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ECOnfuso

FSP, Equilíbrio, p. 6-9
24 de Jul de 2008

ECOnfuso
Excesso de informações ecológicas pode confundir e desestimular quem deseja viver de forma mais sustentável

Julliane Silveira
Da reportagem local

O motivo (salvar o planeta) é justo e a demanda, grande: reciclar o lixo, diminuir o consumo, preferir os orgânicos, usar papel reciclado, gastar menos energia elétrica e menos água, ter sempre à mão uma "ecobag" para não passar nem perto das sacolinhas plásticas.
O problema é que, como se fala tanto em sustentabilidade e aquecimento global, a quantidade de informações, muitas vezes contraditórias, confunde e cansa até o mais bem intencionado ecologicamente.
A consultora em desenvolvimento organizacional Sandra Quinteiro, 41, por exemplo, não acha fácil cumprir a sua parte. No prédio onde mora, o lixo reciclável é todo separado: papel, plástico, metal... Mas ela não sabe onde se encaixa a caixinha longa vida -e já ouviu diversas teorias sobre o assunto. Também se sentiu bem ao levar uma caneca para o trabalho, para não usar mais copos descartáveis. Até alguém comentar que a água usada para lavá-la geraria outro tipo de impacto ao ambiente.
"Existem muitas informações contraditórias porque elas envolvem dados técnicos bastante complexos. Se até entre os cientistas há controvérsias, imagine entre os leigos. O consumidor teria de ser um especialista em energia, em água etc. para entender tudo", analisa a socióloga Fátima Portilho, da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), autora do livro "Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania" (ed. Cortez).
Além de ter os dados em mãos, é preciso entender por que se deve adotar determinada ação -e saber que nem sempre uma iniciativa terá somente resultados positivos-, o que torna o engajamento ecológico ainda mais complicado. Por exemplo, ao escolher um carro a álcool porque polui menos do que o veículo a gasolina, o consumidor sustenta a produção de um combustível que pode ser responsável por desmatamento de floresta e que pode oferecer condições ruins de trabalho.
"As escolhas sempre terão elementos contraditórios e é preciso fazer ponderações, decidir o que deve ser priorizado. Minha ação vai diminuir o aquecimento global? Ou desencadear algum problema social? Ao compreender isso, percebe-se que as respostas não são "preto no branco'", diz Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.
E, mesmo com essa reflexão, ainda ficam questionamentos, pois é difícil saber como uma escolha poderia causar tamanho efeito no ambiente, quando se abordam somente termos genéricos. "Isso atrapalha porque se fala muito das conseqüência globais, mas falta o direcionamento para o que pode ser feito localmente", explica Eliane Saraiva, coordenadora do curso Técnico Ambiental do Senac de São Paulo.
De olho nesse turbilhão de informações e dúvidas, o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) criou um site de orientação para o consumo consciente (www.climaeconsumo.org.br), que pretende ligar as pequenas ações às grandes questões ecológicas. "Falta uma conexão entre os problemas ambientais e os hábitos de consumo, não é fácil ser um consumidor responsável", diz Lisa Gunn, coordenadora-executiva do Idec.
Tantas incertezas podem explicar os números de uma pesquisa do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e do Ibope, divulgada no mês passado. Apesar de todas as sugestões, a população ainda não tem uma ação ecológica relativamente simples: 67% dos brasileiros entrevistados não separam o lixo reciclável e somente 5% encaminham o lixo orgânico para a transformação em adubo.
Além de informações incompletas, outro problema que desestimula a adoção de atitudes ecológicas é a falta de opção aos hábitos poluentes. Esse é o dilema do administrador Matheus Oshikiri, 34. Ele reutiliza quase todo o lixo que produz -manda as embalagens para reciclagem, e o orgânico vira adubo para seu jardim-, não come fritura, "não sei o que o estabelecimento que fritou o meu pastel vai fazer com aquele óleo" e evita as sacolinhas plásticas.
Ainda assim, gostaria de fazer mais, como deixar de usar o carro, comprar discos de segunda mão e escolher embalagens de papel reciclado. "Quero ter a opção de ser mais sustentável. Mas o sistema de transporte de São Paulo é horrível, a malha ferroviária é insuficiente, não se estimula o comércio de produtos usados, só se fala em recicláveis, mas não em reciclados... O meu esforço tem de ser muito maior aqui do que em outros países", lamenta.

Falta de alternativa
Maria Cláudia Kohler, coordenadora do curso de pós-graduação em meio ambiente e sociedade da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e coordenadora de voluntários do Greenpeace Brasil, concorda: o assunto está em pauta, mas é difícil aderir por falta de alternativa.
"O produto orgânico é melhor, mas é mais caro. As pessoas não têm opção na questão financeira e faltam estímulo e políticas de governo. E ainda falta opção. Adoraria escolher entre energia eólica e solar, mas não há essas possibilidades em minha rede de abastecimento. Não há pasta de dente sem caixa de papelão...", diz.
Algumas escolhas convergem para ações econômicas, como a diminuição no consumo de energia elétrica, explica Fátima Portilho, da UFRRJ. Esse benefício imediato pode facilitar a adesão à mudança do hábito. Verifica-se isso na mesma pesquisa do WWF e do Ibope: 80% dos entrevistados sempre desligam lâmpadas e deixam o computador em estado de hibernação quando saem do ambiente por pouco tempo.

