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Ecovilas dao exemplo de nao-agressao a naturaza

OESP, Geral, p.A14
27 de Jun de 2004

Ecovilas dão exemplo de não-agressão à natureza
Essas comunidades, que nada têm de hippies, buscam sustentabilidade com pouco impacto ambiental
SIMONE IWASSO
Não muito longe das regiões metropolitanas, o sonho de muita gente se torna realidade. Longe do trânsito, da poluição e do caos, os habitantes de comunidades conhecidas como ecovilas buscam o máximo de sustentabilidade com o mínimo de impacto ambiental.
Sem serem simples condomínio de casas, e distante do conceito de comunidades hippies, as ecovilas se diferenciam pelo investimento em tecnologias alternativas. Usam placas para captação de energia solar, moinhos para energia eólica, sistemas biológicos para tratamento de esgoto, armazenamento de água, biomassa e reciclagem, entre outros. O objetivo é morar e trabalhar sem agredir a natureza.
E o resultado são casas nas quais a água da chuva é filtrada e usada para preparar alimentos e tomar banho. O esgoto, tratado, serve para limpar as áreas comuns. O adubo para a plantação orgânica de frutas, legumes, verduras e grãos vem do próprio lixo - que passa por uma processo de compostagem. A madeira não recebe tratamentos com produtos tóxicos, e de preferência é da própria região.
Formadas por pessoas que trocaram o cotidiano da cidade grande por um outro modo de viver, algumas ecovilas conseguem sobreviver da economia local que geram. Os alimentos excedentes são vendidos em lojas e feiras de produtos naturais. Nos fins de semana, organizam cursos e oferecem hospedagem para visitantes. Produzem cosméticos e produtos fitoterápicos, com ervas plantadas no local. Além de editar livros sobre alimentação natural, por exemplo. Há, no entanto, comunidades em que os moradores mantêm empregos nas cidades vizinhas e voltam para casa no fim do dia.
"É uma proposta séria, não um modismo. Quem começa uma ecovila precisa participar do trabalho conjunto, que é buscar a sustentabilidade. A idéia é produzir o próprio alimento, usar inovações tecnológicas e casas com materiais ecológicos. E tudo isso em cooperativa, formada pelos moradores.
Não é fácil, mas é possível", afirma o pedagogo André Soares, um dos fundadores da ecovila de Pirenópolis, em Goiás.
Com um perfil mais rural, a ecovila reúne cerca de cem famílias, que têm como principal atividade a agricultura orgânica. Soares conheceu as ecovilas durante uma viagem pela Nova Zelândia, se interessou pelo assunto e foi um dos primeiros a falar sobre o tema no Brasil. Começou também o Instituto de Permacultura do Cerrado, que difunde técnicas de construção e planejamento com pouco impacto ambiental.
O trajeto do pedagogo é o mesmo da maioria dos fundadores das ecovilas brasileiras. Durante uma viagem pela Europa, Austrália ou Índia, conhecem as comunidades por curiosidade, se encantam com a proposta e tentam aplicá-la na região onde vivem.
Modelo importado - O movimento das ecovilas começou em 1995, quando nove comunidades - da Índia, Austrália, Escócia, Estados Unidos e Dinamarca - se reuniram. Do encontro, nasceu o conceito de ecovila. Hoje, formam a Rede Global de Ecovilas, que tem 15 mil comunidades cadastradas em vários países - 30 delas no Brasil.
"As ecovilas são a resposta concreta para os principais documentos elaborados nas conferências mundiais sobre o meio ambiente, como a Agenda 21, criada na Eco 92. Era um movimento periférico que hoje tem status de consultor da ONU para assuntos de sustentabilidade", afirma a relações internacionais da rede, a paulistana May East, de 48 anos, que mora há 12 anos na ecovila de Findhorn, na Escócia.
Localizada no nordeste da Escócia, Findhorn tem cerca de mil habitantes espalhados por um raio de 70 quilômetros. Desenvolve 40 negócios, como venda de produtos orgânicos, fábrica de painéis solares e de roupas, gravadora e padaria, nos quais trabalham cerca de 70% dos moradores.
O demais desenvolvem atividades nas cidades vizinhas - em uma delas há até uma escola criada pela ecovila, que abriga alunos da região. "Eu mesma moro lá, mas viajo muito para encontrar outras instituições públicas e não-governamentais, para as quais ministro cursos", diz May East.
No Brasil, as ecovilas são mais recentes, e estão espalhadas pelo Amazonas, Goiás, São Paulo, Rio, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná. Têm proporções menores e perfil diversificado: cada uma desenvolve suas regras e valores - umas voltadas para atuação mais social e outras para temáticas espirituais, por exemplo.
Representante da rede global no Brasil, o arquiteto Marcelo Bueno Marcondes da Silva, de 41 anos, se interessou pelo assunto em uma viagem pela Austrália. "Antes eu não era nada ecológico, até que conheci as comunidades australianas. Quando voltei, vi que era possível. Construí uma sistema de captação de água, coloquei filtros, comecei a ser mais responsável pelo meu lixo. Passei cinco anos sem colocar nada de lixo fora."
Em pouco tempo, Silva fundou o Instituto de Permacultura da Mata Atlântica em Ubatuba (litoral norte de São Paulo), que desenvolve e difunde tecnologias ecológicas. "A permacultura é uma técnica, um tipo de design de casas e comunidades que procura usar todos os recursos do terreno e do clima para construir. Por exemplo, se você tem muito sol na região, então utiliza mais energia solar. Se tem bastante vento, procura favorecer a energia eólica", explica.
Com o conhecimento e a experiência acumulados, Silva já comprou um grande terreno, em parceira com outras famílias, e está começando a construção de uma ecovila em Ubatuba. "Já fizemos uma plantação e uma cozinha. Estamos começando aos poucos. E como a gente, há muitas outras pessoas interessadas.
No último fim de semana, dei um curso sobre ecovilas para cem pessoas" , diz.
De acordo com Silva, apesar de cada uma delas seguir padrões e valores diferentes, todas percorrem um mesmo caminho: "Oferecer um conceito que possa ajudar a melhorar o planeta".

