Ótima, nº. 1, abr 2006, p. 6-9
Autor: VILLELA, Ocimar de Camargo
30 de Abr de 2006
Em defesa do meio ambiente
O lado pouco conhecido do Grupo André Maggi
Eduardo Gomes (da Editoria)
Ocimar de Camargo Villela
villela@grupomaggi.com.br
Zootecnista - Gerente do Departamento de Meio Ambiente do Grupo André Maggi
Milhares de funcionários diretas e indiretos garantem o cultivo de 135 mil hectares de soja, 22 mil de milho safrinha e 8 mil de algodão em seis fazendas na região de Rondonópolis, três no Chapadão do Parecis e uma em Querência, com a utilização de 193 colheitadeiras e 283 tratores; o transporte anual de 2,3 milhões de toneladas de grãos pela Hidrovia Madeira-Amazonas; exportação de 2,8 milhões de toneladas de soja, farelo e óleo de soja a cada safra; geração de energia de origem hidráulica e termelétrica; processamento de óleo de soja em Cuiabá e Itacoatiara (AM); pastoreio de importante plantei nelore; e a compra e armazenagem de commodities pelas empresas do Grupo André Maggi.
Essa intensa atividade exige medidas preventivas e planejamento para não causar ou, quando nada, apenas causar o menor impacto ambiental possível. Por isso, o grupo montou um departamento de meio ambiente, que se tornou laboratório para Mato Grosso e em especial para o entorno do Parque Indígena do Xingu. O titular desse braço ambiental é o zootecnista e pesquisador Ocimar de Camargo Villela, que por seis anos foi titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente. Nesta entrevista, concedida em Rondonópolis, Villela faz uma ampla abordagem da atuação de seu departamento e revela o lado pouco conhecido do Grupo André Maggi: o ambiental, onde atua em parceria com o IPAM e o ISA, e pelo qual desenvolve a maior pesquisa mundial sobre fogo em floresta.
ÓTIMA Quando e por que se criou o Departamento de Meio Ambiente do Grupo André Maggi?
Villela - Começamos a desenvolver esse Departamento em 2002 com o objetivo de montar um sistema de gestão ambiental e social que pudesse atender todo o Grupo André Maggi, formado pela trade Amaggi que compra e vende soja, teia fábricas., armazéns, etc; a Maggi Energia, que tem duas hidrelétricas e uma termelétrica; a Agropecuária Maggi, que planta soja, algodão, milho, arroz e tem um pouco de pecuária; e a Hermasa Navegação da Amazônia, que faz o transporte fluvial pela Hidrovia do Madeira-Amazonas.
ÓTIMA - A criação _desse sistema é uma mea culpa ambiental do grupo?
Villela - Não sei se a gente pode falar em mea culpa. Na verdade é uma preocupação das empresas (do grupo) e temos que reconhecer que nossas atividades podem causar impacto ambiental, e os indicadores do mundo inteiro cada vez mais apontam não apenas para a questão ambiental, mas para a questão socioambiental. Hoje, quando falamos na questão ambiental; a gente está também se preocupando com a questão social e pensando no ser humano. Então, poderia ser uma mea culpa sim, e a empresa tem desenvolvido esse projeto e investido muito dinheiro na questão socioambiental do grupo, para que a cada dia nossa atividade cause menos impacto. Essa é a definição da palavra da moda, que é a sustentabilidade, que significa você poder produzir, continuar produzindo e as gerações futuras poderem produzir sem perda de produtividade, sem perder a biodiversidade :e a gente poder conservar o que tem.
ÓTIMA - O departamento também é urna forma de se preparar para acompanhar as mudanças da legislação ambiental?
Villela - Quando se monta um sistema de gestão ambiental é exatamente isso: a gente reconhece falhas. Nós tínhamos áreas de preservação permanente que precisavam ser recuperadas. Nós tínhamos áreas de reserva legal que a gente precisava adequar às novas leis ambientais, porque as leis mudam neste país e o sistema produtivo tem que dançar conforme a música.
