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Em 120 dias, quase um Ibirapuera desmatado

OESP, Metrópole, p. C4-C5
29 de Mai de 2011

Em 120 dias, quase um Ibirapuera desmatado
Morumbi é um dos mais afetados; Prefeitura prevê compensação, que nem sempre ocorre

Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli

Uma das metrópoles menos verdes do mundo, São Paulo perdeu nos primeiros quatro meses do ano 12.187 árvores. É como se quase um Ibirapuera inteiro tivesse sumido entre 1. de janeiro e 30 de abril - o parque tem 15 mil árvores - para dar lugar a prédios, conjuntos habitacionais e obras de infraestrutura. Os números fazem parte de um levantamento da Comissão do Verde e Meio Ambiente da Câmara Municipal, obtido com exclusividade pelo Estado.
Todos os cortes - que incluem também pedidos particulares e a retirada de 621 árvores mortas (5,1% do total) - foram autorizados pela Prefeitura. O governo sempre exige um replantio de mudas maior do que o número de cortes autorizados. Mas a eficácia dessa compensação ambiental é duvidosa e muitas vezes executada sem sucesso ou qualquer tipo de fiscalização.
No caso das licenças emitidas neste ano, muitas obras nem começaram. Mas, ao checar como tem sido feita a compensação de parte das 7.044 árvores cortadas com autorização do governo no primeiro trimestre do ano passado, a reportagem constatou que o replantio não ocorreu ou tem falhas graves. Em relação ao total do ano de 2010, a Prefeitura divulgou apenas um número parcial (o de novas construções), que aponta 10.693 árvores cortadas.
Pelas autorizações de 2010, é possível observar, por exemplo, como alguns dos últimos fragmentos de mata na região do Morumbi, na zona sul, estão desaparecendo para dar lugar a torres com mais de 20 andares. A impermeabilização avança sobre terrenos localizados entre o Panamby e a Vila Andrade, em um imenso matagal que ainda separava os condomínios de classe média alta das favelas do Campo Limpo. Sem a mata, que agregava espécies nativas da Mata Atlântica, como araucárias e aroeiras, essa divisão na zona sul praticamente sumiu - e o ar agradável da região também parece estar com os dias contados.
Novo bairro. Nesse miolo desmatado do Morumbi surgiu há uma década o bairro Jardim Sul, onde praticamente só existem condomínios fechados de alto padrão. Visto do alto, o bairro abriu um buraco no meio da mata. Só para um dos empreendimentos que estão sendo erguidos no bairro, na Rua Nossa Senhora do Bom Conselho, a Prefeitura autorizou em março do ano passado o corte de 337 árvores vivas, 16 mortas e o transplante de outras 50 para dentro da obra. Como contrapartida, o governo pediu preservação de 162 árvores e plantio de outras 200 no terreno. Mas nada indica que a compensação está sendo realizada, como observou a reportagem no canteiro.
Perto dali, na esquina das Ruas Alexandre Benois e Castelhano, na Vila Andrade, um novo condomínio ganhou autorização para cortar 171 árvores também em março do ano passado. A Prefeitura ainda autorizou a remoção de outras 40. Quase um ano e meio depois, as obras estão encravadas no meio da mata nativa. Segundo vizinhos, algumas árvores foram arrancadas com correntes puxadas por tratores. Logo acima do empreendimento, a Subprefeitura do Campo Limpo está reabrindo rua que estava soterrada por entulho jogado por moradores da favela ao lado e deve facilitar o acesso ao Shopping Jardim Sul.

Para entender

1. O que são os Termos de Compensação Ambiental (TCAs)?
Os TCAs são uma espécie de contrato firmado entre a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e alguma pessoa física ou empresa que precisa remover ou cortar árvores para fazer uma obra. Os termos são obrigatórios antes de qualquer tipo de manejo de vegetação.

2. Como funciona o processo de licenciamento?
A empresa apresenta um plano de manejo, dizendo quantas árvores precisam ser retiradas para execução da obra. Técnicos da secretaria vão a campo conferir a situação real e, caso necessário, fazer mudanças no plano para preservar mais árvores no local. Depois, é estabelecida uma compensação ambiental pelos exemplares perdidos.

3. Quais os tipos de compensação?
Normalmente se pede o plantio de árvores no mesmo terreno ou no entorno. Caso isso não seja possível, ela é feita em outros locais da cidade. Esse modelo, entretanto, tem recebido críticas de ambientalistas por não recompensar os bairros de onde as árvores são mais retiradas - que, por serem alvo constante do mercado imobiliário, também são os que mais precisam de áreas verdes.

