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Em busca de um novo líder

O Globo, Sociedade, p. 22
03 de Nov de 2017

Em busca de um novo líder
Conferência do Clima começa com pressão por metas mais ambiciosas

Renato Grandelle

RIO - Representantes de 200 países chegam na semana que vem ao Centro Mundial de Conferências de Bonn, na Alemanha, onde negociarão até o dia 17, em um salão decorado com uma canoa oceânica, como o planeta lidará com o aumento da temperatura global nos próximos anos. Após o sucesso do Acordo de Paris, onde a comunidade internacional concordou em limitar a elevação dos termômetros em até 2 graus Celsius, um dos maiores desafios da nova Conferência do Clima (COP-23) é como navegar sem os Estados Unidos. Cinco meses atrás, o presidente Donald Trump anunciou que o seu país, o segundo maior poluidor da atmosfera, deve ignorar os compromissos assumidos em 2015, no governo de Barack Obama. Agora, outras nações disputam a liderança do debate e se empenham em demonstrar como estão fazendo seu dever de casa, embora ainda evitem adotar metas mais ambiciosas reivindicadas pelos ambientalistas.
De acordo com levantamento da ONU, os compromissos divulgados pelas nações até agora devem resultar em apenas um terço da redução das emissões exigida até 2030 para atender as metas climáticas. As contribuições determinadas até agora elevarão a temperatura global em pelo menos 3 graus Celsius. Sem o empenho americano, colocar o planeta nos trilhos será uma missão ainda mais complicada.
- Um ano após o Acordo de Paris entrar em vigor, ainda nos encontramos numa situação em que não estamos fazendo o suficiente para salvar milhões de pessoas de um futuro miserável - lamentou Erik Solheim, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. - Este panorama é inaceitável. Se investirmos nas tecnologias certas, garantindo que o setor privado esteja envolvido, ainda podemos cumprir a promessa que fizemos para proteger o futuro de nossos filhos. Mas temos que começar agora.
'A CAMINHO DA CATÁSTROFE'
Mark Lutes, especialista em negociações internacionais do WWF-Brasil, lembra que os danos já causados pela elevação do nível do mar em alguns países serão um elemento de pressão por metas mais ambiciosas em Bonn.
- Ainda estamos a caminho da catástrofe - alerta o ambientalista. - Muitos países insulares do Pacífico acreditam que devemos revisar imediatamente os objetivos apresentados no Acordo de Paris. Por isso, o aumento do nível do mar e mecanismos de financiamento para o impacto das mudanças climáticas devem estar entre os assuntos mais importantes discutidos em Bonn.
A mudança da posição americana sobre o Acordo de Paris provocou alarde nas outras potências mundiais. Por pressão da Alemanha, e contrariando a vontade de Trump, o aquecimento global foi discutido na reunião do G20, em julho. No texto final do encontro, as maiores economias do mundo classificaram as mudanças climáticas como "irreversíveis" e referiram-se mais de dez vezes à necessidade de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050.
Poucos dias depois, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que realizará uma cúpula em dezembro deste ano. Na pauta, além das comemorações do segundo aniversário do Acordo de Paris, estará a busca por financiamento público e privado contra o aumento da temperatura global.
No mês passado, na abertura do Congresso do Partido Comunista da China, o presidente Xi Jinping reafirmou sua promessa de reduzir as emissões de carbono até 2030 e investir mais de US$ 300 bilhões em geração de energia renovável nos próximos três anos. Além disso, criticou indiretamente Trump: "Nenhum país pode se dar ao luxo de partir para o autoisolamento".
Professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo Netto assegura que as conferências climáticas podem sobreviver mesmo diante do afastamento da Casa Branca. E elogia a China, o país que lidera o ranking de emissões e que vem conciliando a redução das emissões de gases-estufa com o crescimento do PIB, uma estratégia importante para garantir sua competitividade no mercado global.
- O Acordo de Paris foi o primeiro esforço global aceito e ratificado por um grande número de nações interessadas em reduzir suas emissões de poluentes. Mas, desde o início, sabíamos que os números comprometidos estão muito aquém do necessário - observa Artaxo. - Seguindo as promessas feitas até agora, regiões como o Nordeste brasileiro podem sofrer um aumento da temperatura de até 4,5 graus Celsius. Por isso, é fundamental que cada país duplique ou triplique os seus comprometimentos e que implementem suas políticas o mais rápido possível, sem adiá-las para a próxima década. Esperamos que o maior legado da COP-23 seja a adoção de metas mais ambiciosas.
Paula Caballero, diretora global do Programa Climático do Instituto Mundial de Recursos (IMR), pondera que o apoio enfático dos chefes de Estado ao Acordo de Paris ainda é visto com ceticismo por cientistas.
- Queremos ver como as declarações políticas serão traduzidas em ações concretas - explica. - Os países devem atualizar rapidamente as suas metas. Muitas não são robustas. Em vez de falar simplesmente sobre corte de emissões de carbono, poderiam detalhar quais medidas podem ser tomadas para cada setor, como o desmatamento, que aumentou significativamente em diversos países, inclusive o Brasil.
A conferência de Bonn, destaca Caballero, é o momento ideal para as delegações esboçarem voos mais altos. O Acordo de Paris estimula os países a apresentar planos revisados na convenção do ano que vem (COP-24), mas apenas em 2023 esta ação se tornará obrigatória.
Um estudo divulgado ontem pelo IMR informou que mais de 55 países - que respondem juntos por mais de 60% das emissões globais - já atingiram o pico da liberação de poluentes para a atmosfera. O instituto incentiva as nações a chegarem a esta marca até 2020, no máximo. Do contrário, o combate às mudanças climáticas vai se tornar ainda mais oneroso e haverá um aumento notório de eventos extremos como secas, inundações e tempestades.
Entre os países que já atingiram o limite estão Brasil, EUA, Canadá, Austrália e boa parte da União Europeia. Mas Japão, Coreia do Sul e China, entre outros, planejam chegar ao nível máximo até 2030.
Diretor do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Osvaldo Stella acredita que a saída dos EUA do acordo global pode ser "temporária" e até acelerar as conversas em Bonn.
- Pode ser uma situação transitória, que se resolverá depois de Trump deixar a presidência - cogita. - Além disso, em outras conferências, os EUA reduziam as ambições dos temas discutidos para atender aos seus interesses. Sem a Casa Branca, pode ser que o processo avance com mais rapidez.
Para Osvaldo Stella, os países que defendem o Acordo de Paris já entenderam que o investimento em fontes de energia renováveis gera mais emprego e renda do que os combustíveis fósseis. Trump, por outro lado, condena a "guerra ao carvão".
- Não podemos interromper a construção de um documento internacional por causa do momento político de um país, por mais expressivo que ele seja - ressalta o pesquisador do Ipam, referindo-se aos EUA. - A China e a União Europeia estão ocupando o vácuo deixado pela diplomacia americana, que terá uma posição cada vez mais fragilizada nos debates ambientais.
Sem a colaboração dos EUA, porém, a discussão sobre o Fundo Verde para o Clima, criado em 2010 para transferir recursos para países em desenvolvimento, deve ser mais uma vez adiada. No ano anterior, as potências mundiais concordaram em destinar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020.
No entanto, a esnobada de Trump ao Acordo de Paris está longe da unanimidade em seu próprio país. Mais de 2.500 empresas, cidades e estados americanos criaram a coalizão "We Are Still In" ("Nós ainda estamos dentro", em tradução livre). Grandes companhias do Vale do Silício, como Apple, Facebook, Google e Microsoft, comprometeram-se, por exemplo, a só comprar eletricidade de fontes renováveis. A cidade de Nova York quer reduzir suas emissões de gases-estufa em 80% até 2050. A Califórnia estuda gerar toda a sua eletricidade a partir de fontes renováveis, como solar e eólica, até 2045.

