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Em obras

Brasil Sustentável, jun - jul, p. 16-24
31 de Jul de 2008

Em obras
Uma nova geração de obras de desenvolvimento econômico na Amazônia desperta ansiedades e perguntas sobre o controverso Plano Amazônia Sustentável

Reportagem Gustavo Faleiros

Floresta tropical mais extensa do mundo, a Amazônia abriga a maior quantidade de espécies e o maior drama estratégico do planeta: conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental. Para orientar o investimento de 50 bilhões de reais em obras de infra-estrutura e deslanchar um novo ciclo de crescimento na região, o governo criou o Plano Amazônia Sustentável (PAS ), mas, ao mesmo tempo, retirou-o da alçada do Ministério do Meio Ambiente, induzindo a demissão da ministra Marina Silva. O impacto dessa decisão sugere que a discussão sobre o futuro das florestas não está circunspecta à política nacional.
Em tempos de aquecimento global e de redução do estoque dos recursos naturais, a pressão pela conservação do bioma torna-se cada dia mais forte. Mas a própria dinâmica do crescimento da economia requer, cada vez mais, a utilização dos recursos e o aproveitamento do potencial inexplorado da Amazônia. Prova disso é que 34 dos 50 bilhões de reais que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) pretende investir na Região Norte irão para projetos de geração de energia elétrica.
Dos 25 mil megawatts planejados para entrar no Sistema Interligado Nacional até 2010, 50% serão obtidos com o barramento de rios amazônicos.
O lançamento do PAS frustrou as expectativas de muitos dos que lutam por alternativas sustentáveis para o desenvolvimento da Amazônia. Em entrevista coletiva, três dias após a sua saída do cargo, a ministra Marina Silva afirmou que pedira demissão porque há "uma estagnação nas políticas de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, neste governo". Dias antes, o governo lançara o Plano Amazônia Sustentável, indicando o ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, como seu coordenador. Cabe, agora, a Unger e ao novo ministro do Meio Ambiente, o deputado Carlos Minc, administrar o ceticismo dos ambientalistas.
Ao contrário do PAC, o PAS foi lançado sem previsão de recurso financeiro. "São só diretrizes", diz o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, que pediu demissão com Marina Silva. A coordenadora de Direito socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA ), Adriana Ramos, lembra que o PAS começou a ser discutido há quatro anos, por governos estaduais, governo federal e ongs. No entanto, pouco antes de ser lançado, passou a ser definido em petit comité, em Brasília, e o resultado, na sua avaliação, é a ausência de ações concretas. "É pura literatura, e, o que é pior, literatura ruim", diz. Apresentado como complemento ao desenvolvimento das obras de infra-estrutura, o PAS teria uma função acessória. "Estão tentando passar um verniz de sustentabilidade no PAC", afirma Adriana.
Direção consistente
Para o ministro coordenador do PAS , as críticas não passam de suposições, e o plano tem, sim, consistência.
Durante audiência na Câmara dos Deputados, no último dia 22 de maio, o ministro Mangabeira Unger explicou que buscará pactuar com os nove governadores da Amazônia medidas capazes de promover o desenvolvimento sustentável, agrupadas em quatro eixos. São eles: (1) a regularização fundiária e o zoneamento ecológico-econômico da região; (2) a melhoria da situação das populações extrativistas, dos pequenos agricultores e dos assentados pela reforma agrária; (3) um programa de incentivos industriais aos empreendimentos agropecuários e que usam insumos da floresta; e (4) a formação de recursos humanos por meio de investimentos em universidades e a intensificação das pesquisas sobre biodiversidade.
O PAS , segundo o ministro, dispõe de princípios e ações capazes de aliviar a região amazônica da tensão constante entre os interesses econômicos e a necessidade de conservação. "Minha tese central é que a causa da Amazônia, no Brasil dos nossos dias, é capaz de comover, esclarecer e orientar a Nação", diz Mangabeira Unger.
Na sua visão, o zoneamento ecológico-econômico é fundamental para a resolução dos problemas fundiários da região. Ordenar quais são os territórios que podem ser explorados e quais são aqueles que devem ser conservados é o caminho para superar a economia baseada na invasão de terras devolutas e na exploração ilegal de recursos, como madeira, solo e água. Atualmente, 60% das terras na Amazônia pertencem ao poder público, sem que se saiba precisamente o quanto disso já foi grilado ou tomado por posseiros. "Zoneamento Ecológico-Econômico não é cartografia, é expressão de visão econômica", afirma o ministro de Assuntos Estratégicos.
A questão é importante sobretudo para garantir a sustentabilidade das obras de infra-estrutura do PAC (veja o mapa dos principais empreendimentos na próxima página). A história dos últimos 50 anos indica que os investimentos na construção de rodovias, de ferrovias e de hidrelétricas são indutores do desmatamento.
Um estudo do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), em parceria com o Woods Hole Research Center, demonstra, a partir do exemplo da Belém-Brasília (BR-153), que a pavimentação eleva exponencialmente as taxas de devastação em uma faixa de 50 km às margens de uma estrada, na Amazônia.
O pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), argumenta que o governo deve usar o zoneamento de forma preventiva, definindo os territórios destinados à conservação, para evitar a especulação com terras griladas. Barreto é autor do estudo Quem é Dono da Amazônia, que aborda a difícil tarefa de resolver o problema fundiário na região - meta para sucessivos governos e várias gerações. Desde 1999, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já realizou quatro chamadas para o cadastramento de propriedades na Amazônia para deter a grilagem e garantir o cumprimento da legislação ambiental, em particular do Código Florestal. Nenhuma funcionou.
