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Em São Gabriel da Cachoeira, pela 1ª vez, índio vota em índio

Valor Econômico, Política, p. A10
23 de Out de 2008

Em São Gabriel da Cachoeira, pela 1ª vez, índio vota em índio

Daniela Chiaretti
De São Paulo

São Gabriel da Cachoeira, o terceiro maior município do País, é um lugar remoto no extremo Norte do Estado do Amazonas. São 109 mil quilômetros quadrados onde vivem bem espalhadas 700 comunidades indígenas de 23 etnias diferentes. O município mais indígena do Brasil elegeu no primeiro turno um prefeito e um vice índios - Pedro Garcia, do PT, é tariana e seu vice, André Baniwa, do PV, pertence aos baniwa. O principal desafio de ambos, que vão comandar um território onde vivem 45 mil habitantes, não está apenas em melhorar o sistema de Saúde, em dar sentido à Educação ou na demanda por saneamento. Está em descobrir, no espaço dos "brancos", um jeito de fazer política sem decepcionar o eleitorado.
Pedro Garcia, 47 anos, é o quarto índio que chega a prefeito no Brasil. Mas esta é a primeira vez que se elegem titular e vice indígenas. "Durante a campanha me recomendaram que eu fosse sincero. Se não tiver coisas para dizer, é pra dizer que não tem", resume André Baniwa, 37 anos, que esteve em São Paulo na semana passada, em um seminário sobre as conexões sustentáveis entre a maior metrópole do País e a Amazônia.
André, tal como Pedro, esteve à frente de organizações indígenas que lideraram o processo de diálogo com as autoridades brasileiras para a demarcação de terras. "Passei os últimos oito anos procurando entender o que é partido", diz ele. "Não ganharíamos a eleição se não estivéssemos todos juntos."
São Gabriel vive da roça e do pescado, tem a política tradicionalmente dominada por comerciantes que trazem mercadorias de Manaus e as vendem aos dois mil militares que estão na região. É área estratégica, de fronteira. A tradição da missão salesiana, que marcou a história do município, acabou se enfraquecendo com a chegada do Exército. O jogo de poder mudou e novas nuances surgiram no universo religioso. Hoje há forte presença de grupos evangélicos. "A sede do município é grande e cheia de problemas", diz André. "Não tem esgoto nem água limpa. O que é estranho, não é, com toda a água do rio Negro ali perto."
O futuro vice-prefeito imagina que irá ajudar a administrar uma Prefeitura com orçamento de R$ 30 milhões ao ano. "Na Saúde precisamos fazer parcerias fortes para prevenir as doenças", diz. Por ali tem tuberculose e malária, as verminoses são recorrentes e morre-se de picadas de cobra. Na Educação, André sonha com um caminho mais original. Ele ajudou a criar a Escola Municipal Baniwa Kuripaco Pamáali, com 120 alunos e professores indígenas. Nas salas de aula estudam-se cinco línguas: baniwa, ingatu, espanhol, português e kuripaco. "Estamos na fase de transição de uma metodologia para outra", explica. "Havia uma desistência muito grande na escola tradicional. Agora, tem mais de 80 escolas no município querendo adotar esta nova metodologia."
"É natural que os índios tenham percebido que precisavam ganhar a eleição para a Prefeitura para controlar a parte prioritária dos recursos públicos", diz o antropólogo Beto Ricardo, coordenador do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, o ISA. Tentaram em 2004, mas as etnias racharam, não conseguiram uma aliança entre os vários grupos e perderam por pouco mais de 200 votos. Incorporaram a lição, construíram uma coalizão entre PT, PV, PP, PSB, PPS e PDT e derrubaram a crença que "índio não vota em índio". "Os não-índios também votaram neles. Até comerciantes apoiaram a campanha, deram combustível", diz o antropólogo. A dupla venceu com 6.366 votos, 51 % do total.

Valor Econômico, 23/10/2008, Política, p. A10

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