Valor Econômico - https://valor.globo.com/
19 de Jul de 2024
Em mapeamento inédito, Censo do IBGE contabiliza 8.441 localidades quilombolas no país
Maioria das residências com pelo menos um morador quilombola no país tinha pouco ou nenhum tipo de tratamento de esgoto;
Alessandra Saraiva
19/07/2024
O Brasil contava com 8.441 localidades quilombolas em 2022. O número é muito acima dos cerca de 467 territórios quilombolas oficialmente delimitados por Unidades da Federação no país. É o que revelou nesta sexta-feira (19) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O dado de localidades quilombolas, do IBGE, foi elaborado a partir de mapeamento inédito feito pelo próprio instituto sobre o povo quilombola do país a partir do Censo Demográfico. O resultado consta na pesquisa "Censo Demográfico 2022 Quilombolas: Alfabetização e características dos domicílios, segundo recortes territoriais específicos - Resultados do universo e Localidades Quilombolas".
Foram consideradas localidades quilombolas em lugares do território nacional onde existe aglomerado permanente de habitantes quilombolas ou relacionados à comunidade quilombola e que contam com, no mínimo, 15 pessoas declaradas quilombolas cujos domicílios estão a, no máximo, 200 metros de distância uns dos outros.
Fernando Damasco, pesquisador do IBGE, lembrou que o Censo de 2022 é o primeiro a realizar algum tipo de mapeamento censitário dos quilombolas no país. O IBGE anunciou os primeiros resultados do Censo, relacionados aos quilombos, em julho do ano passado (Censo 2022 - Quilombolas: Primeiros Resultados). Na ocasião, o instituto informou ter contabilizado 1,327 milhão de pessoas quilombolas.
Mas, no caso de contabilizar efetivamente as localidades quilombolas via Censo, o instituto optou por abordagem diferente, na ocasião. Como as informações coletadas na pesquisa em campo para o Censo ainda estavam sendo tratadas por pesquisadores do IBGE, o instituto optou por, na época, mapear todos os quilombos que passaram por algum tipo de processo de regularização territorial quilombola. O mapeamento foi feito por meio de pesquisas em outras bases de dados.
O número encontrado, na época, e divulgado em julho de 2023, foi de 494 territórios quilombolas, um pouco acima do estudo veiculado hoje (467, que são aqueles que são reconhecidos oficialmente apenas por Unidades da Federação).
"Mas já sabíamos que havia um número maior [de quilombos]" disse Damasco. O técnico explicou que os pesquisadores do IBGE já intuíam, por meio de levantamentos e estudos já veiculados sobre o tema, existência no país de quantidade considerável de quilombos - que ainda não contam com algum tipo de reconhecimento oficial por parte da União ou de outro gestor público. Encontrar e mapear essas localidades foi uma das missões do Censo 2022, afirmou o especialista.
No estudo veiculado hoje, o IBGE também definiu o conceito de comunidade quilombola. São aglomerações de pessoas, declaradas quilombolas, com mesma declaração de comunidade. Esse pertencimento está relacionado a questões étnicas, históricas e sociais, de modo que a mesma comunidade pode ser composta por mais de uma localidade, conforme a necessidade de dispersão espacial e as formas de organização locais e regionais de cada grupo.
Assim, quilombolas da mesma comunidade poderiam estar localizados em diferentes situações territoriais, em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora de territórios quilombolas oficialmente delimitados, explicou Damasco.
Portanto, de acordo com os pesquisadores do IBGE, as 8.441 localidades contabilizadas pelo instituto estavam associadas a um número de 7.666 comunidades declaradas pelos informantes da pesquisa.
"Uma mesma comunidade pode ter registros de localidades diferentes" disse, a citar o exemplo do quilombo Palmeira dos Negros, o qual o IBGE encontrou integrantes em localidades diversas. "A comunidade, o conceito de comunidade não é uma referência cristalizada no espaço. É um vínculo comunitário histórico", afirmou ele. "Existe um vínculo étnico e comunitário que extrapola o vínculo territorial", resumiu.
Damasco fez questão de ressaltar que o trabalho do IBGE em definir localidade e comunidade foi feito com a ajuda de conversas com representantes e líderes quilombolas.
"Inauguramos um novo momento em todas as pesquisas relacionadas a comunidades quilombolas, que agora podem trabalhar em um nível de detalhe onde elas se concentram" disse. "Já tínhamos divulgado dado populacional, que oferecia mapeamento por municípios. Mas, agora, divulgamos áreas onde de fato tem essa concentração de população", afirmou.
Tratamento de esgoto
A maioria das residências com pelo menos um morador quilombola no país tinha pouco ou nenhum tipo de tratamento de esgoto. Quase 800 mil quilombolas (765.617 ou 57,67% do total) usavam fossa rudimentar ou buraco, como esgotamento sanitário do domicílio.
Apenas 29,46% das residências com pelo menos um morador quilombola tinha destinação de esgoto para rede geral ou fossa séptica ou fossa filtro. A média nacional para esse dado é de 75,74%, informou ainda o instituto. "Somente cerca de 30% quilombolas estão em grupo de mais adequabilidade no quesito de esgoto", resumiu Marta de Oliveira Antunes, pesquisadora do instituto.
De maneira geral, a precariedade de acesso a serviços básicos de saneamento é preponderante entre os quilombolas, reconheceu ela. Antunes comentou que 357.068 domicílios particulares permanentes, onde residem 1.047.779 quilombolas (78,93% do total), convivem com ao menos uma precariedade em termos de saneamento básico. Esse percentual, para essa mesma categoria, na média nacional é bem mais baixo, de 27,28%, continuou ela.
