VOLTAR

É preciso saber contar as árvores

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: LEVY, Joaquim
28 de Jun de 2008

É preciso saber contar as árvores

Joaquim Levy

Recentemente, divulgou-se que se teria desmatado 1.000 km da Amazônia em um mês, o equivalente à área do município do Rio de Janeiro. Em um ano, isso representaria ¼ da área do Estado do Rio, algo como de Paraty a Teresópolis, na extensão do mar até Minas.
Um quilômetro quadrado da Floresta Amazônica produz, ao ser queimado, entre 15 mil e 45 mil toneladas de CO2, dependendo da proporção da queima. Um carro emite uns 30 kg de CO2 para rodar 100 km. Logo, a queima de 1.000 km2 de floresta corresponderia ao CO2 gerado por toda a frota de carros do Brasil (25 milhões), fazendo ida e volta todo dia, da Barra da Tijuca ao Centro do Rio, durante um mês.
Essas cifras são impressionantes, ainda que o valor exato de biomassa por hectare, ou CO2 latente por km2, varie bastante e seja difícil de medir. Mas mesmo que se dobre ou reduza à metade alguns desses números, as implicações não se alteram, até porque o desmatamento, mesmo sem queimada, contribui para o efeito estufa, já que a madeira cortada libera CO2 ao apodrecer, ainda que a taxas mais lentas.
Segundo a ONU, o Brasil responde por 1,2% das emissões de CO2 devido à queima de combustíveis fósseis, ou seja, quase 20 vezes menos que os EUA ou a China, dez vezes menos que a União Européia, ou cerca de um terço da Alemanha. Mas é difícil achar que ganhamos algo se deixarmos o desmatamento produzir emissão próxima ao total resultante do uso de combustíveis fósseis no país. Não faria sentido uns poucos na floresta jogarem para o ar o dinheiro gasto por milhares de empresas em todo o Brasil em investimentos para mitigar emissões de CO2, ainda que a emissão devido ao desmatamento dificilmente exceda 1% das emissões globais de CO2 e que, segundo algumas fontes, a Amazônia absorva tanto CO2 quanto a Rússia ou a Índia emitem.
Entre as vantagens do Brasil estão as hidroelétricas. Segundo cifras da Eletrobrás, uma usina a carvão de 1.000 MW de potência emite quatro milhões de toneladas de CO2 por ano (uma usina a gás produziria uns 40% menos). As emissões de CO2 associadas a uma hidroelétrica de potência equivalente são muito poucas (21 mil t/ano), afora pelas resultantes da produção do cimento usado em sua construção (200kg de CO2/t de cimento). Assim, um parque hidroelétrico de 70.000 MW evita a emissão de 200 a 300 milhões t/ano de CO2, comparado a um parque térmico.
A produção de biocombustíveis também ajuda: um hectare de cana-de-açúcar captura facilmente dez toneladas de CO2 por safra, e o álcool já move metade dos carros do Brasil, apesar de isso ser pouco reconhecido na contabilidade ambiental internacional. Agora se ensaia a produção de algas.
A modernização da infra-estrutura também vem reduzindo nossas emissões por unidade do PIB. O maior uso da ferrovia nos últimos dez anos vai nessa direção, assim como alguns novos projetos de integração portuária, industrial e energética, inclusive no Estado do Rio.
Outro investimento para melhorar o balanço de emissões é o refloresta mento, com possibilidade de seqüestrar até 30 t/ano de CO2 por hectare.
Ou seja, um projeto de reflorestamento de dez km2 poderia absorver 30.000 t/ano de CO2 - compensando a emissão de CO2 de 150 mil carros que andassem 20 km por dia.
Por isso, pelo menos uma montadora de automóveis instalada no Rio de Janeiro investe em reflorestamento.
Aliás, há excelentes perspectivas de projetos florestais no noroeste do estado, e toda a Serra da Mantiqueira oferece grandes oportunidades, inclusive para plantas nativas. O desafio, nesse caso, é tecnológico, já que o atual custo de R$ 150 mil/km2 reflorestado é salgado e difícil de replicar em grande escala.
Em suma, é preciso sair das generalidades de catecismo e discutir números concretos. Para salvar a floresta, é preciso saber contar as árvores. Para isso, contribuiria também o aprimoramento da contabilidade internacional na área de mudança climática, de modo a melhor refletir os benefícios de certas estratégias do Brasil. Só assim as decisões serão efetivas e sustentáveis e o uso dos recursos, eficiente.

Joaquim Levy é secretário da Fazenda do Estado do Rio

O Globo, 28/06/2008, Opinião, p. 7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.