ÓTIMA - Isso é referência à MP 2166?
Villela - Claro: Em 1998 foi editada a Medida Provisória 2166 ;que continua medida provisória, mas tem força de lei. E quando se monta sistema de gestão ambiental o primeiro ponto a se observar é a legalidade. Ou seja, você tem que fazer tudo dentro da lei, e por isso nosso primeiro passo foi rapidamente trabalhar as (Áreas de Preservação Permanentes) APPs que apresentavam problemas, trabalhar as nossas, reservas legais que precisavam ser compensadas de alguma maneira. O passo seguinte foi criar nosso plano de contingência, porque temos riscos de grandes acidentes; por exemplo: existe possibilidade de acontecer acidente com um barco e vazar óleo no rio Madeira, e para isso precisamos ter uma equipe ou brigada de emergência treinada, com equipamentos suficientes para conter o vazamento, e esse é o grande desafio, você estar atento a todas as atividades. Nós temos caminhões que transportam óleo degomado, que também exigem esse plano de contingenciamento, porque a qualquer momento pode ocorrer um acidente, e nós temos que assumir esse acidente e resolver os impactos ambientais que porventura ele possa causar.
ÓTIMA- O departamento apresenta resultados práticos?
Villela - Tem apresentado bons resultados. Tanto assim que no dia 10 de março assinamos contrato com a ABS Quality Evaluations, que a partir de julho deste ano certificará fazendas; fábricas, armazéns e portos da holding com a NBR ISSO 14.001.
ÓTIMA - O objetivo é certificar todas as unidades' do grupo?
Villela - A meta é essa, mas no primeiro momento o objetivo é a certificação das unidades diretamente ligadas aos produtos para exportação, e no segundo momento certificar as demais.
ÓTIMA - A fazenda Tanguro, em Querência,,é o grande laboratório do seu departamento?
Villela - A fazenda Tanguro foi adquirida em junho de 2002, e ela está numa região sensível, no entorno do Parque indígena do Xingu, tem uma força hídrica muito grande, porque parte dos rios que' formam o Xingu nasce naquela região, Ela é uma fazenda muito preservada, tem 82 mil hectares e foram abertos 32 mil: a Tanguro tem mais ou menos 48 mil hectares de reservas intactas; é nela que concentramos o trabalho de pesquisa do nosso sistema de gestão ambiental:
ÓTIMA - O Grupo André Maggi tem parceiros nessa pesquisa...
Villela -- Claro, mesmo porque se o grupo começara pesquisar sozinho alguém pode falar que a gente está fazendo pesquisa em causa própria. Então nós procuramos uma ONG séria e encontramos o (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) IPAM, que tem total independência lá (na fazenda) e tem feito trabalhos maravilhosos na região da Tanguro.
ÓTIMA - Como é o IPAM?
Villela - Ele é uma ONG com sede em Belém e tem uma tradição muito grande em pesquisas na Amazônia, há vários anos. Na Tanguro ele tem cerca de 25 pesquisadores desenvolvendo pesquisas sobre recuperação de áreas degradadas e para esse setor existem vários modelos com custo-beneficio maior, e modelos com custo-beneficio menor. Esses modelos servirão para a região atendendo pequenos, médios e grandes produtores, e até para que o sistema produtivo das cabeceiras do Xingu possa se utilizar dessas metodologias para ter uma recuperação mais barata.
ÓTIMA - A pesquisa com o IPAM é abrangente?
