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É falso que Magazine Luiza 'financia' fome dos Yanomami com venda de cogumelos

Lupa/UOL - https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/08/17/
17 de Ago de 2023

É falso que Magazine Luiza 'financia' fome dos Yanomami com venda de cogumelos

17.08.2023 - 18h32
Gabriela Soares
Rio de Janeiro - RJ

Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, em 1o de agosto de 2023, a deputada Sílvia Waiãpi (PL-AP) afirmou que o Magazine Luíza ajuda a financiar a fome dos povos Yanomami por meio da venda de cogumelos. Segunda ela, os indígenas ficariam sem o alimento, já que as ONGs comercializam toda a produção. É falso.
Por meio do projeto de verificação de notícias, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:
"O Magazine Luiza, a Magalu, vende cogumelo Yanomami, franqueia o cogumelo Yanomami e ajuda a financiar a fome dos indígenas Yanomami. [...] Povos Yanomami que não conseguem caçar, que não conseguem pescar, hoje estão sem o cogumelo Yanomami, sem o cogumelo sanöma"
- Fala em vídeo que circula nas redes
Falso
Na realidade, são comercializados somente os cogumelos que não são consumidos pelos indígenas, ou seja, apenas o excedente, como explica, em nota, a Hutukara Associação Yanomami, organização que coordena o projeto. A entidade também esclarece que o projeto envolve somente a etnia Sanöma, subgrupo ligado aos povos Yanomami.
A associação afirma ainda que todas as vendas têm nota fiscal, e que os valores arrecadados são revertidos para os indígenas, que decidem como utilizar os recursos. "As comunidades que fazem parte do projeto são diretamente beneficiadas e usam parte dos recursos para adquirir bens essenciais, o que ajuda a manter sua subsistência e seu modo de vida tradicional", diz trecho da nota. O projeto Cogumelo Yanomami obteve como renda, de 2018 a 2022, um total de R$ 534,2 mil, de acordo com a Hutukura.
O Magazine Luiza, por sua vez, informou que o Cogumelo Desidratado Yanomami é oferecido por uma empresa parceira em seu marketplace. A varejista também destacou que se trata de um produto legal, registrado pela Hutukara Associação Yanomami no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). "O Magalu lamenta que temas tão sérios para a sociedade brasileira sejam explorados para fins políticos e de desinformação", complementou.
Vale citar ainda que os cogumelos e itens derivados deles também são vendidos em outros sites além do Magazine Luiza, como Mãe Terra e Tucum, projeto de apoio à comercialização de artesanato e outros produtos de origem indígena.
O Instituto Socioambiental (ISA), também citado pela deputada durante a sessão da CPI, disse em nota que somente presta apoio técnico ao projeto e que não obtém nenhum lucro com a venda do produto. Segundo a entidade, todo o rendimento é integralmente da Hutukara Associação Yanomami, que reverte os lucros para a comunidade.
A deputada Sílvia Waiãpi foi procurada pela Lupa, mas não respondeu até a publicação desta verificação.
Indigenistas veem como positivo o projeto do Cogumelo Yanomami
Em entrevista à Lupa, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jesem Douglas Orellana, professor do Mestrado em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia, explica que o projeto não conseguiria, sozinho, ameaçar a segurança alimentar de todas as comunidades que compõem a população Yanomami.
"Ainda que houvesse total proibição ao consumo de cogumelos nessas poucas localidades [onde os cogumelos são colhidos para venda], não haveria a menor chance desta resultar em insegurança alimentar ou explicar quadros de desnutrição severa, pois, de acordo com um dos poucos estudos sobre frequência de consumo de alimentos em crianças Yanomami menores de 5 anos, a importância do cogumelo na dieta dessas crianças é baixa", explica Orellana, em referência a uma pesquisa da qual é um dos autores.
Na mesma linha de raciocínio, o pesquisador Maurício Leite, especialista na área de nutrição e saúde indígena, acredita que a coleta e a comercialização dos cogumelos não leva à escassez dos recursos. Segundo ele, a diversidade da floresta permite que diferentes tipos de cogumelos e alimentos sejam explorados. Ele esclarece ainda que os cogumelos se reproduzem naturalmente por esporos, que se multiplicam ao longo do tempo. Mesmo quando coletados, o ciclo de reprodução contribui para a regeneração dos cogumelos. O pesquisador também destaca o etnoconhecimento dos indígenas, que permite a exploração sustentável dos recursos da floresta.
"O conhecimento de hábitos dos animais, do tempo de floração, de fauna, de tempo de frutificação, é absolutamente sofisticado e impressionante. Quem passa fome lá é o cara que não vive lá, quem vive mal é o cara que é levado para lá. Quem é de lá, que tem esses conhecimentos, que são transmitidos de geração para geração, não passam necessidade - desde que não haja invasores", explica Leite.
Para os pesquisadores, a falta de alimento dessas populações é, na realidade, causada pela degradação das florestas e escassez de recursos naturais - principalmente das carnes de caça e peixes -, que atinge, em especial, as comunidades cercadas por atividades não indígenas, como militares e garimpo ilegal.
Eles também destacam que iniciativas como a do Cogumelo Yanomami, além de valorizarem conhecimentos ancestrais e ecológicos acerca do manejo dos recursos da floresta, trazem recursos financeiros às comunidades envolvidas. "A bem sucedida iniciativa [Cogumelo Yanomami] também possibilitou o estabelecimento de infraestrutura e condições para o armazenamento e processamento da matéria-prima, além de importante visibilidade para a marca 'Yanomami', pois se trata de uma promissora estratégia para a venda de produtos com valor agregado", complementa Orellana.
Projeto de comercialização dos Cogumelos Yanomami
O projeto de comercialização do Cogumelo Yanomami é desenvolvido desde 2017 pela Hutukara Associação Yanomami, com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA). Contudo, todo o planejamento da coleta, comercialização e beneficiamento é gerenciado pelos próprios indígenas, a partir do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Yanomami, criado em 2019.
A iniciativa nasceu do livro Ana Amopö: Cogumelos, lançado em 2016. No ano seguinte, a obra foi vencedora do Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia. Escrita originalmente em sanöma, promove o diálogo entre os conhecimentos indígenas e científicos sobre alimentação.

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