentemente, a estatal passou a ser criticada internamente por pesquisadores e até pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Ele costuma dizer que a Embrapa "vive dos louros do passado". A crise interna se tornou pública, no início do mês, no artigo "Por favor, Embrapa: acorde!", do sociólogo rural Zander Navarro. O texto, publicado no Estado, em 5 de janeiro, provocou a demissão de Navarro, pesquisador da Embrapa.

Recentemente, a estatal passou a ser criticada internamente por pesquisadores e até pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Ele costuma dizer que a Embrapa "vive dos louros do passado". A crise interna se tornou pública, no início do mês, no artigo "Por favor, Embrapa: acorde!", do sociólogo rural Zander Navarro. O texto, publicado no Estado, em 5 de janeiro, provocou a demissão de Navarro, pesquisador da Embrapa.

A saída para a crise também é polêmica e passa por uma reestruturação completa na empresa. Estão previstas desde medidas simples, como a redução de linhas de ônibus destinadas ao transporte de funcionários em sua sede, em Brasília, às mais radicais, como o fim de unidades, redução de centros de pesquisas e um Programa de Desligamento Incentivado (PDI) para reduzir em até 20% gastos com pessoal.

Com o PDI, a Embrapa pretende reduzir a folha de pagamento, mas manter o número de funcionários. A ideia é trocar empregados com altos salários que aderirem ao programa por funcionários contratados por concursos futuros e vencimentos mais baixos.

Algumas mudanças estruturais já começaram. As 15 unidades centrais foram transformadas em cinco secretarias. Os 46 centros de pesquisas espalhados pelo Brasil foram reduzidos para 42. A unidade de algodão, em Campina Grande (PB), está entre as que devem ser fechadas.

Paralelamente, um projeto de lei para a criação da EmbrapaTec está na Câmara dos Deputados desde 2015. A proposta prevê a criação de uma subsidiária privada da Embrapa para operar no mercado de inovação, facilitar parcerias em pesquisas e até sociedades com outras empresas. O projeto enfrentou resistência no Legislativo e só começou a tramitação em comissões no final do ano passado.

No cargo desde 2012, Maurício Antônio Lopes, o mais longevo presidente da Embrapa, defende as mudanças idealizadas no seu mandato. Ele garante que "a grande maioria dos pesquisadores foi consultada", em comunidades virtuais da companhia e em videoconferências. "É uma falácia dizer que Embrapa não é aberta ao diálogo", disse ele, rebatendo as críticas a sua gestão. "São críticas da era da transparência radical e das mídias sociais. É ótima essa transparência, desde que não coloque a instituição no caos."

Para ele, o comprometimento acima de 80% do orçamento com a folha de pagamento não pode ser tratado como um custo. "Não podemos cair no discurso de que salário em instituição de ciência é custo. O principal pilar da (Embrapa) é o cérebro do pesquisador e temos de desmistificar isso".

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Instituições de Pesquisa Agropecuária e Florestal (Sinpaf) rebate Lopes. Edson Somensi, vice-presidente da entidade, diz que não há debate com os servidores da estatal.

O Estadão / Broadcast conversou na última semana com pesquisadores da Embrapa sobre a crise interna da empresa. O clima é de medo com possíveis represálias. Sem se identificar, muitos deles comparam a Embrapa a universidades públicas. "A Embrapa não demanda pesquisadores; os pesquisadores têm suas próprias demandas. Isso é para a universidade e não pode ocorrer em uma empresa que precisa dar resultados", disse um dos pesquisadores, que participou da fundação da Embrapa. "A crise é brutal."

A diretoria prega que a reforma na estatal desenhará a Embrapa do futuro, com o foco em inovação e pesquisas em áreas nas quais grandes companhias não atuam. "Não faz sentido que Embrapa cumpra o papel do setor privado cumpre muito bem", diz o presidente.

Feijão transgênico opõe estatal e pesquisadores
Testes de viabilidade comercial feitos até 2015 apontaram lucratividade de até 38% ante variedades convencionais, mas ação de vírus em semente pode prejudicar a empresa

A primeira variedade de feijão transgênico no mundo resistente ao vírus do mosaico-dourado - principal praga da cultura que chega a causar até 40% de perdas nas lavouras - se tornou exemplo das divergências internas entre pesquisadores e a diretoria da Embrapa.

Após anos de estudos, a variedade foi aprovada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e registrada em 2012.

Testes de viabilidade comercial feitos até 2015 apontaram lucratividade de até 38% ante variedades convencionais. A cúpula da Embrapa, porém, vetou o lançamento por temer que a ação de outro vírus não combatido na transgenia prejudique comercialmente e legalmente a empresa e seus diretores.

