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Educação Huni Kuï (Kaxinawá)

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Joaquim Paulo de Lima (Maná) Kaxinawá *
13 de Abr de 2003

Esse é um texto que fala um pouco da educação tradicional do povo Huni kuï - denominado Kaxinawá - que é mantida desde quando as mães engravidam, onde concebemos, como falam os não-índios - a educação infantil - que para os Huni kuï, também é uma educação infantil, só que, com filosofia, metodologia e características do próprio Huni kuï, que não é ensinada entre quatro paredes e por uma única pessoa.

Gravidez: quando a mulher engravida, o pai e a mãe já se preocupam, como também o sogro e a sogra. No primeiro mês de gravidez, são preparados remédios da mata que são dados para a mulher gestante, em relação ao que ela e marido estejam esperando, no caso a criança eles querem ter - homem ou mulher. De acordo com a decisão do casal os pais fazem o remédio da mata durante o mês, para que a criança seja o desejo do casal.

No oitavo mês, também são preparados alguns remédios para um parto normal para que seja rápido sem muitos sofrimentos. São evitadas de comer certas carnes de caças e de peixes, que culturalmente, fazem mal para a criança que está na barriga da mãe. E quando esta os come, são feitos remédios para impedir alguns males no parto e no crescimento da criança. Essas orientações são dadas pelas famílias paterna e materna e pelas pessoas mais velhas das aldeias, que já vêm adquirindo e presenciando esses conhecimentos da ciência do parto.

Chegando a hora do parto, são mais outras preocupações das famílias de preparar outros remédios, e as parteiras tomam de conta até o final do parto. Quando a criança é identificada no que se refere ao sexo (masculino, feminino) já recebe o nome afirmativo que se esperava desde do primeiro mês de gestação - se for masculino, recebe o nome do avô paterno; se for feminino, da avó materna. Mesmo antes do nascimento, os nomes dos avós já são cobiçados. E é assim, sucessivamente, que os nossos nomes próprios são mantidas na geração cultural do povo Huni kuï.

Quando a criança nasce, são novos 'cuidados' que surgem para os avós e para os pais, de modo que a criança cresça sem problemas de saúdes física, mental e espiritual. Os avós preparam banhos e defumações a cada dia e mês que passa, até completar um ano de idade. Os banhos são: para evitar os "maus olhares" e os espíritos maus que possam prejudicar a saúde da criança durante o crescimento dela. Usa-se também o jenipapo e urucum para a inflamação de pele, causada por micro-organismos. A mãe também toma banhos de cozimentos de folhas, para aliviar a inflamação do útero e para aumenta o leite de peito.

Dietas: quando a criança nasce, o pai e a mãe não podem comer alguns tipos de alimentos até a criança completar todos os banhos e defumações, pois, se esses alimentos forem ingeridos pelos pais, podem interferir no crescimento e na saúde das crianças. O pai é aconselhado de não matar alguns tipos de caças da floresta, e mesmo até comer, até que a criança complete o ciclo de vida dela, nesse primeiro momento de sua vida em desenvolvimento, que é necessário ser mantida, acompanhando pelos velhos, que dominam esses conhecimentos técnicos da vida Huni Kuï.

A mulher também recebe as mesmas instruções de não comer certas carnes de animais e peixes bem como animais machos - logo que tire do fogo - ou filhotes de qualquer animal ou peixe que comem as frutas da mata que caem nos rios. Até com mais cuidados, porque é ela que cuida do dia a dia e amamenta a criança até a idade necessária. Se o pai e ou a mãe fizerem esses atos não permitidas, a criança adoece rapidamente, e se não for tratada com antecedência e com as ervas apropriadas, a vida da criança corre um grande perigo até a morte.