A 2 horas de SP, um refúgio espiritual
Ecovila de Porangaba recorre a conceitos milenares e prova sua viabilidade econômica
PORANGABA - O caminho é simples e rápido: seguir até o km 162 da Rodovia Castelo Branco, pegar uma estreita estrada de terra até chegar na placa que indica: Parque Visão do Futuro. De São Paulo à cidade de Porangaba, onde está o parque, leva-se cerca de duas horas. Um trajeto curto para a diferença de estilo de vida que se encontra ao atravessar os portões da ecovila.
Um cinturão de mata nativa preservado protege a área dos ruídos da estrada e dos bairros vizinhos. Atravessando a fileira de árvores, as construções aparecem. Dois chalés de madeira, onde funcionam uma padaria e uma loja.
Mais adiante, uma cozinha e uma sala de refeições com paredes de vidro.
Há as casas dos moradores, a creche, os dormitórios para visitantes, a casa da agricultura, o laboratório e a sala de meditação. Nos caminhos entre um e outro, canteiros com flores, jardins com bancos de madeira e lagos decorados com pedras e fontes de água.
Há os terrenos onde são plantados de forma orgânica os grãos, legumes, frutas e verduras que abastecem os 17 moradores e os 45 empregados do local.
Existe também a plantação de ervas e hortaliças, que servem para a produção dos produtos fitoterápicos, óleos de massagem, cremes e cosméticos. Tudo em uma área de cerca de 100 hectares.
Um açude reserva água da chuva, e cada casa tem seu próprio reservatório. Um filtro com plantas, carvão mineral e pedras trata a água. Outro filtro serve para o esgoto. Um moinho de vento e placas solares garantem a energia. O papel é reciclado. Vidro e plástico são vendidos.
O parque foi fundado há 12 anos, com ajuda financeira de uma organização não-governamental da Suécia. Atualmente, os moradores sobrevivem do que é feito no local, principalmente dos cursos oferecidos nos fins de semana:
aulas de meditação, biopsicologia e terapia ayurvédica - conhecimento milenar indiano.
A escolha dos assuntos está ligada à fundadora do parque, Susan Andrews, uma psicóloga americana, formada em Harvard, que se apaixonou pelo Brasil.
"Trabalhamos aqui com a biopsicologia, que é a integração da sabedoria milenar com as mais recentes pesquisas da medicina tradicional. Cada ecovila tem uma linha que une os moradores. E a nossa é a espiritual", diz Susan.
Na definição da psicóloga, a ecovila procura oferecer "uma base espiritual, com abordagem ecológica e a meta de mostrar a viabilidade econômica de uma comunidade rural".
No cotidiano dos moradores, está a meditação e a prática de exercícios toda manhã, antes do café comunitário. Depois, cada um cuida das suas obrigações.
A ecóloga Elisângela Vanessa da Costa Rassul, de 22 anos, morava em Moçambique e hoje é responsável pela área ecológica do parque. "Estava fazendo uma monografia sobre comunidades sustentáveis, me identifiquei com a proposta e vim morar aqui", conta.
O dia da ecóloga começa cedo, por voltas das 6 horas. A partir das 7 horas, ela faz medita, toma café e começa seu trabalho, de cuidar da sustentabilidade do local. À noite, realizam eventos de teatro e música. Nos fins de semana, se dedica aos cursos oferecidos. "Tentamos nos desenvolver em todos os aspectos. Social, ecológico, econômico e espiritual", conta.
Na análise de Susan, a ecovila está na contramão da tendência mundial de crescimento das cidades, mas também no desejo de uma aproximação maior com a natureza e a qualidade de vida, presentes em muitos moradores das grandes metrópoles.
No entanto, a ecovila não está, no momento, aberta a novos moradores. "Temos uma lista de gente que quer vir morar aqui, mas temos de crescer com cuidado, aos poucos, senão não conseguimos manter nossa sustentabilidade", diz a fundadora. (S.I.)

