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Economia do conhecimento natural

OESP, Economia, p. B2
Autor: BUAINAIN, Antônio Márcio
15 de Jul de 2008

Economia do conhecimento natural

Antonio Marcio Buainaim

A imagem do Brasil no exterior associada à desigualdade social, violência urbana, corrupção, desmatamento da Amazônia e trabalho escravo vem ganhando contornos mais positivos, tanto em reportagens de imprensa e declarações de autoridades da ONU como no reconhecimento dos progressos institucionais alcançados na última década.

O documento Brazil: the natural knowledge economy, preparado pela Demos, conceituada ONG inglesa (www.demos.co.uk), com a colaboração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, CGEE (www.cgee.org.br), divulgado em Londres no dia 8 de julho, apresenta uma visão otimista do sistema brasileiro de Ciência e Inovação (C&I) e de sua capacidade para impulsionar o desenvolvimento. Parte do projeto "Atlas de Idéias", que vem mapeando a nova geografia da C&I no mundo, o estudo destaca que o sistema brasileiro se alicerça, em grande medida, sobre a base dos recursos e ativos naturais e ambientais do País. Não se trata, como ainda pensam muitos influentes "desenvolvimentistas", de uma debilidade ou sinal de atraso. "O Brasil desafia a visão linear de que a exploração de vantagens comparativas baseadas nos recursos naturais indica um estágio de desenvolvimento imaturo, que será superado para expandir a fronteira tecnológica." No caso brasileiro, a tecnologia e a inovação explicam as vantagens adquiridas na exploração dos recursos naturais: "do óleo à energia hidrelétrica, dos biocombustíveis à agricultura, do progressivo domínio da biodiversidade à compreensão e consciência do papel da Amazônia na mudança climática global, o sistema de inovação brasileiro encontra seu melhor desempenho quando aplica a engenhosidade do seu povo à exploração dos ativos da natureza" (tradução livre).

O estudo aponta as principais forças e debilidades do sistema brasileiro de C&I. Entre as forças se destacam a estabilidade econômica e política do País; base crescente de conhecimento e de capital humano (o País é o 15o no mundo em publicação científica e o número de estudantes de mestrado e doutorado dobrou em 20 anos); bom suporte financeiro e regulatório à C&I, base para superar a ainda deficiente articulação entre setor produtivo e academia; adequação institucional e atitude de autonomia na questão da propriedade intelectual, que permite ao País desfrutar das vantagens do sistema global e ao mesmo tempo desafiar restrições associadas ao domínio do conhecimento; riqueza de capital ambiental, que vale a pena ser protegido e valorizado economicamente por meio da C&I; cultura que favorece a criatividade, adaptação, absorção de idéias e estilos de vida e facilita a colaboração científica; e a importância dos "heróis locais", como Petrobrás, Vale, Gerdau, Embraer, Embrapa, várias universidades e instituições de pesquisa, exemplos de sucesso que influenciam positivamente todo o sistema.

As debilidades apontadas não são novidades. As desigualdades sociais e regionais se refletem na C&I: a USP sozinha responde por quase um quarto das publicações científicas do País; a conhecida baixa taxa de conversão do conhecimento em inovação, que requer estímulos mais efetivos ao setor privado, particularmente nas regiões menos desenvolvidas e nas pequenas e médias empresas; sistema excessivamente voltado para dentro e fracos incentivos para atrair pesquisa e desenvolvimento das multinacionais; carga tributária elevada que coloca o Brasil em forte desvantagem em relação aos competidores diretos; os ativos ambientais que ainda representam uma restrição pela dificuldade em transformá-los em fontes sustentáveis de renda; sistema educacional deficiente em qualidade, quantidade e orientação; fracasso em atrair, reter e estimular talentos científicos e mão-de-obra qualificada.

A base para utilizar a C&I como alavanca do desenvolvimento futuro está plantada, mas os desafios não são pequenos, as alternativas não são neutras nem isentas de conflitos. Como conciliar, de imediato, opções como estimular o desenvolvimento e proteger e postergar a exploração de recursos naturais? Promover a excelência no sistema de C&I e corrigir a iniqüidade social e desigualdade regional? São opções da sociedade, necessariamente mediadas pelo sistema político institucional, que não tem sido capaz de tomar e viabilizar decisões politicamente complexas e conflitivas, optando sempre pelo caminho mais fácil da acomodação. É aí que reside a maior fragilidade para o futuro do País.

Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br

OESP, 15/07/2008, Economia, p. B2

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