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Eles estão aqui

O Povo
Autor: Eleuda de Carvalho
20 de Set de 2007

Na praça, a oca já está prontinha. Feita de palha, arame e troncos de carnaúba, conecta tradição e atualidade. E chama a atenção para o que se verá, no Memorial da Cultura Cearense e outros espaços ao ar livre do Dragão do Mar - a exposição itinerante Índios: os primeiros brasileiros, que será aberta logo mais, às sete da noite, com a presença de 12 etnias locais que vão mostrar ao vivo sua cultura e sua arte, como a dança do torém, por exemplo. Artesanato, utensílios, vestimentas, fotos, vídeo e textos compõem a mostra, que reúne a diversidade das culturas autóctones nordestinas. A curadoria da exposição é do antropólogo João Pacheco de Oliveira, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro e professor-visitante da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Tarde de terça-feira, João Pacheco, tranquilo, atende jornalistas e também os trabalhadores que pintam, ajustam, adequam o espaço onde ficavam as "Admiráveis Belezas do Ceará" - agora ocupado por outras tantas maravilhas.

A sala onde ficavam os bichos do Nino, as arcas, cadeiras de couro, almofadas de bilro, os pífanos dos Anicetos, a coleção de ferros de marcar o gado e a porta ferrada - ainda um pequeno caos que se organiza e já se vê, ordenadas, panelas de barro e quartinhas, animais talhados na madeira, puçás, arapucas, coités filigranadas, machadinhas, lanças, bordunas, cocares de fibra... No centro da sala, num retângulo coberto de areia de praia, um cruzeiro de madeira, símbolo dos jesuítas e signo do encontro das civilizações. Nada fraterno. Violento e brutal. É, diz o curador João Pacheco, a representação do período colonial, "a violência pura (dos conquistadores)e a violência simbólica da Igreja". Primeiro, acabaram com os índios (ou pensaram que). No século XIX, o índio volta como metáfora romântica: "Abstratamente, não como sujeito concreto", pondera Pacheco.

O acervo que se verá, diz João Pacheco, é "contemporâneo. Os objetos em exposição foram recolhidos nas aldeias, nos últimos dois, três anos de pesquisa". Perto da bela machadinha fulni-ô, vemos uma fotografia de índio xucuru, dos anos 80, "numa mobilização pela terra". A luta pela terra é a luta pelo reconhecimento, pela existência concreta. Os pipipãs, etnia a que pertence o escultor Adelso (que assina seus trabalhos, o que é um dado interessante - de explicitação da autoria). "Este grupo", fala Pacheco, "estava desaparecido. Alguns remanescentes viviam junto com os cambioás, também de Pernambuco. Tem tribos, tidas como extintas, que reapareceram. Os tupinambás, por exemplo. Como dizia o (Eric) Hobsbawn, as sociedades estão sempre se reinventando. A sociedade é produto da imaginação".

A exposição engloba os contextos político, histórico e cultural, reflete o curador. "A idéia surgiu em 2003. Em 2004, conseguimos aprovar o projeto através da Petrobras, para a exposição. Começamos em Recife, agora trouxemos para cá. Na exposição, você entra e sai através da história", explica. Vamos subindo a rampa, onde nichos ainda vazios vão ser ocupados por elementos da religiosidade indígena, cachimbos sagrados, vestes, maracás. Então, chega-se ao hoje: eles estão aqui, pataxós, fulni-ôs, tremembés, tuxás, tapebas, canindés, genipapos, tabajaras, potiguaras, pipipãs. Velhos, meninos, pintados de urucum ou não, enfeitados de cocares ou não. A nossa cara, a gente se reconhece. Sobre o vídeo, João Pacheco faz um certo suspense. Tem uma "função provocativa, a partir de depoimentos de três mulheres. É surpreendente". Pergunto quem são, de onde vieram. "Alagoas, Paraíba e Pernambuco... Mas a procedência importa pouco. O Brasil seria mais inteligente se recuperasse a tradição indígena. A gente não se assume indígena, as pessoas não valorizam as tradições locais", arremata ele, para quem a exposição é uma espécie de "caixa de ressonância da sociedade brasileira". A exposição Índios: os primeiros brasileiros tem patrocínio da Petrobrás, com apoio do BNB, na itinerância pelo Nordeste, e Associação Raízes da Tradição.

SERVIÇO

Índios: os primeiros brasileiros - A exposição, aberta hoje às 19h, fica em cartaz até 30 de dezembro, no Memorial da Cultura Cearense e em espaços ao ar livre do Dragão do Mar. Curadoria: Joaquim Pacheco de Oliveira. De terça a quinta, das 9h às 19h. Sextas, sábados e domingos, de 14h às 21h (acesso até 20h30). Ingressos: R$ 2 (inteira) e R$ 1 (meia). Aos domingos a visitação é gratuita. Inf.: 3488.8611 ou 3488.8621.

E-MAIS

OCA
O QUE: feira de artesanato indígena do Ceará
ONDE: praça Almirante Saldanha
QUANDO: até 30 de dezembro
HORÁRIOS: terça a quinta, de 9h às 19h;
sexta, sábado e domingo, de 14h às 21h

MOSTRA
O QUE: vídeos temáticos
ONDE: Ateliê de Arte do Dragão
QUANDO: até 30 de dezembro
HORÁRIOS: terça a quinta, de 9h às 19h;
sexta, sábado e domingo, de 14h às 21h

OFICINAS
O QUE: Narrativas; Manifestações Artísticas; Artesanato
ONDE: Ateliê de Arte e Praça Verde do Dragão
QUANDO: até 30 de dezembro
HORÁRIO: sábados e domingos, de 14h às 19h

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