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Dois brasiguaios morrem em confronto por terras

CB, Mundo, p.20
13 de Out de 2004

Paraguai
Dois brasiguaios morrem em confronto por terras
Agricultores brasileiros foram atingidos por tiros numa área na fronteira. Plano de reforma agrária do governo aumentou a violência no campo
Da Redação
Dois agricultores brasileiros morreram e quatro sem-terra paraguaios ficaram feridos num confronto em dois departamentos (estados) do Paraguai. Nos últimos dias, aumentou muito a violência no campo no país vizinho. O conflito piorou depois de o governo anunciar uma reforma agrária que pode tornar mais difícil a permanência de agricultores estrangeiros no Paraguai.
O plano do presidente Nicanor Duarte Frutos, há um ano no poder, prejudicaria diretamente os brasiguaios, como são chamados os camponeses brasileiros. Eles detêm atualmente 1,3 milhão de hectares produtivos em território paraguaio (leia mais sobre a crise com os brasiguaios nesta página). O conflito por terras no país já deixou 15 mortos. Ultimamente, a crise estava sendo mediada de forma diplomática.
O líder da Mesa Coordenadora Nacional das Organizações de Camponeses, Luis Aguayo, ameaçou ontem abandonar o diálogo com o governo, alegando que as autoridades de Assunção não estão dando sinais concretos de que vão cumprir suas promessas. Ele referia-se à proposta de entregar terras para os colonos do país.
A morte dos brasileiros ocorreu na segunda-feira, em Caaguazú, no leste. A polícia paraguaia não divulgou a identidade dos dois. Eles trabalhavam numa plantação de soja na fronteira com o Brasil quando foram mortos. Testemunhas contaram que os dois foram atingidos por tiros, num confronto envolvendo diferentes grupos de brasiguaios que disputavam uma área. Por sua vez, os colonos paraguaios denunciaram que bandos armados, contratados por brasiguaios, feriram quatro sem-terra paraguaios no departamento de São Pedro, ao norte de Assunção.
Condições
Aguayo acusou Nicanor Duarte de descumprir promessas feitas no dia 25 de setembro, quando o dirigente havia se comprometido a definir, em um mês, os locais dos 15 mil hectares que serão distribuídos aos sem-terra. O líder camponês disse ontem que só continua a negociar com o governo se houver a entrega imediata de terras, aumento salarial para os trabalhadores rurais e a adoção de medidas contra os jagunços contratados pelos brasiguaios.
O movimento de Aguayo integra a Frente Nacional de Luta pela Soberania e pela Vida, junto com sindicatos de trabalhadores rurais e sem terra. Segundo Hugo Richer, dirigente da Frente, os militantes de sua organização cumpriram o acertado com o governo, pois eles teriam se retirado de 25 das 26 invasões de terra. Do lado do governo, no entanto, nada se cumpriu, diz Richer.
Modesto Guggiari e Hernán Jiménez, empresários do setor agrícola do departamento de São Pedro, acusam os sem-terra de hostilizar seus empregados. Também criticaram o governo paraguaio. A Associação Rural do Paraguai e a Coordenadoria Agrícola, duas instituições de empresários do campo, são contra o aumento de impostos sobre a terra e a política de exportação de soja. Não acreditamos que este seja um momento conveniente para mais impostos. Isso castigaria a produção, criticou Héctor Cristlado, dirigente da Coordenadoria Agrícola.

Análise da notícia
Vizinhos nada bem-vindos
Graciela Urquiza Mendes
Da equipe do Correio
Os incidentes violentos nos campos paraguaios, envolvendo nossa gente e colonos sem terra de lá, eram tragédia anunciada há muito tempo. Ficou mais evidente há um mês, quando o governo do Paraguai tornou público um plano de reforma agrária que iria tirar a terra de quem está trabalhando no país há anos — com o incentivo das próprias autoridades locais — para dar aos que não têm.
A lei Robin Hood do presidente Nicanor Duarte atinge em cheio os brasileiros que foram para o Paraguai nas décadas de 70 e 80, atraídos pela terra boa para o cultivo e pelo sonho de vida melhor. A pasmaceira agrícola dos vizinhos também ajudou na migração. Antes eldorado, a região na fronteira com o Brasil virou um front.
De um lado estão os 400 mil brasiguaios, como são chamados esses imigrantes, e seus descendentes, ao todo 8% dos 5,5 milhões de habitantes do país. Eles ocupam 1,3 milhão de hectares em seis estados paraguaios. Foi essa força de trabalho que colocou o Paraguai no quinto lugar da produção mundial de soja — 80% do cereal produzido no país vêm das terras de brasiguaios.
Do outro lado, estão pouco mais de 100 mil paraguaios sem terra. A maioria tem carteirinha de 30 diferentes movimentos que, por sua vez, se agrupam na Mesa Coordenadora Nacional de Organizações de Camponeses. Os cem mil se sentem, agora, um exército de cem milhões. Querem terra, de preferência a dos imigrantes brasileiros — já testada e trabalhada.
O governo paraguaio ofereceu 15 mil hectares. Mas as famílias de sem-terra pedem 500 mil hectares. Ou seja, mais crise à vista, com cheiro de pólvora no ar. É bom lembrar que o conflito agrário no Paraguai tem semelhança com o brasileiro. Afinal, os dois países dividem as primeiras posições no mundo em concentração de terras. Só que, no vizinho, a desigualdade é maior: 72% do solo guarani estão nas mãos de 2% da população.

CB, 13/10/2004, p. 20

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