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Disputas judiciais por desapropriações crescem e emperram obras do PAC

OESP, Economia, p. B1-B3
23 de Jul de 2012

Disputas judiciais por desapropriações crescem e emperram obras do PAC
Em um ano, ações de expropriações subiram 20% e já representam quase dois terços dos processos judiciais nas obras de infraestrutura

RENÉE PEREIRA

As desapropriações de terras e imóveis turbinaram o volume de ações judiciais em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nos últimos meses. Até junho do ano passado, os processos de expropriação representavam 42% do total de questionamentos na Justiça. De lá pra cá, cresceram 20% e já respondem por quase dois terços das ações envolvendo empreendimentos de infraestrutura - uma das principais apostas da presidente Dilma Rousseff para amenizar os impactos da crise mundial no Brasil.
No total, as 20 mil obras do PAC enfrentam 8.609 processos, sendo 5.405 referentes às desapropriações, incluindo tanto as ações do governo quanto as movidas pelos proprietários. Os números são de levantamento feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) a pedido do Estado. Entre as obras com maior número de processos estão as de recursos hídricos, habitação, saneamento, rodovia e aeroportos. Coincidentemente, são as que mais têm exigido desapropriação de terras.
A procuradora da AGU, Patrícia Patrício, pondera que o aumento do número de ações judiciais de desapropriação faz parte de uma atuação mais proativa do governo para permitir a instalação dos empreendimentos.
Mas basta dar uma conferida nos relatórios do PAC para perceber que algumas obras ainda não foram iniciadas por dificuldade na desapropriação. É o caso de um lote da BR-365 (MG), previsto para ser concluído em 2009 e que até agora não saiu do papel. No último balanço, a obra estava parada por falta de desapropriação de imóveis no perímetro urbano.
Complexidade. Pela lei, a tomada de posse de uma propriedade é simples. Mas, na prática, o processo pode ser bastante complexo. O primeiro passo é fazer a declaração de utilidade pública da terra. Depois, há dois caminhos: administrativo ou judicial, explica Ventura Alonso Pires, advogado especialista em desapropriação e sócio da Pires e Associados. No primeiro caso, as duas partes negociam o valor da terra e fecham um acordo amigável.
Já na segunda hipótese, diz ele, o governo entra com a ação na Justiça e faz a oferta para o imóvel. O juiz avalia o valor e decide se concede ou não a liminar. Para tomar posse, o governo só tem de fazer o depósito do valor estabelecido. A partir daí, já pode iniciar as obras. "Ao expropriado, resta questionar na Justiça o valor a receber, já que a desapropriação é prerrogativa do Estado", diz o advogado Robertson Emerenciano, sócio do Emerenciano, Baggio e Associados.
Sendo assim, a pergunta é: por que há tanta demora nos processos conduzidos pelo governo? Os especialistas têm na ponta da língua uma lista de entraves. Um deles é o já conhecido problema de gestão dos governos federal, estadual e municipal. Na maioria das vezes, o governo se enrola na própria burocracia e não consegue dar celeridade ao processo, explicam especialistas.
O outro obstáculo é orçamentário. "Temos casos no escritório em que uma autarquia estadual teve o laudo provisório aprovado pelo juiz, mas não depositou o valor do terreno. Nessa situação, o bem fica fora do mercado e o proprietário não consegue fazer nada com o imóvel", diz Pires. Do outro lado, sem o pagamento, o governo não pode iniciar a obra.
A advogada da União Quésia Maria Mendes Neiva destaca que o juiz também pode decidir por não conceder a liminar ao governo - o que é menos comum. Nesse caso, não é possível ter a posse do imóvel. "Estou com um caso na Ferrovia Norte-Sul (cujas obras já duram décadas) em que o juiz não reconhece que a Valec (estatal ferroviária) tenha legitimidade para fazer a desapropriação das terras."

