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As duas vidas das árvores

O Globo, Amanhã, p. 12-21
16 de Abr de 2013

As duas vidas das árvores
De vilões da destruição das florestas no passado a símbolos contemporâneos de reciclagem e permanência, antigos móveis de madeira nobre contam a história das árvores em casa

Érica Magni
erica.magni@oglobo.com.br
Felipe Sil
felipe.sil@oglobo.com.br

RIO - Uma cadeira de peroba já foi sinônimo de assassinato ambiental. Pedaço de uma árvore cobiçada e derrubada aos milhares. Mas mudanças na legislação, como a Lei de Crimes Ambientais, que pode dar até dois anos de cadeia para quem explorar madeira nobre, e a quase extinção de algumas espécies transformaram o papel desse tipo de móvel, hoje peças de antiquário ou de ateliês de reciclagem. A mesma velha cadeira virou um símbolo de conservação. Em uma sociedade que parece viciada em produtos descartáveis, peças resistentes de mobiliário se tornam um contraponto sustentável. Podem durar séculos e ser renovadas quantas vezes for a criatividade de seus donos.
Os móveis de madeira nobre, que se caracterizam pela qualidade e durabilidade, tornaram-se uma espécie de fetiche de decoradores. Resgatar peças antigas e reaproveitar materiais de demolição ganhou o aspecto de proposta ecológica. Em vez de descartar os objetos, é possível reaver as madeiras e preservar a sua história.
Lidar com este tipo de objeto é um exercício de reciclagem. Conservados, podem ser remodelados com cores fortes e até se transformar em outros objetos. Portas, janelas, vigas para telhado, grades e portões também podem originar sofás, bancos, cristaleiras e mesas de centro.
- O trabalho de restauração deve ser muito aprimorado e artesanal. Requer paciência e dedicação. Procuramos manter as características originais do móvel usando os mesmos materiais que foram utilizados na confecção desses objetos sem interferir na sua estética, preservando assim o seu valor histórico - explica Arnaldo Danemberg, proprietário do antiquário que leva o seu nome em Copacabana, e que tem peças cobiçadas como cadeiras originais de jacarandá.
Como possuem substâncias químicas naturais que protegem o tronco do ataque de fungos e insetos, as madeiras nobres garantem uma proteção que pode durar centenas de anos. Mesas, armários e escrivaninhas de madeiras como jacarandá, jatobá e mogno permanecem intactas por um longo tempo.
- Hoje, apenas o mogno, cedro e jatobá são espécies que podem ser utilizadas sob a tutela de um plano de manejo sustentável, aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). As outras não podem ser cortadas e chegaram a um nível de exploração tão grande que quase foram extintas - conta Cláudio Santana, engenheiro florestal da Secretaria Municipal do Meio Ambiente do Rio de Janeiro.
Para Santana, quem já possui móveis de madeira nobre deve investir na conservação.
- O impacto ambiental do desmatamento é incomensurável. Para se tirar da mata uma árvore como peroba e jatobá é necessário derrubar outras 25 árvores de outras espécies. É um dano absurdo ao meio ambiente.
Uma das pioneiras na repaginação de móveis antigos, Joana Mendes, sócia do ateliê Lá na Ladeira, no Humaitá, diz que as possibilidades de reuso são enormes.
- Podemos colorir algumas peças e até laquear, o que alguns fãs mais ardorosos do material nem gostam muito.
Joias da coroa
As madeiras nobres têm esse nome porque, na época em que o Brasil era colônia, só podiam ser derrubadas se a Coroa portuguesa autorizasse. A ideia dos portugueses era evitar o contrabando do material por navios espanhóis, franceses e ingleses. A exploração deveria ser exclusividade dos colonizadores. O custo era o desmatamento. Florestas inteiras se transformaram em móveis. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é difícil encontrar jacarandá ou peroba. Poucos lugares, como o Jardim Botânico, ainda contam com as árvores. O jacarandá-da-bahia é um exemplo do massacre ambiental.
- Foi dizimado em poucas décadas. Os portugueses gostavam muito da madeira. Na metade do século XX, foi extinto. No Espírito Santo havia matas inteiras só com eles, mas foram derrubadas - conta Santana.
Proprietário do Atelier Demoliart, Sérgio Amadei confirma que a procura por móveis de madeira nobre tem crescido. Em sua oficina em Santa Teresa, aproveita o material para criar outros objetos, como mesas e bancos.
- O que faço é repaginar materiais que foram cortados há quase 100 anos. É uma arte. Hoje, há legiões de pessoas que percorrem a cidade para encontrá-los.
Atualmente, a Prefeitura produz mudas destas árvores raras e nobres, e o trabalho é aliado a uma pesquisa de coleta de sementes.
- Buscamos selecionar ao máximo as matrizes produtoras. É um desafio aumentar o número de árvores na cidade - diz Santana.

O Globo, 16/04/2013, Amanhã, p. 12-21

http://oglobo.globo.com/amanha/de-viloes-do-desmatamento-simbolos-de-co…

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