"Dá para notar que cada governo vai empurrando o problema com a barriga", critica Barreto.
Campeões do desmate
A última tentativa de resolução das questões fundiárias e ambientais começou há poucos meses. Em janeiro, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicou uma tendência de alta no desmatamento na Amazônia, o governo federal tomou várias medidas para regularizar propriedades. A mais polêmica foi a restrição do crédito agropecuário aos empreendedores que não estão em dia com a legislação ambiental, em 527 municípios campeões de desmatamento, inclusive cidades agrárias do cerrado matogrossense, como Diamantino, a mil quilômetros do bioma amazônico.
Tais resoluções causaram reação contrária dos governadores da Amazônia, em especial do governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, para quem o governo "está criminalizando os agricultores e impingindo um embargo econômico sobre o País". Um dos primeiros atos do ministro Carlos Minc foi revogar as restrições em 100 dos 527 municípios.
Mesmo assim, o aperto da fiscalização, diante da previsível escalada de desmatamento gerada pela expansão da economia, incomoda os produtores. "Por que um produtor na Amazônia que ainda preserva boa parte de sua propriedade tem de provar sua legalidade, se produtores no Paraná e Santa Catarina podem ter crédito em áreas onde já desmataram tudo?", argumenta Assuero Veronez, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA ). Segundo ele, o setor agrícola está sendo "acuado" na Amazônia, e as propostas de aliar crescimento econômico e proteção ao meio ambiente não estão caminhando juntas.
"O PAS é genérico, vago e sem medidas concretas.
É um Plano de Alegorias e Sonhos", alfineta.
Planejar nada tem de vago, considera Mangabeira Unger. Entre as propostas concretas do PAS - que conta com a promessa de R$ 1 bilhão em recursos feita pelo presidente Lula -, o ministro aponta a promoção de uma reforma fiscal que incentive atividades econômicas de valor agregado na floresta, tais como o uso industrial de produtos madeireiros e o processamento de commodities agropecuárias e minerais. Além disso, o PAS tem como meta ajudar no estabelecimento de centros de excelência em pesquisa da biodiversidade, como o Centro de Biotecnologia do Amazonas, em Manaus, criado em 2002 e mantido em hibernação. Nesse ponto, diversos cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa) e das universidades podem oferecer apoio às idéias de Unger.
A Academia Brasileira de Ciências está finalizando um documento que será entregue ao presidente Lula com propostas de incentivo à pesquisa na floresta.
Cautela e critério
O setor produtivo entende que medidas de incentivo à pesquisa e à produção sustentável são bem-vindas, mas, além de recursos, precisam de cautela e de critérios. Segundo Beatriz Bulhões, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a Amazônia exige qualidade de investimento aliada à preservação dos serviços ambientais. Falta investimento para garantir a sustentabilidade da região, e os recursos que existem e os que virão devem ser direcionados segundo critérios claros e com mecanismos de acompanhamento pela sociedade. "Com todo o mundo de olho nos recursos da Amazônia, é claro que há interesse em investir." diz Beatriz. O País precisa de investimento para manter a floresta em pé, investimento material e humano em fiscalização rigorosa e em infra-estrutura para unidades de conservação. Mas isso pressupõe orçamento e capacidade de coordenação do poder público, além de estímulo para a pesquisa e a produção sustentável. "Acho que há muita gente pensando a longo prazo e vendo esse fator como fundamental para a sobrevivência dos negócios", afirma a diretora do CEBDS. "Separar o jôio do trigo significa fortalecer a população local para usar os bens da floresta conservando os serviços ambientais, o que não é a mesma coisa que permitir compra indiscriminada de terra, biopirataria, desmatamento e degradação."
Caio Magri, representante do Instituto Ethos no Fórum Amazônia Sustentável, que reúne as maiores empresas e organizações não-governamentais do País, considera que o segmento empresarial aprovará iniciativas como o zoneamento ecológico-econômico e a taxação de atividades prejudiciais ao meio ambiente. No entanto, acha que o governo já tem ferramentas suficientes para promover a sustentabilidade, principalmente por meio de seus agentes econômicos, como o BNDES e o Banco da Amazônia. "A agenda da Amazônia é conhecida, e o governo tem instrumentos antigos nas mãos. Planos mirabolantes podem ser cortina de fumaça", alerta.
O deputado federal do Partido Verde José Sarney Filho, ex-ministro do Meio Ambiente, também critica as linhas gerais do PAS , tal como apresentadas pelo ministro Mangabeira Unger. Para ele, a Amazônia, mais uma vez, está sendo tratada como uma fronteira econômica a ser explorada. "A diferença, agora, é que se fala em explorar 'com cuidado', com 'sustentabilidade'; é um novo olhar, com velhas idéias", afirma. Segundo o deputado, a urgência dos problemas ambientais, em particular o tema das mudanças climáticas, impõe a obrigação maior de se conservar a floresta intacta. "O que temos de valorizar na Amazônia são os serviços ambientais que ela presta a todos nós, não só ao Brasil, mas ao mundo".

Plano Amazônia Sustentável

Principais Ações:
Resolver o problema fundiário da Amazônia e promover seu Zoneamento Ecológico-Econômico.
Melhorar a situação dos assentamentos da reforma agrária e das populações dependentes do extrativismo.
Criar incentivos para o desenvolvimento de uma indústria eficiente para bens agropecuários e produtos da floresta.
Investir na formação de recursos humanos nas universidades regionais e ampliar as pesquisas com a biodiversidade.

Brasil Sustentável, jun - jul, p. 16-24

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