Cidades estudam aliança contra eventos extremos
Metrópoles como NY podem apoiar ilhas do Pacífico em ações contra aumento do nível do mar

Cidades de países insulares tropicais lideradas por Fiji planejam juntar- se a metrópoles como Nova York e Malmö, na Suécia, para enfrentar o aumento do nível do mar e outras ameaças ligadas às mudanças climáticas. A aliança, que será discutida na COP- 23, está prevista em um acordo preliminar obtido pela agência Reuters.
Diretor regional da Oceania na Iclei, uma associação internacional de governos locais, Steve Gawler revela que serão estudados em Bonn entre seis e oito acordos que devem unir metrópoles de países desenvolvidos e cidades de nações que correm o risco de desaparecer com o aumento do nível do mar, que sofreu uma elevação de 20 centímetros no século passado.
- Podemos compartilhar conhecimentos em questões como barreiras costeiras, energia limpa e formas de reduzir a poluição - indica Gawler.
EMISSÕES PARAM DE CRESCER
Uma auditoria anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ( Pnuma) publicada na terça- feira mostrou que as emissões estão provavelmente muito acima do limiar para manter o aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius. Mas a liberação de poluentes mantém- se estável desde 2014 - um dos motivos principais seria a adoção de energia renovável na China e na Índia.
- Estamos em um momento decisivo onde interrompemos o aumento das emissões de dióxido de carbono. Há todos os motivos para acreditar que podemos derrubá- las, e vemos diariamente boas notícias em todo o planeta - comemorou Erik Solheim, diretor do Pnuma.
Solheim enumerou iniciativas como investimentos em preservação da floresta, carros elétricos e fontes de energia renováveis. A Austrália, por exemplo, realizou recentemente testes para o uso de energia solar em uma estrada de ferro. No Norte da China, foi lançada uma rede de metrô movida a hidrogênio.

O Globo, 03/11/2017, Sociedade, p. 22

https://oglobo.globo.com/sociedade/conferencia-do-clima-comeca-com-pres…

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