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Educação profissionaliza e melhora a expectativa de vida nas aldeias indígenas

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Josafá Batista
11 de Mar de 2003

Com 117 escolas em 102 aldeias, Comissão Pró-Índio quer globalizar o povo da floresta, preparando-o para o futuro

Educação. Este será o primeiro tema a ser discutido entre o novo governo e as nações indígenas, durante a realização do Seminário Educação Escolar Indígena, que acontece de hoje até quinta-feira, dia 14, no Hotel San Marco, em Brasília.

A escolha não se deu por acaso. Um ambicioso - e pioneiro - projeto de educação dos povos indígenas vem fazendo do Acre um celeiro real de uma nova sociedade, onde diferenças étnicas não são mais empecilhos para o progresso coletivo. Escolas, livros, professores e uma poderosa estrutura, com apoio de especialistas internacionais em educação, integram o conjunto.

O esforço por um projeto de educação que sintonizasse os índios acreanos com o mundo pós-globalizado dos "brancos" vem de longa data. Dele participaram diversas entidades européias, como a WWF e a União Européia, sem sucesso por conta da falta de preparo e interesse do governo estadual. Na década de 90, com o recrudescimento do movimento ecológico mundial e a eleição de um governo sintonizado com a nova configuração social, a entidade não-governamental Comissão Pró-Índio (CPI) do Acre tentou de novo. E conseguiu.

"A CPI também conseguiu desenvolver projetos que visavam a assessoria e a implantação de escolas indígenas, fazendo também uma parceria com o governo estadual para a aprovação de seus projetos pedagógicos, reivindicando os direitos dos povos indígenas junto ao Estado acreano", explica a pedagoga Edna Pinheiro de Almeida Martins. Em conjunto com a também pedagoga Francisca Jeane Salazar de Oliveira, ela fez uma ampla pesquisa sobre o assunto para a monografia "Educação Escolar Indígena no Acre: Entre Conquistas e Desejos", apresentada ao Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Acre (Ufac).

DOUTRINAÇÃO - De acordo com a monografia, no curso são ministradas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências. Tudo com traduções bilíngües, ou seja, no idioma pátrio e no dialeto praticado por cada povo. A idéia é preservar, ao máximo, a cultura original e inserir os conhecimentos tecnológicos universais - conhecimentos, acrescente-se, que resultaram na espiral irreversível da globalização capitalista pós-moderna.

Formação de agentes de saúde e agroflorestais

Nem só de educação vive o indígena. A CPI sabe disso. Tanto sabe que também criou, no final da década, novos desdobramentos do projeto de reinserção social das nações amazônicas. Hoje há também as figuras dos agentes florestais e agentes de saúde, que, com auxílio técnico do governo do Estado e da Fundação Nacional do Índio (Funai), exercem papel preponderante em áreas básicas para o correto desenvolvimento amazônico: a saúde dos seus habitantes e a exploração racional dos recursos naturais.

Assim auxiliada, a educação surge como um poderoso suplemento, que prepara profissionais para o competitivo mercado de trabalho exterior, com uma nova proposta: fazer com que cada um mantenha sua identidade cultural original. Uma façanha, do ponto de vista científico, que só pode ser entendida do ponto de vista de uma minoria étnica que já esteve à beira da extinção.

"Não queremos apenas ensinar ciências ou geografia aos índios, mas inseri-los no processo de desenvolvimento humano, dando-lhes a chance de manter sua identidade étnica original e de crescer enquanto povo, já que, atualmente, é impossível ficar à margem do progresso sem sofrer sérias conseqüências", alerta a assessora da CPI, Malu Uchoa.

E continua: "Só não podemos nem vamos perder nossa cultura original. Pelo contrário. Todo esse esforço é exatamente para manter as tradições e costumes originais de cada etnia, integrando-os com os conhecimentos tecnológicos adquiridos pela humanidade ao longo desses séculos. É um projeto grande, pioneiro. Mas perfeitamente realizável", ressalta.

Professores com visão "multicultural"

Graças a essa iniciativa, a CPI é a única entidade no Brasil a manter sozinha um projeto de educação autônomo e validado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Cada fase do projeto recebe tratamento específico. Como a formação dos professores, por exemplo. O curso que eles recebem é composto de dois momentos: primeiro, fora da aldeia e depois dentro dela.

A formação do professor fora da aldeia se dá em Rio Branco, ocasião em que ele tem contato com pessoas de outras aldeias, com professores índios e não-índios, com local e tempo definido e tendo aulas de forma intensiva. É nesse momento que o professor adquire um conhecimento interétnico e intercultural.

"Nesse sentido, o professor índio compartilha a sua experiência na aldeia, construindo, repensando a teoria e a prática do que aprendeu, formando assim o pensamento que irá contribuir para o currículo escolar de sua comunidade através da criação de novos materiais didáticos e da prática pedagógica", explica a monografia.

Os professores são avaliados de acordo com seus avanços ou dificuldades no decorrer do curso, no processo de ensino/aprendizagem, acompanhando-se a habilidade adquirida na forma de analisar, observar e expressar por escrito e oralmente. Assim, de acordo com o desenvolvimento de cada um, é que se pode realizar um acompanhamento mais detalhado e particularizado da formação do professor.

"A avaliação não se dá só durante o curso de formação de professores índios, mas a partir de visitas anuais às aldeias envolvidas no projeto, oportunidade em que os professores índios recebem assessoria no próprio ambiente de trabalho, estabelecendo continuidade no processo de aprendizagem e da formação didático-pedagógica dos professores índios", diz o estudo.

De acordo com a CPI atualmente existem, em todo o Acre, 117 escolas, 198 professores e 3.292 alunos indígenas.

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