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Dívida com índio não será paga agora, diz Lula

FSP, Brasil, p. A5
20 de Abr de 2005

Há uma semana, durante viagem ao Senegal, presidente havia pedido perdão a africanos por escravidão
Dívida com índio não será paga agora, diz Lula

Julia Duailibi
Eduardo Scolese
Da sucursal de Brasília

Uma semana após ter pedido perdão aos africanos pela escravidão no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o Estado "está longe" de conseguir pagar a "dívida" social com os índios brasileiros.

"Queria apenas dizer aos nossos irmãos representantes, aqui, do povo indígena brasileiro, que vai levar muitos anos ainda para que a gente consiga devolver aquilo que um dia foi tirado de vocês. [...] Sei que nós ainda estamos longe de cumprir aquilo que temos que cumprir", disse Lula, durante cerimônia de comemoração do Dia do Índio, no Palácio do Planalto.

Minutos antes, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) havia pedido "perdão" às nações indígenas, "vítimas do esmagamento, da violência e da força bruta". Na platéia, havia mais de 30 representantes de etnias indígenas.
Lula mencionou rapidamente a morte por desnutrição de crianças indígenas em Mato Grosso do Sul: "[Temos de] cuidar das crianças para que não morram como morrem habitualmente no Brasil, ora por desnutrição, ora por outras doenças, e é preciso que a gente atente para isso".

O responsável pela assistência médica dos índios é um órgão do governo federal, a Funasa, que é ligada ao Ministério da Saúde.

Segundo números da Funasa, em 2005, morreram 16 crianças indígenas menores de cinco anos em Dourados (MS) -11 mortes estão associadas à desnutrição.

De acordo com Lula, a "dívida" do Estado com o povo brasileiro não será resgatada em "dois ou três anos". "Hoje eu disse que nós temos uma dívida com os índios brasileiros que possivelmente vai demorar para ser paga. [Assim] como tive a coragem de pedir perdão lá no Senegal, na Ilha de Gorée, pelos 300 anos de escravidão que os africanos foram submetidos e do qual o Brasil participou diretamente comprando escravos", disse Lula, mais tarde, em cerimônia com militares.

Ao lado do presidente estava o cacique Raoni, que ficou conhecido internacionalmente por fazer a defesa dos povos indígenas, acompanhado por personalidades como o cantor Sting. O cacique falou para Lula e para o ministro da Justiça que "muitos brancos estão matando índios".

A homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol (RR), na semana passada, foi destacada por Lula como esforço para pagar a "dívida" com os índios. Na cerimônia de ontem, foram homologas cinco terras indígenas nas regiões Centro-Oeste e Norte.

"Todas as questões que se referem à homologação de Raposa/ Serra do Sol têm de ser decididas pelo Supremo Tribunal Federal. Esperamos superar as questões judiciais e chegar a um campo de trabalho cooperativo na área administrativa", disse o ministro sobre questionamentos do governo do Estado de Roraima.

Assim como mencionou as mortes das crianças indígenas, Lula disse ser necessário "cuidado" para que os índios não sejam "afrontados" depois de terem suas terras demarcadas.

"Afrontados, às vezes, por fazendeiros que poluem os rios, por fazendeiros que derrubam parte da mata", disse Lula, para quem os índios têm de ter acesso a luz elétrica, escola e saúde.

"Durante anos, na escola brasileira, se falou que o índio era preguiçoso, por isso que o Brasil tinha de trazer escravos da África. Na verdade, o que vocês querem é o que quer qualquer cidadão digno do mundo: a oportunidade de provar que somos capazes de viver por nossa própria conta."

FSP, 20/04/2005, Brasil, p. A5

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