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É preciso cobrar!

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: GUERREIRO, Agostinho
17 de Jan de 2011

É preciso cobrar!

Agostinho Guerreiro

Em meio ao caos na Região Serrana do Rio, ainda é difícil contabilizar de forma precisa os prejuízos e o número de vítimas, que ultrapassam 500 e que não param de crescer. Há, no entanto, duas coisas que podem ser ditas sem precipitações: já é uma das piores catástrofes do país, e muitos dos estragos causados pela tempestade que se abateu na região, no último dia 11, poderiam ser evitados ou amenizados.

A falta de planejamento urbano e a inexistência de uma estratégia de emergência - que incluiria não apenas equipamentos meteorológicos adequados para previsão de tempestades e outras intempéries, mas uma comunicação ágil e eficiente entre os institutos de previsão do tempo com a Defesa Civil e demais órgãos públicos - são os principais responsáveis pela grave situação e a mortalidade elevada. Há poucos dias, a Austrália sofreu uma das piores enchentes dos últimos 50 anos, alagando a terceira maior cidade do país, de 2 milhões de habitantes, em uma área equivalente ao tamanho da África do Sul. Apesar do tamanho da tragédia, o número de mortes registradas até agora não chegou a 20 pessoas e pouco mais de 90 desaparecidas.

A diferença está no fato de que, no distante país da Oceania, o plano de emergência funciona e a consideração pela vida humana se traduz em ações concretas. A subsecretária da ONU para Redução de Riscos de Desastres, Margaretha Wahlström, recentemente comparou os dois episódios e citou, em uma entrevista, ser básica a existência de abrigos para onde a população possa ser evacuada e uma orientação eficiente para estas situações. A especialista citou ainda um estudo feito pelas Nações Unidas que diz que, para cada dólar investido em prevenção, cerca de US$7 são economizados em resgates e na reconstrução dos locais afetados.

O crescimento desordenado das cidades e a falta de uma política séria de habitação, que incluiria uma fiscalização rigorosa da ocupação de áreas de risco, também fazem com que seja criado, no Brasil, o cenário perfeito para a destruição que estamos presenciando. A população urbana no país cresceu de 26,3% para 81,2% entre a década de 1940 e o início do século XXI. Nesse período, o país passou por um processo intenso de urbanização, tendo que abrigar mais de 125 milhões de pessoas em suas cidades. E essa transição aconteceu sem nenhum planejamento.

Moradias irregulares, despejo de lixo em encostas e construções à margem de rios assoreados completam a equação mortal.

É preciso cobrar das autoridades públicas um plano amplo e perene nas áreas de habitação, saneamento básico, transporte, uso correto do solo e para situações de emergência, para que se deixe de contabilizar mortos.

Agostinho Guerreiro é presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ)

O Globo, 17/01/2011, Opinião, p. 7

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