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Do norte ou do sul, muriquis brasileiros

O Eco - www.oeco.com.br
Autor: Felipe Lobo
04 de Mar de 2009

Pouca gente sabe, mas existem duas espécies de muriqui (mono-carvoeiro): a do norte (Brachyteles hypoxanthus), mais conhecida pelo público e com grau de perigo superior; e a do sul (Brachyteles arachnoides), pouco notada, mas também em risco de desaparecimento. Ambas só vivem na Mata Atlântica, mais ao sul ou mais ao norte do bioma, nas regiões Sudeste e Sul. Além disso, o maior primata das Américas já se transformou num animal emblemático para o Brasil em virtude de sua crítica ameaça de extinção.

Há cerca de quinze anos, o paulista Maurício Talebi decidiu ajudar a inverter o rumo da história. Coordenador-geral da Associação Pró-Muriqui, coordena pesquisas e trabalhos aplicados à conservação do primata. Baseado a duas horas da capital de São Paulo, no município de São Miguel Arcanjo, o projeto pensa no futuro ao desenvolver treinamentos de estagiários. "No momento, estamos focados em pesquisas básicas aplicadas para gerar recomendações com vistas à manutenção da espécie e do habitat", explica.

Do Parque Estadual Carlos Botelho, naquele município, considerado o principal habitat de muriquis-do-sul, Talebi e sua equipe coordenam atividades em diferentes locais. "Já adquirimos dois terrenos com ocorrência da espécie ao lado da unidade de conservação, para criar uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). A sede da organização fica em uma delas, inclusive", diz. A Serra da Mantiqueira é o segundo ponto de atuação. Lá, o trabalho é voltado para um monitoramento demográfico e também à criação de RPPNs no município de Pindamonhangaba (VCP Florestal). Por último, há a idéia de fazer um levantamento populacional da espécie na Serra do Mar.

"O muriqui-do-sul também pode ser encontrado no Paraná e no Rio de Janeiro. Mas é em São Paulo a sua principal localização. Ao todo, estimamos que existam cerca de 1.500 indivíduos na natureza. Já os do norte, são 1.200", conta Talebi. Apesar do diversificado campo de ação da Pró-Muriqui, o parque Carlos Botelho é mesmo o foco dos trabalhos. Ali, são realizadas pesquisas em ecologia, comportamento, educação ambiental e geração de renda, em parceria com o não-governamental Instituto SuperEco.

Os resultados dos esforços de mais de uma década são claros. Uma das descobertas, por exemplo, é de que a caça atua como principal ameaça à espécie. Por isso, o trabalho de educação ambiental é importante, explica Talebi. A intenção é mostrar que o muriqui vale mais vivo do que abatido. O problema, como sempre, é a falta de recursos. "Consideramos de grande importância a participação do setor privado. Nossos patrocinadores ainda vêm do exterior. O que é um paradoxo, já que trabalhamos com uma espécie nacional", afirma o antropólogo conservacionista.

Os muriquis fluminenses

Apesar de o dinheiro ainda não ser o suficiente, já se sabe bastante sobre o muriqui-do-sul. O animal, por exemplo, também sofre com a redução e fragmentação de habitats, além do baixo índice de reprodução em cativeiro. Para piorar, sua taxa de reprodução é muito baixa, já que a fêmea demora sete anos para ficar sexualmente madura e outros sete meses na gestação. "Ou seja, matar dois ou três deles significa duas ou três gerações para recuperar, já que só nasce um filhote por vez", explica Talebi.

Outro grande problema é o desconhecimento da população sobre o macaco. De acordo com o coordenador geral da Pró-Muriqui, diversas crianças em escolas da região pensam que no Brasil tem girafa, gorila e leão. Mas o maior primata das Américas, totalmente brasileiro, nunca é citado. "Uma de suas funções mais importantes é a dispersão de sementes. Como ele come muitas frutas, espalha as sementes e renova a mata", explica Jean Boubli, diretor de programa da Wildlife Conservation Society (WCS) no Brasil.

Em 1998, Boubli fez parte de uma equipe, coordenada pela doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Vânia Garcia, que visitou todas as áreas em que havia notícias do animal naquele estado. Entre elas, estavam o Parque Nacional de Itatiaia, a praia de Trindade (próxima a Paraty) e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Esses estudos foram a base para o programa de conservação dos primatas, nesta última unidade de conservação.

Na Serra dos Órgãos, na região serrana fluminense, são feitos estudos mensais para aumentar a densidade populacional da espécie. Boubli também integra esta iniciativa. "O Rio é um dos locais com maior possibilidade de trazer muriquis de volta, já que possui muitos remanescentes florestais. Acabamos de ter um paper aceito por uma importante revista científica internacional. Nele, dizemos que há 160 indivíduos da espécie no estado. É muito pouco, mas é possível que seja mais", diz.

As diferenças entre muriquis

Apesar da enorme diferença física (como demonstram as fotos), os muriquis do norte e do sul têm comportamento muito semelhante. Ambos são pouco agressivos e poligâmicos. As fêmeas migram para outros grupos para promover a variabilidade genética. Os primatas cariocas, paulistas e paranaenses, no entanto, possuem os rostos pretos, enquanto os do norte são despigmentados (pela maturação sexual). Esses últimos são criticamente ameaçados de extinção, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. Os primeiros, por sua vez, estão "em perigo".

Embora trabalhe também com os muriquis-do-sul, Jean Boubli é especialista na outra espécie. Entre 2001 e 2005, realizou pós-doutorado com os primatas do norte, em Caratinga, Minas Gerais. Financiado pelo zoológico de San Diego (Estados Unidos), trabalhou em uma RPPN de mil hectares, lar de 200 muriquis. O projeto foi uma continuação das ações exercidas na região pela bióloga Karen Strier, maior especialista das Américas nestes animais.

"Identificamos todos os indivíduos, o padrão de movimentação, acompanhamento demográfico, dieta etc. Lá pelo meio do projeto, conseguimos patrocínio do ProBio para recuperar matas, já que o entorno é composto basicamente por pastos. Fizemos bastante, mas paramos em 2005 e precisamos retomar", explica Boubli, para depois completar que a idéia é fazer um corredor com vegetação nativa de Caratinga até uma área verde mantida pela prefeitura de Ipanema.

Segundo ele, os muriquis-do-norte correm um risco maior porque seus habitats são reduzidos e muito mais fragmentados. É bom saber, no entanto, que as duas espécies são estudadas e novos planos de conservação surgem com uma freqüência interessante. Quem sabe daqui para frente, governos, escolas e setor privado possam dar maior valor a um dos animais mais simbólicos do país, injetando dedicação e recursos em projetos sérios de auxílio aos primatas.

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