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Em Brasília, chega ao fim o maior lixão das Américas

O Globo, País, p. 8
20 de Jan de 2018

Em Brasília, maior lixão das Américas chega ao fim
A 15 quilômetros do Congresso, área passa a receber somente resíduos de obras

BRASÍLIA E SÃO PAULO - O relógio marca 2h da madrugada e os primeiros catadores começam a chegar para a rotina de trabalho. Foi assim em quase meio século de existência do Lixão da Estrutural, localizado a 15 km do Congresso Nacional, em Brasília. Ontem, o maior lixão das Américas e segundo maior do mundo fechou as portas.

As irmãs catadoras Maria Aparecida de Carvalho, a Cida, e Maria Fernandes, a Maria, aproveitaram o último dia e trouxeram as filhas e netas para conhecerem o local em que ambas trabalharam. Cida atua no lixão há 15 anos e Maria, há 24. Juntas, sustentaram seus filhos, além de alguns sobrinhos e netos. Com olhares atentos e curiosos, máquinas fotográficas em mãos, as crianças observavam o trabalho dos poucos catadores presentes.

O clima melancólico destoava da agitação dos tempos áureos. Cida conta que tinha 16 anos quando virou catadora na Estrutural. O trabalho, de 7h às 19h, lhe garantia uma renda média de R$ 2 mil por mês. Dinheiro que sustentou a família - a filha mais velha de Cida fez faculdade de Pedagogia e tornou-se diretora de uma escola particular da região.

- Eu trabalhei como doméstica, como catadora de laranja, mas não consegui me estabilizar, aí acabei vindo parar aqui. Pode não ter as condições ideais, mas é um trabalho digno. Indigno é roubar! Aqui é o melhor lugar para pobre ganhar dinheiro. Tinha muita gente que ia trabalhar com outra coisa, perdia o emprego e acabava voltando - conta, com orgulho, a catadora.

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Quando a capital federal começou a ser construída, a falta de planejamento fez com que a área passasse a receber o lixo, tanto da construção civil quanto domiciliar. Com o passar dos anos, o volume cresceu e a população em torno dele também. Surgiu a cidade Estrutural, região administrativa com as menores rendas do DF.

Diariamente, cerca de 2.700 toneladas de lixo eram despejado no local. Os trabalhadores contam que achavam de tudo: roupas, panelas, dinheiro e até fetos. O governo do DF fechou o lixão por graves questões ambientais. O local ficará isolado por oito dias e depois passará a receber apenas resíduos da construção civil. Os catadores que se associarem em cooperativas poderão continuar trabalhando em galpões do local e receberão um auxílio mensal de R$ 360.

UNIDOS PELO TRABALHO

Valdineide dos Santos Ferreira, conhecida pelos colegas como Baiana Joelma, por sua semelhança com a cantora do Pará, foi uma das primeiras catadoras e se orgulha ao dizer que é fundadora do lixão. Os mais de 40 anos de trabalho no aterro renderam a Baiana não só o sustento dos filhos, mas amigos e um amor. Foi na Estrutural que ela conheceu Deoclides Nascimento, um motorista de caminhão de lixo com quem se casou na última quinta-feira. O cenário do casamento não poderia ser outro: o lixão.

- Antes de encontrar o noivo eu já dizia que ia casar lá. O pessoal ria, não acreditava. Quando eu encontrei ele, era dia de trabalho lá no lixão, já cheguei chegando e falei: "Eita, que homem bonito". Aí eu só avisei que ia casar lá.

Deoclides achou inusitado:

- Ela falava que queria casar lá mas eu nem acreditava. Mas a gente se conheceu lá, né?

LEI NÃO ACABOU COM LIXÕES

Sancionada em agosto de 2010 sob clima de otimismo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos tinha um plano ousado: o fim dos lixões até 2014. No entanto, passados quatro anos após a meta estipulada pela lei, os lixões não só persistem no Brasil como ainda são o destino de metade dos resíduos produzidos no país, segundo pesquisa de 2017 feita pela Confederação Nacional dos Municípios.

O levantamento da CNM revela que dos 5,5 mil municípios, 1.775 ainda mantêm os lixões, infringindo a lei. Outro levantamento, da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), estima em 2.972 o total de cidades que ainda jogam seus resíduos em áreas inadequadas. (Colaborou Dimitrius Dantas)

O Globo, 20/01/2018, País, p.8

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