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Ecologia do medo e da culpa

Jornal do Brasil
Autor: RODRIGO PENNA-FIRME
05 de Jun de 2018

O movimento ambientalista vem adotando estratégia que avança o capitalismo - outrora arqui-inimigo do próprio movimento. Através da difusão da ecologia do medo e da culpa, por meio de discursos catastróficos e apocalípticos, a humanidade tem sido tratada como algoz de si mesma, no entanto, capaz de escapar do destino "ecocida", na medida em que todos os povos da Terra adotem "o caminho" da sustentabilidade. Uma das mensagens subliminares, que perpassa o discurso da sustentabilidade é que pessoas e instituições, em especial nos países em desenvolvimento, com exceção dos povos indígenas e tradicionais, não sabem como cuidar do meio ambiente.

Apesar dos avanços inegáveis trazidos pelo movimento ambiental é preciso questionar até que ponto a ecologia do medo não seria álibi do capitalismo global, agora "verde", assim como propaganda para avanço da governança global que paulatinamente transfere controle de territórios e recursos naturais para países desenvolvidos e elites mundiais. Em que medida o discurso do medo pode facilitar abertura de mercados "verdes", seguindo a estratégia marqueteira de criar problemas, e/ ou aumentá-los, para vender a solução? Até que ponto, a quase imposição da nova economia das energias renováveis não seria também uma barreira real ao desenvolvimento científico e tecnológico de países em desenvolvimento que não podem pagar por essas tecnologias e, muitos argumentam, deveriam no mínimo compartilhar os mesmos direitos dos países desenvolvidos de acessar reservas de petróleo?

A resposta que muitos ofereceriam para algumas das seguintes questões pode indicar que o crescente controle dos recursos naturais por elites nacionais e internacionais, via mercados globais, não é apenas mais uma inócua teoria de conspiração global. Vejamos: qual o perfil socioeconômico das pessoas que usufruem das delícias naturais de Cancún e Fernando de Noronha? Quem poderá degustar as últimas lagostas e atuns em extinção dos oceanos? Quem poderá pagar para ter carro elétrico e casa movida a energia solar? E entre os povos que permanecerão à margem da nova economia "sustentável", como indígenas e populações tradicionais, seria justo que os mesmos continuem pagando o preço da conservação global da natureza, na medida em que, ao abrirem mão dos benefícios da modernidade, vivendo cristalizados economicamente e muitas vezes em pobreza, preservam florestas para o mundo inteiro?

Em acordo com a provocação do filósofo esloveno Slavoj Zizek, após o fracasso do comunismo e de algumas formas de socialismo pelo mundo, a ecologia vem sendo ressignificada como nova utopia global ou ideologia societária, novo ópio do povo, aparentemente e apenas superficialmente oferecendo oportunidade singular de corrigirmos alguns erros da humanidade e, finalmente, satisfazermos promessas também não cumpridas da modernidade, como um mundo mais justo, mais confortável, mais seguro e feliz para todos, ou quase todos. Por fim, a pergunta de "um bilhão de dólares" permanece sem resposta: como seguir adiante em busca de um mundo mais justo e mais ecologicamente equilibrado sem abrir mão dos benefícios da modernidade?

http://www.jb.com.br/artigo/noticias/2018/06/05/ecologia-do-medo-e-da-c…

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