Grandes obras são as mais afetadas por ações
Em projetos como a Transnordestina e Transposição do São Francisco, governos e empresas precisam fazer milhares de desapropriações

RENÉE PEREIRA

A lista de entraves num processo de desapropriação inclui uma série de questões técnicas que precisam ser repetidas em todas as propriedades. "Para pedir a posse de um imóvel, é necessário encontrar toda a documentação da terra, achar o proprietário e provar que ele foi notificado", explica o advogado Robertson Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. Só nessa etapa, pode se perder alguns meses.
Em um projeto como o da Integração do Rio São Francisco, onde o número de desapropriações chega a milhares de propriedades, esse quadro se complica. Até agora, já foram concluídos 2.047 processos. E ainda faltam desapropriações a fazer para que as obras em três trechos do empreendimento sejam iniciadas, destaca o Ministério da Integração Nacional.
Na ferrovia Transnordestina, que vai ligar o sertão do Piauí aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE), as desapropriações viraram um martírio para o empreendedor. Os processos judiciais não constam do levantamento da Advocacia Geral da União (AGU) porque a desapropriação das terras está sob responsabilidade dos governos dos Estados do Piauí, Pernambuco e Ceará.
Iniciadas por volta de 2005, até hoje as desapropriações não foram concluídas. Segundo a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa que detém a concessão da ferrovia (de 1.728 km), a última avaliação mostra que faltam 20% das imissões de posse das áreas a serem desapropriadas. No total, a estrada de ferro vai envolver 5 mil propriedades por onde passar.
Além das áreas que não foram desapropriadas, há uma série de ações judiciais questionando o processo e os valores dos imóveis, o que está afetando o cronograma das obras, afirma a CSN. No município de Escada, em Pernambuco, os moradores de uma comunidade impactada pela ferrovia conseguiram, no ano passado, adiar durante um tempo a reintegração de posse até que fosse definido um local para a realocação das famílias. O juiz determinou que a prefeitura resolvesse a questão, mas alguns meses depois os moradores tiveram de voltar às ruas para ter os direitos preservados. A prefeitura não havia resolvido o problema.
Força tarefa. Patrícia Patrício, procuradora da AGU, diz que o governo tem adotado medidas para reduzir as ações judiciais nas obras do PAC. "Quando há algum leilão, ficamos todos a postos para evitar que alguma liminar atrase o processo ou prorrogue a disputa." No caso das desapropriações, uma alternativa são os mutirões de conciliação, que estão tendo efeito positivo, diz ela. Mas há sempre casos que escapam aos acordos amigáveis.
Na BR-448, por exemplo, na Região Sul do País, a discordância de um proprietário em relação ao valor a receber atrasou o início das obras no município de Sapucaia do Sul. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) havia solicitado à indústria têxtil Paramount a desapropriação de um imóvel que atrapalhava a continuidade das obras.
A Justiça acatou o pedido do Dnit e concedeu a posse do imóvel com o pagamento de R$ 1 milhão. A empresa, que não retornou ao pedido de entrevista, alegou que o valor depositado não refletia o preço real do bem, que estaria avaliado em mais de R$ 10 milhões. Após analisar os argumentos da companhia, o relator do caso no Tribunal Regional Federal suspendeu a posse provisória do imóvel para o Dnit. Foram necessários alguns meses para que a AGU conseguisse resolver o problema, no início do mês. Neste caso, o governo manteve o valor oferecido inicialmente.
Outro empreendimento que já enfrenta resistência nas desapropriações é o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, interior de São Paulo. Concedido à iniciativa privada no começo deste ano, o terminal terá novas pistas e novas áreas para passageiros. As obras vão atingir cerca de 200 imóveis, alguns deles centenários.

Estratégia é oferecer preço baixo

A estratégia mais comum usada pelos governos federal, estadual e municipal numa desapropriação é jogar o preço do imóvel ou da terra lá em baixo. Dessa forma, quando o juiz autoriza o depósito para tomar posse da terra, o valor é menor, destaca o advogado Ventura Alonso Pires, da Pires e Associados.
Se não concordar com a oferta, o desapropriado vai recorrer na Justiça. Mas essa briga pode levar anos para chegar ao fim. E, quando terminar, se o juiz decidir que o valor é maior, o governo terá de fazer o depósito da diferença. Mas, pelo menos, ganhou tempo para desembolsar o valor.
Para quem depende unicamente do imóvel para morar, a estratégia soa como violação dos direitos dos cidadãos, que perdem suas casas e recebem um valor que mal dá para comprar outro imóvel. As obras para a Copa do Mundo, por exemplo, já incentivaram até a criação de um Comitê Popular dos Atingidos pela Copa de 2014.
O objetivo é tentar evitar as desapropriações nas cidades-sede do campeonato mundial de futebol. Uma das ações impetradas na Justiça foi em Natal (RN), contra a expropriação de imóveis que darão lugar a obras de mobilidade urbana na cidade. O juiz negou o pedido. / R.P.

OESP, 23/07/2012, Economia, p. B1-B3

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