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Em busca de uma Rio+20 à moda da Rio-92

O Globo, Economia, p. 30
18 de Mar de 2012

Em busca de uma Rio+20 à moda da Rio-92
Propostas concretas, como PIB verde e sanções a quem descumprir acordos, são discutidas para fazer da conferência um marco

Liana Melo
liana.melo@oglobo.com.br

A menos de cem dias para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 corre o risco de ser um fiasco. Se o temor se confirmar, seu resultado será inversamente proporcional ao sucesso absoluto da Rio-92, que, mesmo tendo ocorrido há duas décadas, continua sendo apontada como a mais importante conferência ambiental da ONU.
A distância que separa os dois encontros não é só temporal. É, sobretudo, conceitual. Não se espera que saiam documentos importantes da Rio+20 - entre os dias 20 e 22 de junho no Riocentro -, apenas uma declaração política. Há 20 anos, os chefes de Estado e de governo presentes à Rio-92 assinaram três importantes documentos: a Agenda 21 e as convenções do Clima e da Biodiversidade.
- Sem dúvida estamos avançando, mas não estamos conseguindo dar um salto de qualidade no enfrentamento dos problemas ambientais do planeta - analisa Adriana Ramos, secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA), defendendo que a Rio+20 aprove algum tipo de sanção para evitar que acordos internacionais já assinados não sejam cumpridos.
A proposta, explica, é replicar as sanções que vigoram no âmbito comercial, sob a tutela da Organização Mundial do Comércio (OMC). Todos os acordos ou tratados ambientais, inclusive o Protocolo de Kioto - no qual os países signatários se comprometeram a reduzir as emissões de gases do efeito estufa em, ao menos, 5,2% em relação aos níveis de 1990 - são compromissos, não obrigações.
- Precisamos cobrar mais ousadia na Rio+20 - cutuca.
O temor de a conferência se transformar num fiasco ganhou força após o lançamento do "Rascunho Zero". A primeira versão do documento da Rio+20, lançada em janeiro, acabou virando alvo de duras críticas, pela falta de metas e objetividade. Até o evento, estão previstas mais três rodadas de negociações para aprimorar o texto final a ser apresentado. A próxima será em Nova York, nos dias 26 e 27.
- Não faz nenhum sentido continuar com essa obsessão pelo PIB. Precisamos mudar isso na Rio+20. O PIB não é um bom indicador para medir taxa de crescimento - afirma o representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) na Rio+20, Peter Poschen, explicando, que, se um país desmata para explorar minério, por exemplo, isso vai aparecer nos indicadores como um bom resultado, já que a produção de minério crescerá.
- Não se leva em consideração a degradação ambiental quando se olha apenas o PIB - acrescenta Poschen.
Nobel defende nova medida de crescimento econômico
Não é só ele quem defende a criação, na Rio+20, de um novo indicador para medir crescimento. Uma legião de economistas de grosso calibre, como Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, e Joseph Stiglitz, ganhador do Nobel, são defensores ferrenhos da criação de um PIB verde. Eles se reunirão em abril, também em Nova York, para discutir o assunto e fechar um documento para apresentar.
PIB e empregos verdes são os dois pilares sobre os quais a OIT vem tentando conquistar avanços a partir da conferência. Ainda que o Brasil não tenha metas sobre empregos verdes, Poschen admite que o país está conquistando um certo protagonismo, com a formalização de cerca de 400 mil catadores de lixo.
- A África do Sul é um dos poucos países que já se comprometeu a criar 450 mil empregos verdes até 2025 - elogia Poschen, antecipando que a OIT divulgará, no evento, um relatório atualizado sobre o potencial mundial de empregos verdes.
Entidades representativas do setor privado, como o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), também defendem um PIB e empregos verdes.
- Precisamos ter metas claras para este novo mundo - defende Marina Grossi, presidente do Cebds, comentando que a entidade vai lançar, também na Rio+20, uma versão tropicalizada do documento "Visão 2050", propondo um PIB verde.
Mas, por enquanto, só há soluções "genéricas", na opinião de Rubens Born, um dos coordenadores do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS). Reforçando o pool informal que vem se formando para evitar que a Rio+20 seja um fracasso, ele embarca amanhã para Nova York para se reunir com representantes do terceiro setor de outros países e discutir a possibilidade de fazer avanços na conferência:
- Defendemos o fortalecimento financeiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, mas não necessariamente que o Pnuma vire uma agência especializada da ONU, como querem alguns países.