Conceito chega às cidades e vira tema acadêmico
Já existem "ecobairros" e uma universidade do RS estuda o assunto na pós-graduação
Nascidas no meio rural, o conceito de ecovila já começa a inspirar movimentos urbanos: são os "ecobairros" e as "ecocasas". A idéia é mais simples do que se pode imaginar. Passa pela aplicação, aos poucos, de tecnologias de uma casa sustentável em edifícios, condomínios de casas e quarteirões dentro das cidades.
Em Curitiba, no Paraná, representantes da prefeitura, de universidades, da rede global de ecovilas e da Organização das Nações Unidas (ONU) promovem encontros com urbanistas e planejadores urbanos, com o intuito de mostrar a viabilidade da proposta. A cada semestre, eles recebem a visita de especialistas de países da América Latina para discutir as aplicações dos projetos, que já começam a sair do papel.
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi criada uma ecovila urbana - um conjunto de casas que promove captação de água, usa energias renováveis e tem árvores frutíferas. O esgoto é tratado no local e transformado em um lago. Isso sem falar nos jardins que, instalados nos telhados das casas, ajudam a regular a temperatura.
"Além da preocupação ecológica, a construção das casas tem um custo mais baixo do que o normal, porque você não precisa, por exemplo, se preocupar com a instalação de canos e de redes para trazer água e levar o esgoto.
Fazemos casas com cerca de 250 metros quadrados. Cada uma custa cerca de R$ 150 mil", diz o arquiteto Otávio Urquiza, responsável pelo projeto.
Pesquisa - As comunidades sustentáveis e as construções ecológicas são pesquisadas na pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Pesquisamos as tecnologias e propomos projetos totalmente realizáveis. São princípios de construções ecológicas, que privilegiam materiais locais, a adequação ao clima e o uso racional dos recursos naturais. As ecovilas abrem perspectivas maravilhosas, são projetos muito bonitos, mas que podem ser expandidos para a cidade", explica o engenheiro Miguel Aloysio Sattler, professor da universidade federal.
De acordo com o professor, mais de 80% das cidades brasileiras não têm tratamento de esgoto, problema que poderia ser solucionado rapidamente com a adoção de filtros biológicos. Usando juncos ou plantas aguapés, carvão mineral e pedras pode-se filtrar e tratar a água. "Há experiências que mostram que a água do esgoto pode ficar tão limpa que chega a ser usada para criar peixes, que se alimentam dos nutrientes que sobram", diz.
Porém, para uma maior aplicação dessas técnicas falta ainda, segundo Sattler, a adoção do tema no currículo das escolas superiores de Engenharia Civil e Arquitetura pelo País afora. Para o professor da UFRGS, seria a oportunidade de difundir as tecnologias para profissionais que podem, no seu cotidiano, colaborar para a implantação desses novos valores - não só nas ecovilas, como também nos centros urbanos. (S.I.)

OESP, 27/06/2004, p. A14

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