Isolado, mas produtivo
O psicólogo Sean White, 29, acredita que as mudanças precisam ser drásticas para causar efeito na natureza e que, apesar de estar na moda dizer que é ecologicamente sustentável, não sente um compromisso geral com a causa. "Esse monte de informação me desestimula, porque faço pequenos gestos e ainda assim me sinto culpado. Ficam na discussão se uso um copo de plástico ou de papel, mas eu preciso tomar o meu café de algum jeito", desabafa.
Essa sensação de isolamento também torna mais difícil o engajamento às ações ecológicas, segundo Fátima Portilho. "Eu faço o esforço, mas posso desanimar quando percebo que só eu ajo", diz.
E, para constar, sem querer causar confusão: a caixinha longa vida deve ir ao compartimento dos papéis. De acordo com a Tetra Pak, a embalagem segue antes para a indústria papeleira e, depois, para outras indústrias que aproveitarão o plástico e o alumínio.

Consumo controlado

É possível consumir produtos fabricados de forma mais sustentável. O monitoramento da origem do item, por exemplo, dá dicas sobre a produção -se foi preciso desmatar áreas ou se os efluentes foram tratados de maneira correta. As certificações são bons indícios de que houve preocupação ambiental na produção. Se houver maior demanda por itens sustentáveis, mais empresas passarão a usar essa "estratégia" para atrair clientes.
Escolher itens produzidos em menor escala é uma boa idéia. "Em qualquer região do país, produção em larga escala necessariamente leva a um maior impacto ambiental", comenta Hélio Mattar, do Akatu.
Em tempos de preços mais acessíveis e muitas opções de pagamento, é preciso também analisar a relevância do que se compra. "A redução no consumo tem de acontecer, o que não significa abrir mão do conforto. Quanto mais dinheiro uma pessoa tem, menos sustentável ela é", comenta Lisa Gunn, do Idec.
Quando for adquirir algum produto, pense em sua finalidade: uma embalagem PET pode causar eventual impacto se não for reciclada, mas levar uma embalagem de vidro ao piquenique, por exemplo, pode ser inconveniente. "O importante é refletir sempre antes de comprar, antes de pensar em que pacote vai escolher por conta das informações ecológicas, pense sobre o uso daquilo", sugere Mattar, do Akatu.
E, sobretudo, entender que não dá para ser totalmente radical, mas sim ser mais ecológico no que é possível. "Não dá para ser consciente 24 horas por dia, é impossível saber tudo a respeito de tudo, não dá para transferir toda a responsabilidade para um único "ator'", alivia a socióloga Fátima Portilho.
Ela sugere que cada família tenha uma versão reduzida da Agenda 21 (plano de ação para desenvolvimento sustentável em todo o mundo, criado na Eco 92): a "agenda da mesa da cozinha". Nela devem ser discutidas quais ações serão aplicadas na casa. "Reciclamos o lixo? Vamos comprar um carro ou não? Deve-se trazer a questão ambiental para a vida doméstica, decidir o que pode ou não ser feito."

Dúvidas cruéis
Sem respostas simples, saiba no que pensar ao adotar uma ação aparentemente ecológica

1. Evitando as sacolas plásticas, como armazenar o lixo em casa?
Não faz sentido não usar as sacolas do supermercado para, depois, ter de comprar sacos plásticos para colocar os resíduos da casa. O melhor é usar a sacola retornável sempre e pegar o mínimo de sacolas no mercado para o lixo da casa. Também tente reaproveitar o lixo ao máximo: mande para a reciclagem tudo o que pode e prepare compostagem com os descartes orgânicos. Dessa forma, sobra pouco -em alguns casos nenhum- material a ser descartado, o que diminui a necessidade das sacolinhas.

2. Alimentos orgânicos de longe ou produto normal de perto?
Dificilmente o produto orgânico será produzido muito longe da região onde é comercializado, pois é plantado em pequena escala e já tem custo mais alto mesmo sem contabilizar o transporte prolongado. Mesmo que seja transportado, como o produto convencional também agride o ambiente com o transporte, o impacto permanece similar. Mas como a produção orgânica não polui os lençóis freáticos e não contém agrotóxicos, revela-se a melhor alternativa. Quem deseja consumir esse tipo de produto sem aumentar demais as despesas pode procurar as feiras e produtores que entregam em domicílio, com preços melhores do que os dos supermercados.