Divisão de poder e engajamento de líderes mudaram
Há 20 anos, chefes de Estado e governo foram mais participativos. Hemisfério Norte dava as cartas

Catarina Alencastro
catarina.alencastro@bsb.oglobo.com.br
Eliane Oliveira
elianeo@bsb.oglobo.com.br

BRASÍLIA. Há quase 20 anos, a capital fluminense era palco da mais bem-sucedida conferência da história das Nações Unidas, a Rio-92, que reuniu 108 chefes de Estado e de governo e produziu uma série de documentos e acordos que até hoje norteiam a discussão ambiental no mundo. Foi na ocasião que o conceito de desenvolvimento sustentável se consagrou. Em junho, a mesma cidade sediará a Rio+20, conferência da ONU que pretende dar soluções para problemas como mudanças climáticas e o consumo desenfreado da população. Com o Brasil à frente das negociações, o governo da presidente Dilma Rousseff quer dar um viés econômico e social à discussão que, no passado, manteve-se essencialmente na esfera ambiental.
Os principais atores da Rio-92 e da Rio+20 veem uma enorme distância entre as duas conferências, e o que as separa não são apenas duas décadas. O ex-presidente da República e hoje senador Fernando Collor de Mello aponta que os grandes temas que serão debatidos em junho estavam presentes há 20 anos, como a preocupação com o efeito estufa e a necessidade de o mundo buscar uma matriz energética limpa. A diferença, segundo Collor, é que as mudanças climáticas não representavam a ameaça que atualmente significam e que não há, agora, o mesmo engajamento de líderes mundiais.
Collor critica a falta de ambição da ONU e do próprio governo brasileiro na agenda da conferência e diz não acreditar em resultados. Apesar disso, defende que seja incluído no documento final um compromisso de todos quanto ao "não retrocesso" dos avanços já alcançados em 1992.
- Não há grandes lideranças engajadas. Estamos às voltas para elevarmos as ambições da ONU e do governo brasileiro. Temos que alcançar o mesmo nível de ambição que teve a Rio-92.
Para a Rio+20, ainda há dúvidas sobre a participação do presidente americano, Barack Obama. O primeiro-ministro do Reino Unido, James Cameron, já avisou que mandará seu vice representá-lo.
O governo brasileiro diz que já há 80 confirmações de chefes de Estado e de governo. Na copresidência do evento, o Ministério do Meio Ambiente acredita que a conferência deste ano reunirá 120 líderes mundiais. Já confirmaram presença a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, e o premier indiano, Manmohan Singh. O governo francês também avisou que quem quer que ganhe as eleições presidenciais de abril virá.
À frente da Comissão de Finanças da Rio-92, o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero lembra que, há 20 anos, duas grandes convenções sobre mudança climática e biodiversidade ainda não haviam sido assinadas:
- Foi na conferência que se criou o conceito de desenvolvimento sustentável. Não havia essa noção da economia verde, de que era preciso começar uma transição para economia de baixo carbono, criando incentivos para alternativas energéticas. O Protocolo de Kioto foi assinado em 1997.
Outra importante diferença apontada por Ricupero é que o Brasil sairá da condição de vilão desmatador de suas florestas e assumirá uma posição mais confortável, especialmente depois de ter anunciado meta de desmatamento zero.
O secretário-executivo da Comissão Nacional da Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, afirma que uma das diferenças entre as duas conferências é a mudança no eixo de poder. Em 1992, quando o contexto internacional era o fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética, os países ricos davam as cartas sozinhos nas negociações internacionais. Hoje os emergentes ganharam escopo econômico têm protagonizado o processo.
- Há um papel dos emergentes de liderança em certas áreas, que não havia antes. Nós, os emergentes, chegamos com soluções e aportes que não tínhamos. Hoje, o país do mundo que mais investe em renováveis é a China. Enquanto isso, há alguns países do Norte sendo muito afetados por problemas que antes eram do Sul.
Os negociadores da Rio+20 tentarão amarrar no documento final o estabelecimento de metas como dobrar, até 2030, o percentual de energia renovável na matriz energética do mundo, que, em 2006, segundo a Agência Internacional de Energia era de apenas 7%. Também pode haver metas para a redução gradativa do subsídio a combustíveis fósseis e para dobrar a taxa de eficiência energética até 2030.
Como negociador-chefe do Brasil na Rio+20, o embaixador André Corrêa do Lago diz que é fundamental que se avance na mudança dos padrões de consumo e de produção, que passa pelo convencimento da sociedade civil. Daí o engajamento desse setor ser tão importante.

O Globo, 18/03/2012, Economia, p. 30

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