Villela - Sim, bem abrangente. Uma das atuações do grupo em parceria com o IPAM é o maior trabalho mundial sobre fogo, que é coordenado pelo grande cientista da Amazônia, Daniel Nepstad, que tem 25 anos de Brasil. Nepstad estuda a dinâmica do fogo, como ele surge e os danos que causa, como ele "anda" na mata, como acontece ano após ano. Ou seja, na prática a pesquisa queima determinadas parcelas de 50 hectares todos os anos, queima outras parcelas de igual tamanho ano sim ano não, e deixa parcelas que ficam de testemunha. Esse fogo também serve para calibrar satélites da NASA; porque a gente comunica o ponto certo desse fogo por meio de GPS, porque esse fogo em mata de transição nem sempre é captado. Esse fogo é lento, não provoca muita fumaça, mas prejudica muito. Esse trabalho também é laboratório para o grupo informar os produtores como fazer aceiro, não deixar que o fogo entre em suas propriedades, porque o fogo é um dos maiores destruidores da Floresta Amazônica, sem dúvida nenhuma.
ÓTIMA - Isso passa pela questão do seqüestro de carbono...
Villela - Sem dúvida. Nós temos dois lados nessa questão: primeiro, o que acontece com a emissão de carbono quando se está queimando. Quando nós queimamos uma mata emitimos carbono para a atmosfera, e isso nos permite testar o que está sendo emitido de carbono para a atmosfera. E segundo, ao mesmo tempo estamos estudando as matas de reservas na região (da Tanguro) para ver o que elas seqüestram de carbono, e isso vai ser muito importante no futuro para que o sistema produtivo possa converter áreas em reservas em atendimento ao Protocolo de Kioto, desde que agente comprove a existência do seqüestro.
ÓTIMA - Além das pesquisas com o IPAM o grupo tem outras ações compartilhadas?
Villela - Sim. Nós somos integrantes da campanha 'Y Ycatu Xingu liderada pelo instituto Socioambiental, o ISA, que visa recuperar as cabeceiras do rio Xingu.
ÓTIMA - Com o ISA?
Villela - Sim, o ISA tem estado com a gente também nas nossas reuniões técnicas para desenvolvimento dos trabalhos na Tanguro. Lá desenvolvemos pesquisa que atende os interesses científicos, mas o fazemos com uma' visão prática para o produtor. Os pesquisadores que estão na Tanguro têm grande visibilidade, o que facilita ao produtor identificar seus trabalhos rapidamente. O ISA se faz presente para que possamos utilizar esses trabalhos na recuperação das cabeceiras do Xingu.
ÓTIMA - O grupo compartilha com a comunidade científica os trabalhos de pesquisa?
Villela - Lógico. O Grupo André Maggi-e o primeiro a saber de tudo, mas o IPAM divulga todos os trabalhos de pesquisa, e ele não está sozinho nesse trabalho porque temos convênios com várias instituições, dentre elas a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), USP, Unesp, Universidade de Vassouras (RJ), Universidade da Flórida (EUA), Universidade de Botucatu (SP), Universidade de Yale (EUA) e vários outros parceiros no desenvolvimento dos nossos trabalhos que incluem recuperação de APP, fogo, répteis, emissões atmosférica, aves, grandes e pequenos mamíferos, solo e a dinâmica do agrotóxico.
ÓTIMA - A pesquisa sobre contaminação do solo por agrotóxico é bem oportuna...
Villela - É um trabalho bem legal e está sendo desenvolvido em parceria com a USP e a Universidade de Botucatu. É um trabalho principal. mente com análise de agrotóxico. Cada produto é analisado para ver se contamina, como contamina e quanto contamina. Existem muitas acusações no Brasil sobre contaminação de recursos hídricos por agrotóxico, e com esse trabalho veremos o que realmente está acontecendo, porque quando se acusa o agrotóxico de contaminados o acusador não cita o nome desse produto, e a pesquisa vai espelhar a realidade sobre esse tema. Tenho certeza que se por trás de cada acusação houvesse identificação do agente contaminador, o governo federal o retiraria do mercado, e ainda que não o fizesse o produtor não o utilizaria.
ÓTIMA - A acusação de contaminação por agrotóxico tem a ver com produto pirata?