Memorando interno da Embrapa aponta que cerca de 20 toneladas de sementes geneticamente modificadas do feijão estão disponíveis para serem multiplicadas e distribuídas por parceiros comerciais já prospectados. O documento informa ainda que cerealistas se mostraram dispostos a empacotarem e vender os grãos.

O presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, considera o lançamento da variedade como de "alto risco" pelo fato de não ser resistente ao Carlavírus, outra praga que ataca o feijão e é transmitida pela mosca-branca, mesmo inseto vetor do mosaico-dourado. "A tecnologia precisa ser aprimorada", disse Lopes, ao defender o desenvolvimento de uma nova variedade, mais evoluída.

Quando apelou à diretoria da estatal para que a variedade fosse liberada, Alcido Elenor Wander, chefe da Embrapa Arroz e Feijão, disse que foi desenvolvido um kit capaz de detectar com rapidez o Carlavírus. O cultivo comercial do feijão também seria viável com ações como plantio na época adequada e monitoramento do inseto vetor com controle químico em nível menor que a média de 20 aplicações de defensivo no ciclo da cultura.

As justificativas técnicas não comoveram a diretoria da Embrapa. Lopes admitiu o temor de ser acionado judicialmente no futuro. "A Embrapa não pagará multa se eu tomar decisão equivocada que gerar, eventualmente, uma ação."

'Tem de cortar na carne, não tem outro jeito', diz Blairo Maggi sobre a Embrapa
De acordo com ministro, despesas da estatal deverão diminuir até 50% após a reestruturação interna em andamento
Entrevista com
Blairo Maggi, ministro da Agricultura

O ministro da Agricultura Blairo Maggi, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast, que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) "tem de cortar na carne" para enfrentar as restrições orçamentárias. Segundo Maggi, o processo de reestruturação interno, com redução de unidades e de cargos, deve diminuir as despesas da estatal em até 50%.

Maggi citou o projeto em tramitação no Congresso de criação da EmbrapaTec, um braço privado da empresa, como uma das formas de captar recursos extras. Ele revelou que luta para que o valor arrecadado pela União com empreendimentos imobiliários na área onde se localiza hoje a Ceagesp, na capital paulista, vá para a Embrapa. Leia, a seguir, a entrevista.

Blairo Maggi
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi
Como avalia a crise da Embrapa, com o corte de orçamento e divergências internas?

Quando estava no Senado, várias vezes alertei o Maurício (Antônio Lopes, presidente da Embrapa) de que a Embrapa vivia dos louros do passado, mas que me preocupava o futuro. Ao chegar aqui (no Ministério da Agricultura), não podia fazer diferente a não ser propor mudanças. Tínhamos a diretoria antiga que não concordava com as mudanças e, obviamente, tivemos de esperar a troca da diretoria. O presente não pode ser diferente em termos de investimento, porque temos uma situação econômica complicada. A Embrapa tem tempo e inteligência para pensar o futuro. No dia que voltarmos a ter orçamento para investimentos, a Embrapa vai saber aonde quer chegar e quanto isso vai custar. Toda a celeuma, com os artigos publicados, retrata o que tenho dito, só que de forma contida, dentro de casa.

Parece haver uma crise maior na Embrapa, que não produz como antes. A reclamação dos pesquisadores é que, antigamente, a Embrapa os norteava e, agora, cada um faz o que quer.

O que os pesquisadores reclamaram para mim é que a burocracia é tão grande que até parece que fazer pesquisa atrapalha essa burocracia. Isso demonstra que tem um engessamento, sim. Quando o produtor olha para a Embrapa de hoje, sente falta da do passado, porque lá atrás ele foi beneficiado. Deveríamos ter a Embrapa como ponto de alta tecnologia, para competir com as grandes empresas. É o desejo, mas não temos condição para isso. Uma alternativa é a criação da EmbrapaTec, um braço comercial e mais ágil para a gente fugir um pouco das questões.

Assim como outras pastas, o orçamento da Embrapa caiu...

Não tem dinheiro. Veja a situação do País.

Isso não prejudica a Embrapa, com cortes?

Vamos cortar cargos, reduzir unidades. Esperamos reduzir em até 50% esses valores. Tem de cortar na carne, não tem jeito. Tenho um plano: o empreendimento onde é a Ceagesp, em São Paulo, vai mudar de lugar. É uma área que vale até R$ 6 bilhões. A intenção é fazer um empreendimento de tecnologia e, dentro do governo, tenho conversado que, se essa coisa andar, esse patrimônio que é da União serviria para um fundo imobiliário, cujos recursos com aluguéis e ganhos poderiam ser direcionados à Embrapa. / G.P.

OESP, 21/01/2018, Economia, p. B4

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,embrapa-enfrenta-sua-maio…

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