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Disputa por diamantes gera tensao em reserva indigena

JB, Pais, p.A6
28 de Dez de 2003

Disputa por diamantes gera tensão em reserva indígena
Relatório aponta drama dos Cinta Larga na luta contra a invasão de garimpeiros

Fernanda Nidecker

Reduzidos a menos de um terço de sua população em 30 anos de contato com o homem branco, os índios Cinta Larga vêm sofrendo pressões de políticos e garimpeiros, que disputam entre si e com os indígenas a exploração da maior riqueza da reserva: o diamante. Donos de uma das maiores jazidas mundiais desta pedra preciosa no Centro-Oeste brasileiro, os Cinta Larga estão acuados no interior de suas aldeias, com medo de ameaças e represálias por acusações de assassinato.
Um quadro de calamidade foi detalhado no relatório elaborado pelo Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, Jean-Pierre Leroy, da ONG Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC), que conta com o apoio das Nações Unidas. Entre os dias 16 e 18 de novembro, Leroy visitou as terras dos Cinta Larga em companhia da subprocuradora Geral da República, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, de representantes de entidades indígenas e da Fundação Nacional do Índio (Funai), além da indigenista Maria Inês S. Hargreaves. Localizada no noroeste do Mato Grosso e em Rondônia, a reserva cobre 2,7 milhões de hectares e, após décadas de exploração, abriga os 1.300 indígenas que sobraram da população original de 5 mil.
Segundo Leroy, a situação parecia mais controlada desde do início do governo Lula, quando o Ministério da Justiça, em parceria com um Grupo Tarefa da Funai, implementou o Plano Emergencial de Proteção ao Cinta Larga, retirando os garimpeiros da Terra Indígena Roosevelt (TI) e promovendo o cultivo de plantações, criação de rebanho bovino e piscicultura. O início tardio do repasse da verba, em outubro, levou os índios a reativarem o garimpo e organizarem a lavra superficial de diamantes, como forma de sustento das aldeias. Cerca de 60 índios estão garimpando com a ajuda de dois brancos, responsáveis pelo conserto das bombas de sucção do cascalho.
A atividade, que vem ameaçando o meio ambiente devido à falta de assessoria técnica qualificada e à repetição dos métodos aplicados pelos garimpeiros, provoca o assoreamento dos canais e a turbidez da água. O relator, no entanto, pondera que os danos atuais são bem mais reduzidos pela exploração comedida dos indígenas e a retirada dos brancos.
Incomodados por estarem na ilegalidade, os índios reivindicam seus direitos sobre o território e recursos e a imediata legalização da extração e da comercialização do garimpo.

Decidimos que não queremos mais trabalhar clandestinamente e exigimos do governo brasileiro a garantia do usufruto exclusivo das nossas riquezas.
De olho na mina de diamante, milhares de garimpeiros tentam furar o bloqueio e, para isso, usam de intimidação e de outros meios perversos como acusações contra os Cinta Larga, há poucos meses apontados como culpados pelo assassinato de cinco garimpeiros, cujos corpos foram encontrados dentro dos territórios.
O estudo da ONG revela como têm sido intensas as coações pela reabertura do garimpo, a ponto de o governador de Rondônia, Ivo Casso, ter tentado acordo com a Associação Pamaré, uma das diversas entidades representativas dos índios.
Segundo os índios relataram a Leroy, o governador dizia que os Cinta Larga não sabiam trabalhar. Mandou a polícia ambiental para as barreiras e insinuava que não permitiria que mais ninguém entrasse. Quando viu que nada havia acontecido, retirou a polícia ambiental.
O relator disse ainda ter recebido denúncias sobre o bloqueio da rodovia BR-364 por um grupo de 60 garimpeiros armados que ameaçavam invadir e retomar o garimpo. Ainda segundo a Associação Pamaré, o governo incentivou os garimpeiros a invadirem a área indígena e, depois da retirada dos policiais das entradas das aldeias, boa parte deles entrou às escondidas na área, causando mortes e, por meio de calúnias, os culpa de tais mortes.
Em 21 de outubro, foi preso e liberado em seguida, José Roberto Gonzalez, funcionáro da Companhia de Mineração do Estado de Rondônia (CMR), cujo presidente é a chefe de gabinete do governador, Leandra Vivian. Gonzalez foi flagrado no interior da terra indígena tentando negociar com os índios. Dentro de sua mochila, foram encontrados uma arma e documentos que lhe davam plena autonomia de ação.
Depois de traçar um diagnóstico detalhado do atual contexto dos Cinta Larga, Leroy estabeleceu uma lista com 20 recomendações relativas à segurança pública e ao acesso à Justiça e à exploração de recursos naturais e indenizações aos Cinta Larga. Entre outras sugestões, o relator pede que os crimes praticados contra os indígenas sejam investigados e que os responsáveis, punidos com o mesmo vigor, rapidez e intensidade com que se apuram os crimes em que os índios são suspeitos; que a garimpagem realizada pelos Cinta Larga seja devidamente regulamentada por meio de providências interministeriais, envolvendo as pastas da Justiça, Minas e Energia e Meio Ambiente. A legalização garantiria a exclusividade da lavra pelos índios e um posto da Caixa Econômica Federal seria instalado nas reservas para o comércio legal dos diamantes.

JB, 28/12/2003, A6

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