No estudo, os pesquisadores do IBGE mostram que um terço (34,37%) dos domicílios particulares permanentes com um morador quilombola ainda dependem de recursos hídricos locais como principal forma de abastecimento de água. Isso seria poço profundo ou artesiano, poço raso, freático ou cacimba, fonte, nascente ou mina, rios açudes, lagos e igarapés
.
Além disso, no total da população quilombola, 53,99% dos moradores utilizavam a "rede geral de distribuição" como método principal de abastecimento de água. Mas 20,51% ainda utilizavam "Poço profundo ou artesiano", enquanto 8,67% usavam "Poço raso, freático ou cacimba". No caso da população total residente no Brasil, as proporções de uso para essas mesmas categorias eram de 82,9%, 9,0% e 3,2%, para essas três formas de abastecimento.
O IBGE apurou ainda, dentre os 467 territórios quilombolas oficialmente delimitados por Unidades da Federação, 75,95% tinham fossa rudimentar, buraco, vala, rio, lago córrego ou mar ou outra forma de destino de esgoto; ou tinham maior predominância de domicílios com pelo menos uma pessoa quilombola sem banheiro nem sanitário.
Também em quase metade dos domicílios, com pelo menos um morador quilombola (193.437 em um universo de 474.747), se queima lixo na propriedade, sem nenhum outro tipo de tratamento de resíduos.
Damasco observou que, em seu entendimento, os dados sinalizam que as ações públicas para oferecer acesso a saneamento a todos no país não se refletiram de forma ampla na infraestrutura oferecida à população quilombola brasileira. Para o técnico, as informações do instituto sobre o tema, veiculadas no estudo serão relevantes no sentido de prover dados para estratégias de política pública que possam ajudar a solucionar esse problema.
Oliveira e Damasco explicaram, no entanto, ser preciso esperar recorte do Censo de população em áreas rural e urbana, ainda não divulgado, para mensurar exatamente o alcance do problema. Isso porque algumas áreas rurais não têm conexão com rede geral de água e usam costumeiramente poços como principal forma de abastecimento. O recorte de população rural e urbana do país deve ser veiculado pelo IBGE no fim do ano, segundo Antunes.
Mesmo assim, os dois são unânimes em admitir um ponto. Mesmo sem recorte pronto de áreas urbana e rural no país, os dados coletados e tratados até momento sinalizam disparidade entre fornecimento de serviços de saneamento básico aos quilombolas ante o encontrado na média nacional do país.
Buraco em domicílio sem banheiro
Quase 10% dos quilombolas tinham apenas um sanitário ou buraco para dejeções em domicílios sem banheiro no país.
No estudo, 9,75% dos quilombolas no país, ou 129.364 pessoas, estavam em domicílios sem banheiro, apenas com sanitário ou buraco para dejeções, detalhou o IBGE. Além disso, 53.787 não tinham nem banheiro nem sanitário, ou 4,05% do total.
Além disso, entre moradores quilombolas em territórios oficialmente delimitados, 24,77% (ou 41.493 pessoas quilombolas) não tinham banheiro de uso exclusivo do domicílio: 5,54% (9.281) possuíam "Apenas banheiro de uso comum a mais de um domicílio"; 12,99% (21.765) tinham "Apenas sanitário ou buraco para dejeções, inclusive os localizados no terreno"; e 6,24% (10.447) "Não tinham banheiro ou sanitário".
Os números também não são favoráveis para o total da população quilombola (que vivem dentro e fora de territórios quilombolas). Nesse contingente, 17,15% (227.667) residem em domicílios que não possuem banheiro exclusivo: 3,35% (44.516) dependiam de banheiros de uso comum a mais de um domicílio, 9,75% (129.364) possuíam apenas sanitário ou buraco para dejeções e 4,05% (53.787) não tinham nem banheiro nem sanitário. Essas parcelas são maiores do que a média nacional, para essas categorias, pontuou o IBGE. Para o total da população residente no país, as proporções foram de: 2,25%, 0,50%, 1,16% e 0,59%.
Antunes lembrou que o instituto faz distinção entre residências com banheiro e residências apenas com sanitário. O IBGE classifica banheiro como área que tenha local para banho e sanitário dentro do domicílio.
A pesquisadora detalhou também que, nos 467 territórios quilombolas oficialmente delimitados por Unidades da Federação, em 88, ou 18,84% do total, a quantidade de domicílios com pelo menos uma pessoa sem banheiro de uso exclusivo é maior ou igual a 50%. Desse total, 45 deles eram no Maranhão; 28 no Pará, e 10 no Ceará.
"Na população geral, quase 100% têm banheiro de uso exclusivo na residência; mas esse porcentual é mais baixo entre os quilombolas", acrescentou Antunes. No estudo, 82,85% das residências com pelo menos um morador quilombola tinha banheiro de uso exclusivo na residência, segundo estudo do IBGE.
"Esses números [sobre acesso à banheiro] chamam atenção", admitiu Fernando Damasco, também pesquisador do instituto. Para ele, os dados evidenciam que a população quilombola tem muita dificuldade de acesso a estrutura de banheiro em seus domicílios.
No entendimento dele, o mapeamento feito pelo IBGE sobre o assunto pode ser usado como subsídio para direcionar políticas públicas com intuito de melhorar esses resultados dentro da população quilombola no país.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/07/19/em-mapeamento-indito-…
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.