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Em cima do muro

FSP, Cotidiano, p. C4
03 de Mai de 2009

Em cima do muro
Associações de moradores de favelas no Rio exigem reunião com o governador para discutir a construção de muros; entidades dizem que projeto é "segregacionista"

Ítalo Nogueira
Da sucursal do Rio

Preservação ambiental, segregação e prioridade de investimento são os "tijolos" que constroem a discussão sobre os 14,6 km de extensão de muros a serem erguidos pelo governo estadual do Rio para, oficialmente, conter a expansão de favelas sobre a mata.
Associações de moradores prometem um protesto dia 6 se não forem recebidas pelo governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) para discutir o projeto, que consideram "segregacionista". Para o governo, a obra beneficia a comunidade e não cerceia o direito de ir e vir.
Alguns moradores de favelas elogiam a iniciativa por proteger do deslizamento das encostas ou para acabar com a sujeira aparente na mata. Outros se preocupam com o lixo que pode ser jogado atrás do muro, criando focos de dengue. As crianças lamentam o fim da busca de jacas na mata. "Não sou contra nem a favor. Acho que qualquer investimento na favela é bom", diz José Bezerra, 55, morador do morro Dona Marta.
O governo quer construir muros de três metros de altura em 13 favelas -12 delas em área nobre da cidade-, ao custo previsto de R$ 40 milhões (incluídas neste total as indenizações às famílias). As obras já começaram no Dona Marta (em Botafogo) e iniciam nesta semana na Rocinha (em São Conrado).
"Usar dinheiro público nesse projeto é desperdício. A favela precisa de mais projetos sociais, não de muro", diz o presidente da associação de moradores do Vidigal, José Valdir. Com o valor da obra, o Rio faria creche, hospital e dois centros de integração social na Rocinha, pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Para Sérgio Besserman, ex-presidente do IPP (Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos), o muro pode ser uma boa medida, se não for o único projeto. "Num contexto de integração da favela com a cidade, onde o foco é a retomada dos territórios e investimentos -o que tem sido feito- , não há problema com o muro."
O governo argumenta o mesmo: o muro é apenas uma parte dos investimentos nas favelas, cujo carro-chefe é o PAC, no qual Rocinha e Pavão-Pavãozinho estão incluídos. O Dona Marta recebe forte aporte do Estado. As demais favelas contam com poucos recursos.
"Queremos conter a expansão, mas, ao mesmo tempo, trazer dignidade às comunidades pobres, dando equipamentos sociais e acessibilidade", afirma Ícaro Moreno, presidente da Empresa de Obras Públicas, responsável pelo projeto.
"Muro é símbolo de "apartheid'", diz o presidente da associação de moradores da Rocinha, Antônio de Melo, o Shaolin. Ele pediu ao arquiteto Luiz Carlos Toledo uma proposta alternativa. Recebeu o desenho de uma grade com postes iluminando um anel viário anexo, para circulação de moradores. Shaolin recusou. Ele propõe só o anel viário e uma trilha ecológica. "Grade segrega."
Críticos apontam que as comunidades do projeto cresceram abaixo da média das favelas (1,2% contra 6,9% entre 1999 e 2008, de acordo com dados do IPP). O muro foi eficaz na favela da Chacrinha, zona oeste, onde conteve a expansão sobre o morro do Mato Alto. Mas moradores reclamam que não houve manutenção.

Perguntas e respostas

1 COMO SURGIU A IDEIA DO MURO?
A idéia partiu do próprio governador Sérgio Cabral Filho, alegando estatísticas de desmatamento e problemas como mortes por deslizamento de terras e tratamento do lixo

2 QUAIS SÃO OS OBJETIVOS OFICIAIS PARA A CONSTRUÇÃO?
O objetivo oficial da medida é impedir o crescimento das favelas nas matas das encostas, de vegetação de mata atlântica, do Rio

3 COMO FORAM DEFINIDOS OS LOCAIS ?
O governo afirma apenas que escolheu favelas que avançam ou podem se expandir sobre a mata de encostas. Críticos do projeto dizem que algumas das comunidades aumentaram pouco nos últimos nove anos, o que não justificaria a obra

4 O QUE SÃO, QUANDO FORAM CRIADOS E COMO FORAM DEFINIDOS OS CHAMADOS ECOLIMITES?
São os limites ("fronteira") entre a área em que casas podem ser construídas e a mata. Eles podem ser marcados de diferentes formas: arbustos, rua, prédio, cerca ou muro. Atualmente, cerca de 200 das 958 favelas do Rio têm algum tipo de limite definido

5 QUEM ESTÁ CONSTRUINDO E POR QUANTO? HOUVE LICITAÇÃO?
Apenas duas empresas se candidataram para cada uma das duas concorrências. Elas Ofereceram o preço máximo estipulado pelo governo do Estado, sem qualquer desconto

6 NÃO É MUITO DINHEIRO PARA A CONSTRUÇÃO DE 13 MUROS?
R$ 22 milhões referem-se às obras na Rocinha, Chácara do Céu e Pedra Branca, que incluem na primeira comunidade, além do muro, a construção de um Parque Ecológico, alargamento e instalação de ruas, indenização e construção de apartamentos para as 445 famílias a serem removidas. Os demais R$ 18 milhões são o custo previsto da construção dos muros em outras nove comunidades

7 O MURO VAI EVITAR O CRESCIMENTO HORIZONTAL EM DIREÇÃO A ÁREAS DE PRESERVAÇÃO?
O Estado afirma que, além do muro, faz obras "estruturantes" nas favelas (como o PAC) para "dar dignidade" e evitar o crescimento horizontal

8 ELE AJUDA NA QUESTÃO DA SEGURANÇA?
O governo não fala sobre como o muro influenciará a questão. Para especialistas, o muro pode ajudar traficantes, servindo de proteção. Mas também prejudica o acesso a esconderijos na mata A obra pode diminuir conflitos entre facções rivais, já que as "invasões" seriam dificultadas

9 ALÉM DE PROTEGER A MATA, O MURO IRÁ MELHORAR A SITUAÇÃO DOS MORADORES?
Segundo o governo, "não é só o muro que irá melhorar, mas todos os projetos que o governo vem fazendo, como o PAC

10 OUTRAS OBRAS SEMELHANTES FORAM EFICAZES?
Há casos em que sim, como na favela da Chacrinha. Onde não havia muro a favela cresceu mais. A comunidade reclama que nenhum órgão público faz manutenção

11 HÁ OUTRAS FORMAS DE CONTER O CRESCIMENTO DAS FAVELAS?
Em diversas comunidades o limite é definido por uma rua ou um equipamento social (como uma quadra). Em algumas, o marco foi respeitado

12 OS MUROS CRIAM GUETOS OU EXCLUEMOS MORADORES?
Defensores afirmam que não, pois o muro não cerceia o direito de ir e vir, mas apenas protege a mata Os críticos afirmam que a construção do muro possui um simbolismo negativo, comparado ao de Berlim

FSP, 03/05/2009, Cotidiano, p. C4

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