Secretaria garante que fiscaliza 'árvore por árvore'

Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma que seus fiscais vão a campo conferir "árvore por árvore plantada" segundo as exigências dos Termos de Compensação Ambiental (TCAs). De acordo com a pasta, o corpo técnico já encontrou irregularidades em 6 TCAs firmados em 2011 e em 35 do ano passado.
Desde 2007, já foram arrecadados mais de R$ 1 milhão em multas por descumprimento dos acordos - o dinheiro é revertido para um fundo municipal que investe na construção de projetos ligados ao meio ambiente da cidade, como parques lineares e tecnologias ambientais inovadoras.
A secretaria também informou que aumentou o rigor nas análises dos projetos de manejo de vegetação, exigindo a implantação de calçada verde no entorno de todos os empreendimentos que firmam TCAs e aumentando para 20% a área mínima do solo que deve continuar com as características naturais de permeabilidade. A pasta também disse que criou uma Câmara de Compensação Ambiental para analisar cada caso de manejo - especialistas, entretanto, pedem mais participação civil no seu quadro.
O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) reforçou que orienta os empreendedores a seguir a orientação urbanística vigente. Além disso, a entidade considera que a própria exigência do consumidor faz com que as construtoras respeitem mais o meio ambiente e invistam na preservação das árvores. "O consumidor de apartamento também está preocupado em sustentabilidade. Hoje os espaços verdes são mais valorizados e são mais generosos dentro dos condomínios. Muitos empreendimentos reservam boa parte de seus térreos para bosques, isso é uma demanda do mercado imobiliário", disse o diretor de legislação urbana, Eduardo Della Manna.

''Até quando o verde cederá espaço para carros e prédios?''

Ricardo Cardim

Como resultado de mais de um século de urbanização desordenada, a cidade de São Paulo perdeu quase todas as suas áreas verdes dentro da malha urbana.
Observar fotos tiradas por satélite da metrópole é se deparar com escassos pontos verdes imersos em uma enorme mancha cinzenta de vários matizes.
A vegetação urbana tem a capacidade de reter até 70% das águas das chuvas nas copas das árvores - diminuindo as enchentes -, amenizar ilhas de calor, umidificar o ar nos dias secos, servir de barreira para a poluição sonora, purificar o ar que respiramos, entre outros importantes serviços ambientais para a qualidade de vida e a saúde pública.
A atual pressão construtiva sobre os terrenos particulares ainda não verticalizados, constituídos na maioria por antigos quintais, escolas e clubes, ameaça o pouco que sobrou desse verde tão necessário. Muitos possuem árvores de grande porte, pomares, e são verdadeiros "oásis" para a comunidade local, além de serem áreas permeáveis.
Cortar árvores e substituí-las por mudas ou transplantá-las em outros locais por mudanças no uso do espaço é uma solução limitada. Demora-se até as árvores ficarem adultas e o verde pode migrar de um bairro para outro e, com ele, o microclima e o bem-estar dos moradores. Bairros cobiçados pelas construtoras restringirão seu verde às vias públicas.
E existem também vegetações que não são "compensáveis". Em uma metrópole onde quase nada sobrou de sua biodiversidade original - que, diga-se de passagem, foi riquíssima -, suas árvores e vegetações nativas não são passíveis de substituição, por constituírem testemunhos vivos da genética ancestral e de nossa história.
A região do Morumbi, uma das poucas com Mata Atlântica ainda dentro da malha urbana de São Paulo, perdeu recentemente importantes remanescentes.
Bairros como o Jardim Sul e o Panamby, cobertos de floresta nativa há menos de duas décadas atrás, são hoje verdadeiros aglomerados de altas torres em condomínios fechados. E as ameaças prosseguem, como nas matas na frente do Parque Burle Marx e no Colégio Nossa Senhora do Morumbi.
Com tantas compensações, fica a pergunta: até quando o verde da metrópole cederá espaço para carros e prédios?

É ambientalista paulistano e autor do blog arvoresdesaopaulo.wordpress.com, fez um levantamento sobre as árvores centenárias de São Paulo

Mudas plantadas no Largo da Batata e na Marginal já morreram
Maioria não alcançou nem 50 cm; para especialistas, faltam fiscais e planos que considerem impactos de obras em série

Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli

Nem um ano se passou e as jabuticabeiras plantadas para compensar a retirada de 80 árvores do Largo da Batata, em Pinheiros, morreram "bebês", antes de alcançar 50 cm. A promessa da Prefeitura era dobrar a área verde do local.
"Cansei de ver gente pisando em cima das mudas, urinando no canteiro, jogando lixo. Não existe muda que resista", relata Maria Augusta Prado, de 42 anos. O replantio das mudas deve ocorrer só na segunda fase das obras, a partir do segundo semestre.
A morte de mudas usadas na compensação ambiental se repete em outras obras públicas realizadas na cidade nos últimos dois anos. O caso mais evidente ocorreu na Marginal do Tietê. Jequitibás-rosa, ipês brancos e roxos, jatobás, paus-brasil, ingás e sibipirunas plantados ao longo dos 24 quilômetros morreram durante o processo de retirada e replantio dos novos canteiros da via, no início de 2010. Parte das mudas secou antes de florescer.
A Dersa tem feito o replantio para compensar as 817 árvores retiradas das margens do rio durante a ampliação das novas pistas. Ao todo estão previstas 17 mil novas mudas ao longo do rio.
A Marginal e a Rodovia Anhanguera também perderam 1.400 árvores para a construção das novas alças de acesso entre a estrada e a região da Lapa, na zona oeste. O replantio de mudas foi feito nas margens do Tietê, perto do Cebolão, até o encontro com o Rio Pinheiros, no Jaraguá. Em casos como esse, técnicos da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente deveriam fiscalizar se as mudas plantadas realmente cresceram - a pasta conta atualmente com 28 fiscais. O número, entretanto, é considerado pequeno por especialistas.
Erro. Para o ambientalista Carlos Bocuhy, o maior erro é que a compensação para cada um dos empreendimentos é analisada de forma separada. No Morumbi, por exemplo, Bocuhy diz que o bairro sofre hoje um impacto mais forte por causa do conjunto de obras. "Aquela região é um refúgio de pássaros em extinção. O desmatamento ali deveria demandar estudo mais profundo, que considere os impactos cumulativos", diz.

Sítio vai cortar 4,8 mil pinheiros
Decoradora promete plantar eucaliptos no lugar

Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli

O maior corte de árvores autorizado neste ano não tem nada a ver com Marginal, Rodoanel ou qualquer outra mega obra do tipo. Quem recebeu a licença da Prefeitura foi uma decoradora de 61 anos, moradora nos Jardins. Ela promete, nas próximas semanas, cortar cerca de 4,8 mil pinheiros nas florestas do sul da cidade.
O corte, porém, não é para desesperar nenhum ambientalista. A decoradora é dona de um sítio em Parelheiros, no extremo sul da capital, e afirma que precisa retirar as árvores porque a floresta já é velha e grande parte dos pinheiros já está morta. "De uns anos para cá, vários já caíram e estamos com medo de que eles acabem causando algum dano mais grave", diz a senhora, que prefere não se identificar por questões de segurança.
Segundo ela, seu sítio é de propriedade da família desde a década de 1960 e é usado nos fins de semana por seus filhos e amigos. A decoradora conta que relutou bastante até decidir cortar as árvores, apesar da insistência de amigos. "Só resolvi cortar quando a situação ficou insustentável", afirma. Ela conta que o pedido foi protocolado na Prefeitura há mais de dois anos e só agora a autorização saiu.
O corte ainda não foi feito e só deve ser realizado nas próximas semanas. A compensação ambiental exigida foi a plantação de 4,8 mil eucaliptos no mesmo local dos pinheiros que serão retirados. A intenção é que ali vire uma pequena mata de reflorestamento comercial - a madeira do eucalipto é bastante usada para a produção de pasta de celulose, papel e carvão vegetal.
Já os pinheiros, por sua vez, vão acabar sendo transformados em móveis, para subsidiar o corte e o replantio. "Não é o que eu queria, mas foi a opção que tivemos", lamenta a decoradora.

Remoção sem aval não é feita, afirma Kassab

Gustavo Bonfiglioli

O prefeito Gilberto Kassab (sem partido) afirmou anteontem, no lançamento da cúpula de prefeitos de 40 cidades grandes (C-40) para discutir políticas ambientais, que remoções de árvores sem autorização da administração municipal não acontecem mais na cidade. A C-40 ocorrerá de terça a sexta-feira.
"Aquilo que parecia sem importância, como a remoção de uma única árvore, a própria imprensa fez a sociedade paulistana e brasileira ver que não é. Uma única árvore parece que não é nada, o problema é que, em uma cidade como São Paulo, em vários pontos, nós temos, quer dizer, tínhamos árvores sendo removidas (sem autorização). Hoje isso não existe mais, as condições são exemplares e a fiscalização é rigorosa."
Kassab também citou que a Prefeitura já plantou 1,5 milhão de árvores desde 2006. Somente no ano passado, foram mais de 540 mil árvores, segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
O plantio, porém, não foi suficiente para dar a São Paulo o índice mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde de 12 m² de área verde por habitante. Hoje a média paulistana é de 2,3 m². Caso cumpra a promessa de inaugurar mais 33 parques até 2012, a Prefeitura vai elevar a proporção para 4,5 m². Com área menor, Nova York (8 milhões de habitantes) tem 5 milhões de árvores. São Paulo tem, diz a Prefeitura, de 2 milhões a 2,5 milhões.

OESP, 29/05/2011, Metrópole, p. C4-C5

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110529/not_imp725264,0.php
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