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Dsei Xingu desperdiça 320 doses da Coronavac

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br
16 de Mar de 2021

Dsei Xingu desperdiça 320 doses da Coronavac

Por Marcio Camilo
Publicado em: 16/03/2021

Cuiabá (MT) - Uma carga com 320 doses da vacina Coronavac que seriam aplicadas na Terra Indígena do Xingu, no Mato Grosso, foi totalmente descartada ao ser transportada em temperatura inadequada e ficar congelada, causando um prejuízo de 18.624 reais. A conclusão consta no parecer técnico da Gerência do Programa Estadual de Imunização/Rede de Frio, da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT), que analisou as doses enviadas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu (Dsei Xingu), órgão da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligado ao Ministério da Saúde, no dia 12 deste mês. Imagens dos frascos congelados começaram a circular em grupos de WhatsApp dos indígenas a partir do último dia 8. O problema ocorreu durante o transporte dos imunizantes.

Em 11 de março, os indígenas da etnia Ikpeng protestaram contra o incidente e criticaram a falta de administração do Dsei Xingu no armazenamento adequado das vacinas. A Associação Terra Indígena Xingu (Atix) também encaminhou ofício ao distrito cobrando explicações.

Uma liderança indígena, guerreiro Ikpeng, que pediu para não ser identificado, contou que as doses foram congeladas durante o transporte numa caminhonete a serviço do Dsei Xingu. Elas estavam acondicionadas em uma caixa térmica e envolvidas por bolsões de gelos. De acordo com a liderança, o congelamento teria acontecido por descuido do motorista, que teria colocado gelo a mais no recipiente.

"Quando eles utilizaram [as vacinas] aqui na área, no retorno [a sede do distrito] o motorista por descuido, não viu direito a temperatura. Ele colocou mais gelo na garrafa térmica no transporte e ela congelou", disse a liderança do Ikpeng.

No caso da Coronavac, imunizante enviado à TI do Xingu, o correto é que as doses fiquem preservadas em temperaturas de dois a oito graus Celsius positivo. "Todas as vezes que as vacinas são expostas a temperaturas fora da faixa de temperatura recomendada, eles perdem potência e podem comprometer a resposta imunológica, além de poder ocasionar reações adversas importantes", explicou a enfermeira especialista em vacinas do Projeto Xingu da Universidade de São Paulo (USP) e presidenta da Sociedade Brasileira de Imunizações da Regional São Paulo, Evelin Plácido. "A exposição a temperaturas inadequadas podem comprometer a qualidade das vacinas de maneira irreversível."

A enfermeira também cobrou uma melhor capacitação dos responsáveis pelo transporte do bem tão valioso. "Os profissionais precisam estar preparados para saberem realizar a manutenção da cadeia de frio desses imunobiológicos, pois é isso que vai garantir a qualidade das vacinas."

No parecer da SES-MT, consta que o Dsei Xingu pediu para que o órgão avaliasse as vacinas que estavam sob suspeita desde o último dia 7 de março. Com base nas informações fornecidas, a SES-MT foi taxativa ao recomendar que o distrito "descartasse todos os imunobiológicos conforme Normatização do CGPN (manual rede de Frio)". No documento consta que o problema encontrado foi "realizar procedimentos, sem conhecimentos técnicos e científicos para o mesmo".

A SES-MT ainda fez uma série de recomendações ao Dsei Xingu, como "realizar treinamento/orientação para todos os envolvidos com a rede de frio, para que quando houver falta de energia, alteração de temperatura, equipamento com defeito ou qualquer outra atividade que coloque os imunobiológicos em risco, que se tenha um ou mais responsáveis para averiguar a condição de temperatura adequada e de segurança para os imunobiológicos, a fim de evitar a perda dos mesmos".

SES-MT ressaltou ainda que as perdas das doses representam "um grave incidente e é de responsabilidade do município o zelo, bem como a observância dos padrões recomendados aos imunobiológicos, que poderão ser investigados pelos órgãos competentes". E o parecer conclui: "Salientamos que é de suma importância o registro e o controle de temperatura diariamente, evitando assim perdas indevidas de imunobiológicos".

Prejuízo irreparável

"Todo mundo sabe das dificuldades que estamos enfrentando para aquisição dessas vacinas, para que elas cheguem à toda população. Estamos falando de vacinas que a humanidade está esperando por elas. O prejuízo é irreparável", lamentou a presidenta da Sociedade Brasileira de Imunizações da Regional São Paulo.

A mesma preocupação foi levantada pela Associação Terra Indígena Xingu (Atix), por meio de ofício encaminhado ao coordenador do Dsei Xingu, no dia 11 de março. A organização está preocupada que faltem doses para que os indígenas sejam imunizados.

Conforme o painel nacional de vacinação contra Covid-19 da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), 3.311 doses já foram aplicadas no Xingu, sendo 2.818 indígenas vacinados na primeira dose e 493 na segunda. A TI Xingu conta com uma população de 8.126 indígenas, conforme dados da Sesai, de 16 etnias diferentes: Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Kisêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Wauja, Tapayuna, Trumai, Yudja, Yawalapiti.