Villela - Acho que não, porque o produtor rural utiliza produto liberado pelo governo, e na dosagem recomendada. Se algo estranho ocorre é porque tem alguém fazendo alguma coisa errada no exterior, j á que a maioria dos produtos que utilizamos é fabricada na Alemanha, Holanda, Inglaterra, França, Estados Unidos. Basicamente 90% dos produtos que utilizamos na agropecuária são de origem européia e americana.
ÓTIMA - O pequeno produtor tem condições de assimilar os modelos de recuperação de áreas desenvolvidos na Tanguro?
Villela - Se a gente adotar o método tradicional de recuperação de área degradada, fica inviável para o pequeno produtor, porque ele exige limpeza da área, plantio de muda nativa, adubação, manter coroamento até a espécie ficar suficientemente forte para não ser abafada pelas gramíneas braquiárias que estão no entorno; isso tem um custo alto, em tomo de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil por hectare recuperado. Aí que os diversificados experimentos do IPAM na Tanguro podem se tornar ferramentas muito importantes para o sistema produtivo, principalmente para os pequenos e médios produtores.
ÓTIMA - Existem outros programas ambientais privados desse porte e nessa área, no Brasil?
Villela - Quando fomos construir nosso sistema de gestão ambiental e social no Grupo André Maggi, procuramos exemplos, mas a nível dessa escala que atenda tanto o sistema produtivo quanto a armazenagem, a logística de transporte rodoviário e hidroviário e a indústria de esmagamento, não encontramos nada parecido no Brasil. Além disso, não conheço nenhum programa que também olhe para fora, para os fornecedores; realmente não há nada igual. Existem alguns programas pontuais de meio ambiente, mas na área de agribusiness o programa mais amplo e melhor executado, sem dúvida é o do Grupo André Maggi.
ÓTIMA - Que olhe para fora...
Villela - (Sorrindo) Nós nos preocupamos muito ambientalmente com todos os produtores que nós pré-financiamos. Quando a trade Amaggi pré-financia o produtor, ela o faz com algumas condições básicas, como, por exemplo, que ele não tenha nenhum problema com trabalho escravo ou análogo ao trabalho escravo, com trabalho infantil, com áreas indígenas, com reserva estadual ou federal. E como esse programa começou em 2002, o produtor pré-financiado não pode ter nenhum desmatamento ilegal a partir daquele ano; e sob esse prisma vamos à propriedade dele, onde fazemos um relatório ambiental que serve de base para que ele a cada ano atue cada vez melhor dentro das boas práticas agrícolas, que não plante em APP, que faça bem a tríplice lavagem, que armazene com segurança as embalagens vazias de agrotóxico, que tenha depósito seguro para o óleo diesel; e.vamos também para verificar se as construções estão seguras contra incêndios de origem elétrica etc., porque nós temos indicadores como o do Pacto do Equador, que já tem mais de 25 bancos que se alinharam a fim de cobrar investimentos socioambientais para financiar investimentos na área do agribusiness, com base em diretrizes do Banco Mundial. No Brasil, vários bancos estão alinhados a esse pacto.
ÓTIMA - As exigências ambientais são rígidas e deixam o Brasil em desvantagem competitiva no mercado internacional...
Villela - O Brasil está em desvantagem com o sistema produtivo mundial, quando visto pelo prisma ambiental. Por exemplo, a Argentina não exige área de reserva legal nem área de preservação permanente, e os Estados Unidos e a China, também não. Na verdade o Brasil é o único que tem essa exigência forte com áreas de reservas e de preservação permanente, e é uma grande exigência, porque hoje na Amazônia não se pode produzir em 80% da propriedade. Por isso, acho que o trabalho que é desenvolvido na Tanguro um dia poderá contribuir muito para o sistema produtivo que tenha reserva legal, porque ele poderá creditar carbono ou vender esse carbono no mercado e ter faturamento maior mantendo essa floresta em pé, porque precisamos dar valor à floresta; e nosso trabalho aponta sempre nessa direção.
Ótima, no. 1, abr 2006, p. 6-9
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