3. Faz sentido reciclar embalagens mesmo que tenha de gastar água para limpá-las?
Sim, mas que se use o mínimo de água possível. É justificável lavar os pacotes em casa porque, para reciclagem, elas precisam estar limpas. Isso também evita maus odores, o que pode levar ao descarte do material. Para evitar desperdício, é possível separar um pouco da água usada para lavar louças e reusá-la para limpar as embalagens.

4. Copo de plástico descartável ou de vidro, que tem de ser lavado?
Se o uso de água para lavar o copo de vidro for racional, ele continua uma opção melhor do que o descartável. Outra mudança de hábito que faz diferença: trocar as garrafas de água mineral pelo velho filtro, que causa muito menos impacto ao ambiente.

5. Chuveiro elétrico ou com aquecimento solar, que gasta mais água?
O gasto excessivo de água na ducha com aquecimento solar se deve mais a uma questão de hábito: como a água do chuveiro elétrico esfria à medida que aumenta a vazão, o usuário tende a abrir menos a torneira para manter a temperatura confortável. Já com a ducha, não há limites, pois a temperatura não dependente da quantidade de água. Por esse motivo, as duchas de sistemas de aquecimento podem gastar até 60 litros de água por minuto, contra os seis litros, em média, gastos pelo chuveiro elétrico. Para evitar desperdícios, instale um regulador de vazão de duchas, que limita o gasto de água -o indicado é manter de oito a 12 litros por minuto, para que o banho continue confortável e mais ecológico. O aquecimento solar, além de vir de fonte renovável e não gerar emissões de gases-estufa, oferece benefício imediato na conta de luz.

6. Vale a pena trocar a carne por soja para evitar o desmatamento?
Como precisa de pastagens grandes, o gado normalmente é criado longe da área de consumo, o que implica em emissão de carbono para o transporte da carne e, em alguns casos, desmatamento da região -essa criação é considerada o primeiro fator de deslocamento da fronteira agrícola, com efeito na floresta Amazônica, por exemplo. A soja é o segundo fator de deslocamento e também pode levar ao desmatamento de florestas. Por isso, substituir a carne vermelha pela soja por questões ambientais pode não ser a melhor saída. Uma opção é trocar parte do consumo por carne de frango, cuja criação gasta cerca de 3,5 mil litros de água por quilo de carne (a bovina gasta por volta de 10 mil) e não precisa de grandes áreas para sua criação.

7. Lâmpadas fluorescentes gastam menos energia e poluem mais?
As fluorescentes são a melhor opção porque gastam cerca de um quinto da energia das lâmpadas incandescentes e já contêm bem menos mercúrio do que as primeiras versões. Como ainda oferecem riscos ao ambiente quando descartadas, é necessário que haja mais lugares para descarte seguro. Infelizmente, no Brasil há poucos lugares que recebem esses produtos, como a Apliquim, em Paulínia, no interior de SP (0/xx/19/3884-8140). Existe um projeto para obrigar os fabricantes a receberem essas lâmpadas de volta, como já acontece com baterias de celular. Outra opção é usar iluminação de LED ("light emiting diode", diodos emissores de luz em inglês), que não contém metais pesados, mas ainda cara.

8. Papel reciclado branco é tão ruim quanto papel virgem?
O processo de "branqueamento" do papel gera uma carga ambiental grande, mas é difícil comparar os impactos de ambos os tipos de papel. O importante é pensar na finalidade ao escolher o produto e saber que parte do que se usa normalmente já tem fibra reciclada, como papel higiênico e caixas de papelão. O argumento de que o papel virgem destrói árvores é fraco porque, atualmente, os fabricantes utilizam madeira de reflorestamento, além de tratar os efluentes. Observe se o selo FSC consta da embalagem: ele garante que a madeira utilizada é ecologicamente adequada. Usar papel reciclado também tem impacto social, ao estimular o trabalho dos catadores, por exemplo, e pode ser levado em conta na hora da decisão.

Fontes: ANDRÉ GIMENES, pesquisador do grupo de energia do Departamento de Energia e Automação Elétrica da Escola Politécnica da USP; ANDRÉ VILHENA, diretor-executivo do Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem); CARLA TATIANA NAU, engenheira química da Brasil Recicle; ELIANE SARAIVA, coordenadora do curso Técnico Ambiental do Senac; HÉLIO MATTAR, diretor-presidente do Instituto Akatu; MARIA CLÁUDIA KOHLER, coordenadora do curso de pós-graduação em Meio Ambiente e Sociedade da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; LISA GUNN, coordenadora-executiva do Idec; MARIA LUIZA OTERO D"ALMEIDA, responsável pelo laboratório de papel e celulose do Centro de Tecnologia de Rercursos Florestais do IPT; RICARDO CHAIM, coordenador do PURA (Programa de Uso Racional da Água) da Sabesp.

FSP, 24/07/2008, Equilíbrio, p. 6-9

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