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Em respeito à natureza

Veja, Ambiente, p. 82-87
07 de Set de 2016

Em respeito à natureza
Como a agricultura sintrópica, método desenvolvido no Brasil por um suíço e que procura seguir o ritmo natural dos ecossistemas, pode ser uma alternativa sustentável para a produção global de alimentos

Talissa Monteiro

"Estou dizendo que tanto o orgânico quanto o convencional extraem mais do que deixam na natureza, e aí o custo fica alto para o ecossistema e para o produtor. Quem sabe a agricultura sintrópica seja um caminho melhor." O discurso pode parecer o de um ambientalista no pleno exercício de sua militância contra as agressões ao planeta, mas foi dito no universo da ficção, na voz de um personagem de novela. Em Velho Chico, o atual folhetim das 9 da noite da Rede Globo, o jovem Miguel, filho do casal protagonista, tenta convencer seu avô conservador, o Coronel Saruê, e pequenos agricultores de Grotas (cidade imaginária à beira do Rio São Francisco) a adotar a sintropia. Na trama, que não decolou no ibope do horário, o assunto, digamos, "verde" é tratado com certo ar redentor. No entanto, apesar da pregação algo idealista de Miguel, é preciso destacar que essa forma de plantio, que dispensa o uso de agrotóxicos e fertilizantes, nada tem de fictícia: é uma real (e viável) alternativa à agricultura convencional. Por quê? Porque pode preservar - ou recuperar - ecossistemas, aumentar a produção e ser uma opção sustentável em uma era em que os anseios ambientalistas têm prevalecido.
A palavra sintropia, antônimo de entropia, significa "a capacidade de organização de um sistema". Na agricultura, designa o método pelo qual se busca respeitar o ecossistema. Por exemplo, em vez de desmatar toda uma área para o plantio apenas de cacaueiros, eles são cultivados em meio a outras plantas e árvores (leia o quadro ao lado). As sementes são distribuídas de acordo com a altura final de cada árvore, simulando o que ocorre na natureza - uma copa se sobrepõe a outra. A plantação acaba por se parecer mais com uma floresta do que com um terreno dedicado à colheita. Exemplares da flora e da fauna locais - mesmo insetos potencialmente daninhos - são preservados. Para citar um caso, as formigas, que são combatidas na agricultura tradicional, adquirem no método sintrópico o papel de realizar a poda de plantas e depositar adubo. "Trata-se da tentativa de criar não as típicas plantações, mas agroecossistemas, semelhantes aos ecossistemas originais de onde se dá a colheita", resumiu, em entrevista a VEJA, o fazendeiro suíço Ernst Gotsch, criador da agricultura sintrópica.
Os primeiros testes do método foram realizados no Brasil entre os anos 80 e 90. Autodidata, Gotsch cresceu em áreas rurais da Suíça. Na Europa, já tentava semear diversas espécies em uma mesma área, como alternativa a monocultura. Em 1984, mudou-se para Pirai do Norte, no sul da Bahia, onde adquiriu 500 hectares de terreno desgastado. Lá, foi desafiado por um amigo a cultivar cacau. Resolveu, então, aplicar sua ideia da sintropia. O primeiro obstáculo foi recuperar o solo. Plantou diversas sementes, começando pelas de plantas rasteiras, como a alface; depois, cultivou outras maiores, como a mandioca e o cacau.

Veja, 07/09/2016, Ambiente, p. 82-87

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