Até o momento, a pandemia já matou 16 indígenas do Xingu e infectou 1.029, conforme o boletim epidemiológico da Sesai, atualizado nesta segunda-feira (15).

A Atix também cobrou explicações sobre o por quê de o Dsei ter negado vacinas a vários indígenas de diferentes etnias, sob alegação dos mesmos não viverem na TI do Xingu, mas em cidades do entorno, ou não terem seus nomes registrados no Sistema de Informação em Saúde Indígena (Siasi).

"Informamos a vocês que no Xingu não existem índios desaldeados, como a gestão do Dsei está alegando. Todos têm suas aldeias, todos têm casas nas aldeias onde moram parentes, pais, irmãos e irmãs, filhos e filhas, cunhados e cunhadas, sogras e sogros", questionou a Atix por meio do ofício. A associação lembrou que alguns indígenas passam determinados períodos nas cidades por inúmeras razões, como estudar, trabalhar na saúde e nas associações indígenas ou acompanhar algum membro da família que tenha necessidade especial.

Lideranças exigem exoneração de militar
Os indígenas da etnia Ikpeng protestaram contra o incidente com as vacinas
(Foto: Povo Ikpeng)

No protesto de 11 de março, os Ikpeng pediram ainda a saída do coronel do Exército Marcos de Carvalho, coordenador-geral do Dsei Xingu. Eles afirmam que Carvalho está perseguindo politicamente funcionários do distrito e criando desavenças com organizações não-governamentais (ONGs). O coronel é mais um militar em postos de chefia de órgãos que atuam na questão indígena no governo do presidente Jair Bolsonaro. Leia mais aqui.

As principais lideranças do médio Xingu, entre anciões, caciques e guerreiros, pintaram seus corpos em protesto. "Eu quero que você exonere ele [o coronel Carvalho] imediatamente, por que se você não exonerar, nós estamos pintados para a guerra e vamos lá no distrito tirar ele. Então resolva da sua maneira, porque se não resolveremos da nossa", disse um dos guerreiros Ikpeng. O pedido de exoneração do chefe do Dsei Xingu foi feito ao coronel do Exército Robson Santos da Silva, que comanda a Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde.

Desde que começaram a circular imagens das vacinas congeladas, o coronel Carvalho teria proibido o acesso das equipes de enfermagem do Dsei Xingu ao local onde as vacinas estavam armazenadas, antes de serem enviadas para as análises laboratoriais, alertou a liderança.

Segundo essa liderança Ikpeng ouvida pela Amazônia Real, o chefe do Dsei Xingu estaria demitindo membros das equipes multidisciplinares que há anos lidam com a saúde indígena no Xingu. Entre eles, médicos e enfermeiros que atuam por meio de ONGs que possuem acordo de cooperação técnica com o Dsei Xingu. Entre as organizações estão o Projeto Xingu (USP) e o Instituto Socioambiental (ISA), que trabalham com os indígenas deste território há mais de 40 anos.

"Ele está mais preocupado em perseguir as equipes que trabalham com a gente há mais de cinco anos. Nessa perseguição ele demitiu uma enfermeira que tinha 15 anos de experiência de atuação no Xingu e agora ele está perseguindo mais três pessoas de três equipes, que vão ser os próximos a serem exonerados", disse a liderança.

O guerreiro Ikpeng contou que os enfermeiros ameaçados de demissão foram contratados para atuar durante a pandemia pelo Projeto Xingu e pelo ISA, e que as ONGs foram fundamentais para montar o plano de contingência de enfrentamento à pandemia no médio Xingu, o que salvou a vida de muitos anciões. "No Alto e no Baixo Xingu morreram várias lideranças; já nós aqui do Médio tínhamos esse apoio do ISA do Projeto Xingu."

O que diz a Sesai

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, informou que apura o motivo que pode ter levado à perda das 320 doses da vacina, mas que o Plano de Operacionalização da Vacinação contra a Covi-19 prevê uma "perda operacional de 5% das doses". Por isso, mesmo diante da perda, a pasta garante que "não faltarão vacinas para cumprir a meta de vacinação da população indígenas do DSEI Xingu".

A Sesai também defendeu o trabalho do coordenador do distrito, coronel Carvalho, ao afirmar que não procedem as acusações de demissões por causa de questões políticas e desentendimento com as ONGs.

Conforme a Sesai, o trabalho dele tem sido exercido de forma técnica, "baseada em critérios de gestão e governança, incluindo-se o trabalho conjunto com Organizações Não Governamentais (ONGs), como o Projeto Xingu, Doutores da Amazônia, Expedicionários da Saúde e outras instituições dispostas a colaborar com a saúde indígena - sempre com o acompanhamento da Sesai". Leia a íntegra da nota.

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