No modo tradicional de cada povo as crianças são cuidadas no poder das mães, até praticamente a idade de cinco anos. Após essa idade, as responsabilidades de ensinar serão divididas considerando-se o sexo das crianças. A criança masculina fica no poder do pai para começar a aprender os trabalhos que os homens fazem até a idade adulta, ou seja, quando se "casam". A criança feminina é a mãe mesmo que assume, desde o tempo da gestação até o dia do "casamento".

Ensino: o ensino é coletivo, além dos pais, os avós também fazem parte do 'quadro de ensino', bem como os tios e os mais velhos, quando estão em fase de festa, principalmente nas festas que se destinam para a formação desses adolescentes. A mãe, as avós e as tias são integrantes de ensinar para as meninas e tudo que é relacionado à aprendizagem dos trabalhos femininos de acordo com as idades e os parentescos distantes - dos homens e mulheres - e a preparação dos alimentos em diversos momentos (tipos de festas).

Artesanato: algodão, cerâmica, fibra de palhas e ervas - que só as mulheres podem usar - tudo isso é acompanhado de um ritual com diversas músicas para cada aprendizado desses.

Para os homens os conhecimentos do ensino masculino são de responsabilidades do pai, avôs e dos tios, no que se refere aos tratamentos pessoais, próximo e distante no que se refere aos tipos de caçadas, como ser um bom caçador e pescador, o artesanato, a construção das casas e do roçados, as ervas medicinais, as músicas para os diversos tipos de plantios que fazem nos roçados.

Com todas essas práticas de conhecimentos que são incentivados pelos pais e parentes próximos, as crianças vão aprendendo aos poucos, participando, acompanhando, ouvido e praticando, para quando eles chegarem à idade adulta já sabem o que é preciso ou necessário fazer, junto com as mães ou os pais.

Isso demonstra que o nosso ensino é coletivo, e não individual e independente, que fica na responsabilidade de uma pessoa só. E é isso que queremos para manter a nossa qualidade de ensino, que seja dessa forma com todas as nossas diversidades étnico-culturais. Com essa qualidade de ensino é que podemos manter a qualidade da nossa identidade e a organização da nossa sociedade, como povo étnico e "diferenciado". É por conta disso que hoje somos e temos orgulhos de dizer que somos diferenciados em todos os aspectos: línguas, organização social, grau de parentesco, a filosofia e as características que possuímos.

E por isso até hoje nós demonstramos a resistência da diferenciação, mantendo os nossos conhecimentos e astúcias, que outros conhecimentos impostos sobre nós não venha nos destruir, achando que o nosso conhecimento seja inferior ou inválido. Muito pelo contrário, com o conhecimento que estamos adquirindo, queremos manter e fortalecer, juntos com as novas gerações que se criam dentro do mundo da escrita.

E quero dizer ainda que, é de suma importância nós mantermos o nosso ensino coletivo, participativo e vocativo, ou seja, os conhecimentos orais que são praticados. Só assim é que deve está prosseguindo os ensinos da pré-escola até o ensino superior e mestrado, para os povos "Indígenas".

Chega! Chega de implantação de escolas e ensinos com as idéias "etnocêntricas" para o povo Huni Kuï. Se estiverem a fim de ajudar, juntem-se àqueles que já vêm fazendo e ajudem a elaborar as propostas de acordo com as realidades e necessidades dentro das especificidades de cada povo, que possivelmente estão construindo as novas formas de "projetos" de vida para o futuro.

Que as ações realizadas pelas entidades dos governantes tornem-se uma realidade - e não apenas mais um sonho - dentro das características étnicas de cada povo. "Entrem nesse barco", para nos ajudar a formalizar essas idéias e demandas que existem em cada um desses povos étnicos que foram vítimas do extermínio e de diversos tipos de colonizações (território, línguas, história e das culturas tradicionais) que aqui chegaram "clandestinamente" com as imposições dos conhecimentos deles até então, contrariando todos os saberes e conhecimentos tradicionais, construídos há milhares de anos nesse mundo que convivemos até hoje.

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